FIB Bank Garantias foi usada pela Igreja Mundial do Poder de Deus, do pastor Valdemiro Santiago
Vinicius Sassine - FolhaPress
Empresa responsável por garantir o contrato bilionário da
vacina Covaxin no governo Jair Bolsonaro, a FIB Bank Garantias foi usada pela
Igreja Mundial do Poder de Deus, do pastor Valdemiro Santiago, para arrastar
uma dívida de R$ 12 milhões cobrada na Justiça em São Paulo.
Uma ação judicial chegou a afirmar que a carta de fiança
emitida pela garantidora —e usada pela igreja — era inidônea e sem lastro para
o pagamento da dívida, perpetrando uma prática de fraudar credores já detectada
pela Justiça e remetida ao MPF (Ministério Público Federal) para investigação.
À Folha a FIB Bank afirmou que a carta acabou rejeitada pela
Justiça e que, por isso, o documento emitido para a igreja foi cancelado pela
empresa. “A negativa de um juiz não altera nem invalida a lei que a
estabelece”, disse.
Santiago é um dos pastores de igrejas evangélicas
neopentecostais que apoiam Bolsonaro. Em 18 de julho, por exemplo, o líder da
Igreja Mundial do Poder de Deus acompanhou o presidente após a alta médica em
hospital de São Paulo, onde o chefe do Executivo tratou uma obstrução
intestinal.
A igreja tem uma parceria com a Rede Brasil de Televisão para
veiculação de conteúdo religioso durante 12 horas da programação diária.
O dono da emissora é o empresário Marcos Tolentino da Silva,
apontado em ações na Justiça de São Paulo como sócio oculto da FIB Bank, como a
Folha revelou em reportagem publicada em 23 de julho.
Depois de o jornal revelar a suspeita de sociedade oculta e
irregularidades na oferta da garantia para viabilizar o contrato da Covaxin, em
reportagens publicadas em 14 e 16 julho, a FIB Bank entrou de vez no escopo de
investigações da CPI da Covid no Senado.
A comissão quebrou sigilos da empresa e aprovou a convocação
de Tolentino para depor aos senadores. Também foi convocado o presidente formal
da FIB Bank, Roberto Pereira Ramos Júnior.
O depoimento de Ramos Júnior está agendado para esta
quarta-feira (25). A CPI suspeita que ele seja apenas um preposto no cargo.
Tolentino é amigo próximo do deputado federal Ricardo Barros
(PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. Os dois estiveram com o
presidente no Palácio do Planalto em 13 de julho.
Barros também é investigado pela CPI, por suspeita de
participação em negociações irregulares de vacina.
A Igreja Mundial do Poder de Deus assinou um instrumento
particular de confissão de dívida, em maio de 2017, em que reconheceu dever R$
12,2 milhões à empresa SM Comunicações. O serviço consistia em veiculação de
programas televisivos da igreja do pastor Valdemiro.
Por meio dos advogados Paco Manolo Alcalde e Rafael Gunkel, a
SM ingressou na Justiça em São Paulo com uma ação de execução da dívida. No
momento da ação, em outubro de 2018, a dívida estimada era de R$ 15,2 milhões.
No curso do processo, a Igreja Mundial do Poder de Deus
apresentou uma carta de fiança emitida pela FIB Bank para postergar e cobrir o
pagamento da dívida. Primeiro, o documento não cobria o valor da dívida. Uma
segunda carta foi apresentada, com valor ampliado para R$ 23,5 milhões.
O ofício à Justiça que cita a nova carta de fiança foi
apresentado por dois escritórios de advocacia, como consta no cabeçalho do
documento. Um tem como sócio Marcos Tolentino. O outro, o advogado Felício
Valarelli Júnior.
Tolentino é apontado como sócio oculto da FIB Bank. Valarelli
assinou o estatuto social da constituição da empresa em 2016.
