Sob grito de “Fora Bolsonaro”, milhares foram protestar contra a pandemia, o luto por seus entes perdidos na pandemia e a violência contra a população negra. “Ainda que não derrube Bolsonaro agora, é importante aumentar a força para derrotá-lo no ano que vem”
Com cartazes, camisetas e adesivos pedindo a saída do presidente, os manifestantes, a grande maioria de máscaras, tentaram engrossar as fileiras de revolta contra o quadro atual da pandemia de coronavírus e seus desdobramentos. Além das 500.000 mortes por covid-19, a lentidão da vacinação, a volta do auxílio emergencial de 600 reais, o desemprego, o descaso com a educação e com o meio ambiente, e o uso da violência contra a população negra estiveram foram os motes nas ruas. A socióloga Dulce Neri, de 71 anos, não havia ido ao ato do dia 29 de maio porque ficou com medo da aglomeração. Mas, para o protesto deste sábado decidiu, que não dava mais para ficar em casa. Veio com suas filhas e neto. “Impossível ficar quieta com em casa com 500.000 mortos e esse desgoverno”, disse ela na avenida Paulista.
“O verme matou meu avô”, lia-se no cartaz carregado por Clayton. “Ele matou meu pai e mais 498.000. Fora genocida”, escreveu Francisco, de 24 anos, em uma cartolina. “Perdi meu pai há três meses. Ele vinha lutando contra um câncer, mas infelizmente, por causa desse genocida que está no poder, ele contraiu n vírus e morreu”, relata ele, que interrompe sua fala para chorar. E completa: “Estou aqui por todas as vidas que perdemos e contra esse Governo”. Igor Tavares Rodrigues, de 27 anos, também lembrou de um familiar que se foi: “Minha avó morreu dois dias antes de vacinar. 11 ofertas recusadas. E se?”, escreveu em seu cartaz. “A minha luta é pela responsabilidade. É função de um Governo proteger seu povo, mas esse Governo é completamente negligente. Ele abriu uma cova para 500.000 brasileiros, e minha avó foi uma delas”, explica. É o Brasil em carne viva diante de uma tragédia que poderia ter sido atenuada se tivesse sido levada a sério desde o princípio. O Governo, porém, optou por apostar no tratamento precoce como estratégia contra a corrente científica, o que o levou a derrubar dois ministros da Saúde —Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich—, a manter um general da ativa que endossou a política errática do presidente, até chegar ao ministro Marcelo Queiroga.
O titular atual da pasta conseguiu independência para defender o uso da máscara e distanciamento, mostrando-se adepto da ciência. Mas acima dele está um mandatário que segue indo a eventos sem máscara e criando teorias falsas. Há poucos dias disse em sua live semanal no Facebook que contaminar-se com o vírus é mais eficiente que a vacina. A distância entre ambos ficou clara outra vez neste sábado. Enquanto seu ministro da Saúde e os ex-titulares prestaram solidariedade aos 500.000 mortos por covid-19, Bolsonaro preferiu saudar os policiais que tentam prender o assassino Lázaro Barbosa, que está foragido há 11 dias no Distrito Federal. Ao fim do dia, ainda ironizou manifestantes em Paranaguá.
