A nova política federal vai no caminho contrário ao do Estatuto do Desarmamento, de 2003, que havia endurecido as exigências e afastado as armas da população. O estatuto permanece em vigor, mas parte de suas regras foi afetada pelas recentes medidas presidenciais.
Amigo pessoal do presidente Bolsonaro e sua família, o capitão PM Adriano da Nóbrega, morto em confronto com a polícia, dominava a milícia na Zona Oeste do RioAo mesmo tempo em que obstrui a luta contra a pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem pressa para liberar o máximo de armamento para os milicianos que o apoiam. A constatação é de um grupo de juristas que, em carta assinada nesta sexta-feira, mobiliza o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Parlamento a cancelar a validade de uma série de decretos que facilita o acesso dos brasileiros às armas de fogo e entrará em vigor nesta terça-feira.
Desde que assumiu o Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, Bolsonaro já assinou em torno de 30 de normas que, entre outras mudanças, abrandaram as exigências para a posse e o porte, aumentaram a quantidade de armas e munições que o cidadão pode possuir; liberaram o comércio de armas antes restritas às forças de segurança pública e dificultaram a fiscalização e o rastreio de munições.
A nova política federal vai no caminho contrário ao do Estatuto do Desarmamento, de 2003, que havia endurecido as exigências e afastado as armas da população. O estatuto permanece em vigor, mas parte de suas regras foi afetada pelas recentes medidas presidenciais.
Política pública
Como resultado da guinada, este é o momento de toda a história nacional em que existem mais armas nas mãos de cidadãos comuns. Em 2019 e 2020, os brasileiros registraram 320 mil novas armas na Polícia Federal. De 2012 a 2018, o total havia sido de 303 mil.
De acordo com Melina Risso, uma das diretoras do Instituto Igarapé (ONG dedicada à Segurança Pública e aos Direitos Humanos), a única política pública de Bolsonaro para a área da segurança é a disseminação das armas.
— Quando anuncia que as pessoas têm que se defender com as próprias mãos, o governo está dizendo: ‘Esse não é meu trabalho. Vocês que se virem’. Na verdade, o governo está enganando as pessoas. A segurança pública é uma das primeiras responsabilidades do Estado e não pode ser terceirizada para os cidadãos — afirma Risso.
Pandemia
Segundo Risso, as armas nas mãos de civis, em vez de diminuírem a criminalidade, apenas aumentam o número de mortes — sejam homicídios e suicídios, sejam acidentes domésticos. Uma briga de trânsito que na pior hipótese acabaria em agressão física, por exemplo, poderá resultar em assassinato caso um dos envolvidos tenha um revólver dentro carro.
— Ao mesmo tempo, o governo vem destruindo a política de segurança que havia sido construída até 2018 com a participação da sociedade civil, dos gestores públicos e das polícias. Tivemos, por exemplo, a aprovação do Sistema Único de Segurança Pública e o estabelecimento de fontes de financiamento para o setor. São avanços vêm sendo sistematicamente ignorados — acrescentou.
”Se Jair Bolsonaro se dedicasse à aquisição de vacinas da mesma forma como se dedica ao aumento de armas de fogo no país, os brasileiros certamente estariam em situação muito melhor”, pronunciou-se o Partido dos Trabalhadores (PT), em nota divulgada nesta tarde.
Milícias
De autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), o PDL 55 busca derrubar os decretos presidenciais que facilitam a aquisição, o registro e o porte de armas de fogo. O texto seria analisado na quinta-feira, mas o relator da proposta, Marcos do Val (Podemos-ES), não apresentou seu relatório, com a desculpa de que não teve tempo para prepará-lo. O PDL é de 18 de fevereiro.
“O governo tenta, assim, ‘ganhar no tapetão’, uma vez que os decretos armamentistas de Bolsonaro passam a valer na próxima terça-feira. O Partido dos Trabalhadores tem denunciado os malefícios que serão causados ao país caso entrem em vigor os decretos de Bolsonaro, assinados em fevereiro passado, pouco antes do carnaval”, acrescenta a nota.
Por isso, ainda em fevereiro, o PT, assim como outros partidos de oposição, recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que a Corte avalie a inconstitucionalidade da medida. Como denunciou na ocasião a presidenta nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), Bolsonaro não busca deixar o país mais seguro, e sim dar um tom legal ao armamento de milícias.
Diante das dificuldades impostas pela base governista no Congresso, os partidos de oposição alertaram a relatora do tema no STF, ministra Rosa Weber, sobre a possibilidade de os decretos entrarem em vigor sem a devida discussão. Weber disse a jornalistas, que pautará as ações de inconstitucionalidade contra os decretos desta semana.