Nosso
primeiro espetáculo foi inspirado nas
matrizes da cultura popular nordestina, com a colagem “Peleja de Lampião com o
Capeta”, com Idalmo Silva na pele de Lampião, atores Beto Palhano, Ecilio
Rodrigues, Agnaldo Santos, Osório Cândido, Romualdo e suas irmãs Tânia, Bernadete
e Palmira Palhano. Eu fiz a direção e fiquei encarregado da música, com cenário
da pintora Jandira Lucena. Essa Peleja andou a Paraíba toda e estados vizinhos
por vários anos, mostrando um inferno burocrático capitalista e um Lampião com
ideias socialistas. O carro da censura estacionou muitas vezes nas portas dos
teatros, ameaçando elenco e cortando texto. Obviamente, não faltaram coragem e
medo entre os rapazes e moças do Grupo. Com meus vinte anos, escondia um
passado aterrador: aos quinze, editei meu primeiro jornal, confiscado pelo
prefeito e delegado por “desacreditar autoridades constituídas”.
Outros erros acumulados: fazia poemas distribuídos em folhas
mimeografadas, discutia política em pequenos grupos na casa do professor
trotskista, liderava pernas trêmulas e bocas secas em protestos contra a
repressão aos camponeses de Alagamar. Sobre isso, o maestro Luiz Carlos Cândido
lembrou outro dia, em mesa de bar, episódio lamentável para quem pretendia
levar a sério a luta contra o regime. Dia de finados, fomos para a porta do
cemitério de Itabaiana distribuir panfletos onde se dizia, entre outros
despautérios, que “a ditadura enterra a esperança da nação e sepulta a justiça
social”. Avisado, o delegado reuniu a tropa constituída pelo cabo Furico e o
soldado Batalhão para invadir o campo santo em busca dos perigosos subversivos.
Joacir Avelino teve a ideia de se disfarçar de defunto. Deitou numa cova
aberta, arrumamos umas velas e passamos a vigilar o “falecido”. Descoberta a
trama macabra, pulamos o muro e fomos discutir a defectível ação, passando do
pânico absoluto para a serenidade, graças a uma cachaça muitíssimo ordinária
por nome “Beba Ela”.
Depois, essa cena foi agregada ao texto da peça “O martírio
do lavrador a caminho do Calvário”, espetáculo com que pretendíamos receber o
Bispo Dom José Maria Pires quando veio “ouvir os clamores do seu povo” no caso
de Alagamar. O próprio Dom Pelé tratou de cortar algumas cenas fortes, para
“proteger a integridade dos jovens artistas”. Inconformados com essa espécie de
autocensura, desistimos de encenar o sketch
teatral revolucionário.
Seguiram-se quarenta e quatro anos nas vidas daqueles seres
mutantes. Eu, abandonei meu teatro que não alterou as marés nem a História, mas
deu asas a uma pessoa como o professor Romualdo Palhano. Nosso grupo provocou
seu apego às artes cênicas e motivou sua inteligência para a pesquisa do teatro
paraibano. Ele é doutor e pós doutor em teatro, estudou em Cuba, deu a volta ao
mundo, mas sempre retorna ao pequeno palco onde subiu pela primeira vez, sob
minha direção, declama seu prólogo e faz as pazes com o tempo.