“O mero aumento de valor [da ‘carta de fiança’] em nada
afasta a nítida ausência de lastro para que a instituição fiadora FIB Bank garanta
o cumprimento da obrigação sub júdice”, afirmam os advogados da empresa credora
em uma das petições na Justiça.
Eles dizem existir um “esquema ardiloso, orquestrado pelos
prepostos da executada [a igreja] e personificado na pessoa jurídica FIB Bank,
com o nítido intento de fraudar credores”.A ação lembra que a FIB Bank, apesar
de ter “banco” no nome, não é uma instituição financeira cadastrada no Banco
Central.
Em decisão num recurso apresentado pela Igreja Mundial do
Poder de Deus, que se manifestou contra o bloqueio de contas bancárias, a
Justiça considerou que “o inadimplemento é incontroverso”.
O embargo foi rejeitado em junho de 2020. O juiz responsável
enviou documentos ao MPF e à Procuradoria-Geral do Banco Central para
investigação sobre a FIB Bank, pelo fato de a empresa exercer atividades
típicas de instituição financeira sem ser uma instituição financeira.
Dois anos antes, a Justiça em São Paulo já havia remetido
cópia de outra ação cível à esfera criminal, em razão das suspeitas de crimes
envolvendo a FIB Bank Garantias.
O juiz afirmou existir “evidente fraude à execução” e
encaminhou os autos ao MPF “para providências que entender pertinentes”.
“A FIB Bank se vale de seu patrimônio e expertise, para
prestar serviços de fiança e garantia fidejussória para terceiros”, afirmou a
empresa, em nota. “Dezenas de empresas atuam nesse segmento de mercado no
Brasil e, com a FIB Bank, têm centenas de setenças judiciais favoráveis à
utilização de suas garantias.”
Sobre Valarelli, a empresa disse que ele é “um dos criadores”
da FIB Bank. E que o escritório de Tolentino tem como cliente a empresa que é
uma das sócias da empresa.
Mesmo diante das suspeitas, uma carta de fiança da FIB Bank
foi usada pela Precisa Medicamentos, a intermediária do negócio da Covaxin,
como garantia do contrato de R$ 1,61 bilhão, referente a 20 milhões de doses
–nenhuma dose foi entregue nem o valor foi pago, apesar da autorização para o
gasto ter sido emitida pelo governo Bolsonaro em 22 de fevereiro.
O Ministério da Saúde
aceitou uma garantia irregular no negócio.
A fiança oferecida, equivalente a 5% do valor do contrato –R$
80,7 milhões–, era do tipo fidejussória, pessoal, não prevista nem na lei nem
no contrato assinado. Deveria ser ofertada uma fiança bancária, um
seguro-garantia ou caução em dinheiro ou títulos da dívida pública.
Além disso, o ministério aceitou a garantia fora do prazo. A
carta de fiança foi apresentada dez dias após o fim do prazo contratual e foi
incluída no sistema de pagamentos do governo federal.
O Ministério da Saúde chegou a planejar a dispensa de
garantia no contrato da Covaxin. Depois de mudar esse plano, aceitou a fiança
irregular.
A FIB Bank também garantiu um contrato da Precisa de venda de
preservativos femininos à pasta. A Precisa, um dos alvos centrais da CPI da
Covid, já recebeu R$ 102,3 milhões do governo federal pelo fornecimento dos
preservativos.
O contrato para a Covaxin foi suspenso e será cancelado em
definitivo, como já anunciou o governo Bolsonaro.
As fraudes detectadas, irregularidades e suspeitas de
corrupção são investigadas por CPI, Polícia Federal, MPF (Ministério Público
Federal), TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria-Geral da
União).
A Folha enviou questionamentos a Marcos Tolentino, à Igreja
Mundial do Poder de Deus e ao escritório de advocacia que aparece como defensor
da igreja na ação de execução. Não houve respostas. A reportagem também tentou
contato por telefone com os advogados defensores da igreja, sem êxito.