Eduardo Pazuello na CPI da Pandemia Foto: SERGIO LIMA/AFP
BRASÍLIA - O superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, coronel da reserva George Divério, aliado do ex-ministro Eduardo Pazuello, negou-se a apurar suspeitas de irregularidades em dois contratos emergenciais assinados por sua gestão, sem licitação, para reformas em instalações no Rio.
As suspeitas de irregularidades nos contratos, que somavam quase R$ 30 milhões, foram apontadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) e reveladas ontem pelo "Jornal Nacional". Após ser comunicado pela AGU, Divério anulou os dois contratos, mas o órgão também solicitou que fossem abertas investigações para apurar os responsáveis pelas irregularidades nas dispensas de licitação — descumprimento das exigências para contrato emergencial e indícios de sobrepreço, por exemplo.
Nos dois casos, a equipe de Divério argumentou que não havia elementos para abrir a investigação, porque os contratos já haviam sido anulados e não houve gasto de recursos públicos. "Os atos praticados no processo foram anulados e não houve a consumação do contrato, razão pela qual ocorrera a perda do objeto passível de apuração das irregularidades", apontou a Coordenação de Administração da Superintendência do Rio. Divério emitiu em seguida um parecer ratificando esse entendimento.
A AGU, entretanto, discordou e decidiu mandar o material para análise do Tribunal de Contas da União (TCU), citando o entendimento da própria corte que a ausência de prejuízo ao erário não isenta a responsabilidade dos gestores.
"A autoridade optou por não promover a apuração das irregularidades, por entender que a anulação dos atos acarretaria a perda do objeto, bem como por não ter havido prejuízo efetivo ao erário. Entendemos que tal fundamento não elide as eventuais responsabilidades administrativas ou mesmo penais dos servidores que atuaram no feito, caso constatado algum ilícito em sua participação nos atos eivados de irregularidade, especialmente em caso de má-fé ou culpa grave (entendida como negligência ou imprudência). Mesmo porque, a lisura da atuação do servidor público não é medida apenas pelo dispêndio de recursos públicos, mas também abarca inúmeros outros deveres funcionais", escreveu, em um parecer de 24 de março referente a um dos contratos, a advogada da União Luciana Pires Csipai.
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Em um julgamento de 2012, o TCU entendeu que a anulação de uma licitação não eliminava as irregularidades praticadas pelos gestores públicos, que ainda podem ser alvos de sanções.
"Frente à inércia da autoridade, já foi determinado o encaminhamento dos autos do processo administrativo à Controladoria Regional da União no Estado do Rio de Janeiro e ao TCU, para a devida apuração das irregularidades relatadas", escreveu a advogada da União.
Um mês depois, em 22 de abril, ela escreveu um novo parecer fazendo críticas à postura do Ministério da Saúde de não abrir apuração. "Portanto, por tais fundamentos, entendo que a anulação do ato administrativo irregular e a inocorrência de prejuízo efetivo aos cofres públicos não isentam a autoridade de instaurar o procedimento formal pertinente para apurar as exatas circunstâncias da prática do ato, a fim de verificar se os servidores responsáveis exerceram irregularmente suas atribuições ou descumpriram quaisquer deveres funcionais, passíveis de sancionamento".
Procurado, o ministério ainda não se manifestou sobre a recusa em investigar o caso.
Amigo de longa data
Divério, que permanece como superintendente do Ministério da Saúde no Rio, é amigo de longa data de Eduardo Pazuello. Os dois foram cadetes na turma de 1984 na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende. Ambos também integraram o Batalhão de Forças Especiais, grupo de elite do Exército que atua em missões reservadas e de inteligência, o que fortaleceu os laços entre eles. Divério e Pazuello se mantiveram próximos mesmo após o coronel ir para a reserva remunerada, em 2015.
Ao ser efetivado no comando do Ministério da Saúde, Pazuello recorreu a militares para ocupar cargos e convidou o antigo amigo para assumir a Superintendência do Ministério da Saúde no Rio, que tem como um das atribuições fazer a gestão de seis hospitais federais. Até julho de 2020, Divério atuava na administração da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL). No Exército, Divério atuou como gestor no Escritório de Projetos do Exército e foi comandante do Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus.
Segundo pessoas próximas a Pazuello, o convite foi feito com base na "confiança, pela proximidade e qualificação". Afirmam, entretanto, que o coronel da reserva tinha autonomia no cargo para realizar despesas e fazer contrataçõe.
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Após o depoimento de Pazuello à CPI nesta quarta-feira, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou um pedido de quebras dos seus sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático. O requerimento ainda não foi apreciado.
O senador justifica o pedido de quebra com base nas denúncias veiculadas na terça-feira pelo "Jornal Nacional" sobre a contratação de empresas para reforma de galpões do Ministério da Saúde sob o pretexto da emergência da epidemia de Covid-19. Em relação à quebra de sigilo telefônico, Randolfe pediu a relação de todas as ligações feitas ou recebidas por Pazuello desde 2020.
O requerimento também pediu a relação de todas as empresas das quais Pazuello venha a ser sócio, além de dados da suas declarações de imposto de renda. Randolfe também pediu acesso aos dados bancários de Pazuello desde 2020, incluindo informações sobre investimentos, bens e valores mantidos em instituições financeiras. O requerimento também solicitou acesso aos dados telemáticos, o que inclui dados de e-mail e aplicativos de trocas de mensagens como o WhatsApp, Telegram, entre outros.