As ruas no Brasil se movem e a classe política tenta se sintonizar com suas demandas. Senadores da CPI da Pandemia aproveitaram a data para assumir o compromisso de que os responsáveis por parte do meio milhão de mortes “pagarão pelos seus erros, omissões, desprezos e deboches”. “Não chegamos a esse quadro devastador, desumano, por acaso. Há culpados e eles, no que depender da CPI, serão punidos exemplarmente. Os crimes contra a humanidade, os morticínios e os genocídios não se apagam, nem prescrevem. Eles se eternizam e, antes da justiça Divina, eles se encontrarão com a justiça dos homens”. O texto foi assinado por nove senadores, entre eles Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (REDE-AP), e Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) discursaram para os manifestantes durante o protesto em São Paulo. Nas redes, vários políticos lamentaram as mortes deste sábado, como os governadores João Doria (PSDB-SP), Flávio Dino (de mudança para o PSB-MA) e ACM Neto (DEM-BA), assim como os presidenciáveis Ciro Gomes (PDT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista chegou a acenar sua ida ao protesto, mas acabou desistindo. Nos atos, porém, seu nome era o mais lembrado. Diversas pessoas vestiam camiseta do PT ou de Lula. Os amigos Thayná Ferreira, de 25 anos, Fernando Siqueira, 28, e Daniel Felício, 22, traziam cada um uma bandeira do PT enrolada ao corpo. “Eu me formei graças ao Lula e meus pais têm uma casa popular por causa dele”, disse Daniel, que é publicitário. A presença de sindicatos pode explicar a predileção por Lula. Não havia bandeiras ou adesivos de outros opositores de Bolsonaro, como Ciro ou João Doria.
Nem todos, porém, foram às ruas pensando em eleição de 2022. Giovane Gonçalves, de 24 anos, trabalha na subprefeitura de Santo Amaro, mas como os tempos andam “difíceis”, ele complementa sua renda como entregador de aplicativo. “Estamos aqui na luta contra esse desgoverno de Bolsonaro e pelas pessoas mortas. Inclusive tive parentes, tio e primo, que morreram por causa desse desgoverno que é anti-vacina, negacionista”. Ele diz que sua vida tem sido um “caos” também por conta da questão econômica e desse retrocesso na vida das pessoas”. Espera pela queda do presidente o quanto antes. Mas também explica que a luta pelo “fora Bolsonaro” também se une à demanda dos entregadores de aplicativo por mais direitos trabalhistas. “A gente corre risco de vida, estamos no trânsito, e nem sempre somos valorizados. Por isso essa luta é importante também.”
Sobrou também para o vice-presidente Hamilton Mourão e os militares. Algumas faixas incluíam “Fora Mourão” e “Fora Bolsonaro e seus generais”, num momento em que as Forças Armadas dão cada vez mais suporte ao presidente e há insistentes ataques a pactos democráticos em distintas áreas.
O impeachment de Bolsonaro ainda é uma expectativa para seus opositores. “Se a vacinação avançar, queremos lotar esse gramado do Congresso Nacional. Aí, quero ver dizerem que falta apoio popular pelo impeachment”, disse a enfermeira Mariana Castilho, de 46 anos, em Brasília. Mas há quem olhe mais longe para 2022. “Ainda que não derrube o Bolsonaro agora, é importante aumentar a força para o derrotarmos no ano que vem”, disse o aposentado Aldino Graef, 70, ao lado da companheira dele, a professora Walkiria Lobato, 61. Margarete Coelho, uma das representantes do movimento negro presente no ato da capital do país, foi na mesma linha. “Somos nós, as pretas, os pretos, os índios e as índias que vamos derrubar este Governo neste ano ou no ano que vem, nas urnas”, afirmou.
O ato de Recife, que começou às 9h, correu com tranquilidade, sem a violência policial registrada na última manifestação, de 29 de maio, informou o portal G1. Na ocasião, dois homens foram atingidos nos olhos por balas de borracha, e um deles perdeu o olho. Em diversos momentos, os manifestantes lembraram neste sábado das agressões -algumas pessoas compareceram ao ato com tinta vermelha em um dos olhos. A repressão resultou na queda do então secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, e do então chefe da PM, Vanildo Maranhão, este último transferido à reserva remunerada pelo governador Paulo Câmara (PSB). Além disso, 16 PMs foram afastados.
Os atos deste sábado foram convocados pela frente Brasil Popular, pela Coalizão Negra por Direitos e pela frente Povo sem Medo, que tem Guilherme Boulos, principal liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato à presidência e à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, como um dos coordenadores. Juntos, congregam centenas de movimentos sociais. Mas os atos também contaram com apoio de algumas organizações de centro, como o Movimento Acredito. Nas redes sociais, o movimento ganhou a hashtag #19JForaBolsonaro e desde cedo já era o principal assunto no Twitter.