O ancião e a anciã formam um par
amoroso, desses que andam separados na rua para não causar constrangimentos,
porque um casal com cabelos brancos aos abraços em público é razão até de aviltamento.
O fenômeno envelhecer, natural a toda espécie, entre os homens ocidentais, está
longe de ser tratado com respeito e atenção. A idosa sabe que sua vizinha conhece
a etiqueta: não se deve perguntar a idade de uma mulher envelhecida. Como se a
passagem do tempo fosse algo repreensível e deplorável. O idoso sempre tem algo
a esconder. Pode ser o problema na próstata que o faz levantar quatro ou cinco
vezes durante a noite para urinar, ou a debilidade senil para certos atos.
Seria motivo de chacota. “Lá vem um homem e um velho”, anuncia alguém.
E o velho, com sua
vivência e grande tarimba em relação às ignomínias da civilização quando se
fala em preconceito contra idosos, sabe que sempre há risco no seu caminhar por
essa sociedade. E com a pandemia do coronavírus, a discriminação se evidencia.
A Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara alertou sobre o que todos
sabem, especialmente quem é velho, sobre o chamado “ageísmo” ou “idadismo”.
Estudantes de Medicina não gostam de atender velhos. Cria-se os estereótipos de
fragilidade e improdutividade. Na nossa cultura, a pessoa que envelheceu é um
incômodo. A discriminação é institucional e estrutural.
Na
China e no Japão, a velhice é sinônimo de sabedoria e respeito. Aqui, sem essa
educação milenar de dignidade e reverência, o velho tem vergonha de si mesmo. Por
isso desvia o olhar da companheira, ficam sem poder falar sobre aquele lampejo
de libido que não se concretizou. Ela pensa: findou o encanto? Ele avalia que
nunca mais será o mesmo e calcula que chegou a hora da verdade inexorável: sua
vida acabou, com tudo o que nela havia de graça e gosto. Sentimento até de
desonra e rebaixamento. Aquele amor à primeiríssima vista de uma mocinha na
janela, aquele ardor de tantos anos, os olhares mendicantes, os encontros
fortuitos, os primeiros pegas, ela valente e decidida, dedicou a vida toda ao
namorado. Viveram o amor em toda sua totalidade, com as decepções de praxe, os
arroubos, as loucuras fora da ampla jurisdição do que é certo ou errado,
conforme dita a cartilha da hipocrisia social. Envelheceram juntos, empenhados
em se esquivar como podiam da rejeição social ao acordo de convivência que
estabeleceram para ambos.
Cinquenta
anos de afeição e cumplicidade entre aquelas duas criaturas introvertidas,
agora mais embaraçadas diante da vida que vai se desfazendo, forçando a que o
casal de idosos reveja o real sentido de suas existências. Mal chegados à idade
provecta, e para visível insatisfação do senhor maduro, terão que reavaliar
seus papéis sociais e comportamentos considerados como indevidos para os
adultos velhos.
Enfim,
tudo passa e tudo se reestrutura. Apesar das insuficiências naturais da idade,
os velhinhos se confortam na evidência de que ainda se estimam e que guardam na
profundidade de suas reminiscências mais queridas aquele patamar de
desenvolvimento humano que os transformou em dois seres equivalentes. Por isso
a prudência dela, a paciência e tolerância diante do velho pouco sábio. E
aquelas conversas sobre coisas do passado, prosa antiga de arcaicos namorados,
ainda capazes de reproduzir sentimentos e prazeres por estarem juntos.
POR - FÁBIO MOZART