Nomes de peso da economia manifestam a maior insatisfação com Bolsonaro desde sua chegada ao poder. O agravamento da crise deve aumentar o afastamento
INDIGNADO Guilherme Leal, da Natura, diz que questionar as eleições é “totalmente inaceitável” (Crédito: Adriano Vizoni)Por Marcos Strecker
“Essa escalada precisa acabar para que a gente volte a gerar
renda” Fernando Pimentel, presidente da Abit (Crédito:Divulgação)
O manifesto reuniu nomes de peso como Luiz Carlos Trabuco,
presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Pedro Moreira Salles e
Roberto Setúbal (Itaú Unibanco), Luiza e Frederico Trajano (Magalu), Walter
Schalka (Suzano), Ricardo Lacerda (BR Partners) e José Olympio Pereira (Credit
Suisse Brasil). Em março, empresários já haviam divulgado um manifesto cobrando
o governo por medidas efetivas de combate à Covid, que ficou conhecido como a
“carta dos 500”. Mas, ao contrário dessa iniciativa, que serviu para forçar o
governo a acelerar a compra de vacinas, o manifesto pró-democracia, lançado no
mesmo momento em que o TSE e o STF passaram a tomar medidas concretas para
conter as investidas antidemocráticas, não conseguiu conter a radicalização do
governo. Depois que a PEC do voto impresso foi derrubada na comissão especial
da Câmara, no dia 6, a matéria voltou ao plenário por pressão do presidente,
que organizou um desfile de tanques para aumentar a pressão sobre os
parlamentares na última terça-feira. Mesmo com uma nova derrota nesse dia,
Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre as urnas eletrônicas.
“Tenho arrepios, como boa parte do mercado, de ver esse
arremedo de nacional-populismo crescendo no País” Daniel Goldberg, sócio da
Farallon (Crédito:CLAUDIO BELLI)
Além da indignação com a ameaça antidemocrática, o
combustível para a insatisfação é a percepção de que o governo Bolsonaro leva a
economia a um impasse. Guedes já não consegue mais convencer que vai manter uma
pauta coerente de respeito aos bons fundamentos econômicos, pois os programas
eleitoreiros de Bolsonaro viraram a prioridade. A paralisia com as
privatizações, o calote nos precatórios, a reforma açodada do Imposto de Renda,
a pauta antiambiental e a crise energética que colocou o País na iminência de
novos apagões são fatores que afastam os empresários dos braços do governo.
Isso é sentido especialmente no setor de fundos de investimentos, que lida com
as expectativas futuras e com a visão que players do exterior.
“Tenho arrepios, como boa parte do mercado, de ver esse
arremedo de nacional-populismo crescendo no País. Essa combinação de blindados
na rua, insinuações nas redes sociais e intimidação por meio de milícias
digitais me lembra episódios tenebrosos do passado”, diz o empresário Daniel
Goldberg, que é sócio da Farallon, uma das maiores gestoras de fundos do mundo,
com US$ 20 bilhões em ativos. “Este governo ataca permanentemente as
instituições democráticas, ao invés de endereçar os problemas verdadeiros e
urgentes que o País enfrenta”, acrescenta Marcos Lederman, ex-diretor do banco
Credit Agricole e sócio-fundador da JointVest. “Mais do que inadequada, a
situação traz instabilidade ao Brasil, porque os investidores daqui e de fora
que querem apostar na retomada do País estão cada vez mais desconfiados”,
concorda Eduardo Sirotsky Melzer, da EB Capital, gestora com R$ 3,5 bilhões em
ativos no País. A falta de paciência cresce. A perpetuação da crise em três
frentes – institucional, sanitária e econômica – pode deteriorar ainda mais o
ambiente de negócios e selar o divórcio do PIB com o presidente. Essa ruptura
ainda não aconteceu, mas o tom do manifesto foi de ultimato. “O ano de 2022 já
é uma zona de incerteza, com a alta da inflação, o desemprego, as preocupações
fiscais e o Auxílio Brasil, que é mais um jeito de turbinar votos do que uma
ajuda para quem precisa. A questão é que o que está em jogo não é mais a
economia, mas a defesa da democracia”, resume Ana Carla Abrão, head do
escritório da Oliver Wyman no Brasil.
Colaborou Vinicius Mendes
“O ano de 2022 é uma zona de
incerteza. O que está em jogo não é mais a economia, mas a democracia” Ana
Carla Abrão, economista (Crédito: Ruy Baron/Valor )