Iomar Penza, de 46 anos, diz que mudou o comportamento e passou a falar com as pessoas sobre a gravidade da doença depois de perder parte da família. Mulher o deixou com um bebê recém-nascido. Seu irmão, Anthony Ferrari Penza, ficou famoso nas redes sociais por compartilhar mensagens antivacina. Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens com histórias de pessoas que sofreram na pele as consequências do negacionismo e das fake news.
Por Clara Velasco e Roney Domingos, g1
Nikolas Espindola /G1Iomar Penza, de 46 anos, não respeitava totalmente as medidas de isolamento social e de uso de máscaras. Apesar de não negar a doença, ele só mudou a sua forma de pensar e de agir depois da morte da esposa - que deixou um bebê recém-nascido -, dos sogros e do irmão gêmeo, o enfermeiro Anthony Ferrari Penza, que ficou famoso nas redes sociais por compartilhar mensagens antivacina.
O g1 publica nesta semana uma série de reportagens com histórias de pessoas que sofreram na pele as consequências do negacionismo e das fake news durante a pandemia.
Veja o depoimento completo de Iomar Penza, mergulhador de Nova Friburgo (RJ):
“Quando começou a pandemia, a gente não acreditava muito. Continuamos trabalhando porque temos que trabalhar, não tem jeito.
Minha esposa era dentista. Inclusive, ela estava grávida. A gente tinha consultórios odontológicos e continuamos trabalhando. Mas, lógico, com máscara, álcool gel...
Meu irmão também continuou trabalhando. Como ele era enfermeiro, então ele tinha esse negócio de salvar vidas. O nome dele era Anthony Ferrari Penza. Nós somos gêmeos, então nós crescemos juntos desde a barriga. Nunca nos separamos.
Iomar com a esposa, Juliana, que estava grávida quando teve Covid — Foto: Reprodução
Juliana, esposa de Iomar que morreu de Covid em abril deste ano — Foto: Reprodução
Ele gostava de fazer vídeos, então ele era questionador, brigador mesmo. Tinha os ideais dele. Muitos amavam e muitos odiavam. Na família, metade era a favor, metade era contra. Eu sou suspeito porque eu era irmão gêmeo. Ele queria, então eu o apoiava.
Eu só ficava muito preocupado. Pedi pra ele tomar muito cuidado. Eu falava pra ele: ‘Eu não faria vídeos assim. Porque você acaba agredindo uma pessoa, ofendendo uma pessoa’.
Eu falava pra ele: ‘Às vezes, muitas coisas que foram passadas pra você, você postou no vídeo, de repente não é aquilo que está acontecendo, então acaba criando esses problemas de notícias falsas’. Ele era muito questionado por causa disso.
O enfermeiro Anthony Ferrari Penza, irmão de Iomar, ficou conhecido nas redes sociais por compartilhar mensagens antivacina — Foto: Reprodução
Em contrapartida, ele salvou muitas vidas [como enfermeiro]. Quando eu vou para Cabo Frio [onde Anthony morava], vejo muitas pessoas falando: ‘Olha, teu irmão salvou meu filho, teu irmão salvou meu pai’. Como eu também ouço: ‘Ah, teu irmão era maluco, teu irmão era doido de fazer aqueles vídeos, eu não gostava do teu irmão’.
A gente conversava isso com ele, é perigoso o que a gente fala no vídeo. Você falou uma coisa nesse vídeo aqui, só que esse vídeo vai andando, vai ter milhões de visualizações. A internet virou aquela briga. Mas era o que ele gostava, então a gente não podia fazer nada.
No primeiro ano da pandemia, meu irmão ia para o hospital, não era vacinado, várias vezes sem máscara. Pegava paciente com Covid, e ele não pegou [a doença]. No segundo ano, ele estava se cuidando mais, mas foi quando ele pegou a Covid.
Iomar com a esposa e o irmão, Anthony Ferrari Penza — Foto: Reprodução
Eu também. Eu estava saindo, abraçava a população, ficava várias vezes sem máscara, não usava álcool em gel toda hora e não peguei. Aí, no segundo ano, fui a Cabo Frio visitar minha família e peguei a Covid.
Eu estava três meses sem ir a Cabo Frio. Meu filho estava para nascer, aí falei pra minha esposa: ‘Vou para Cabo Frio. Vou ficar lá uma semana e volto porque o bebê está para nascer e eu não vou deixar você sozinha’.
Quando fui a Cabo Frio, meu irmão estava com Covid. Mas ele não sabia e eu não sabia. E ele acabou me passando. Eu voltei no sábado e comecei com a tosse seca. E aí acabei passando para ela [esposa], para a minha sogra e para o meu sogro.
Eu voltei para Cabo Frio. Meu irmão começou a passar mal e eu comecei a cuidar dele. Levei ele para o hospital. Foi a última vez que eu vi meu irmão. Ele estava no oxigênio. Ele perguntou: ‘Você está bem?`. Eu falei: ‘Tô’.
Iomar com a esposa, Juliana, que morreu de Covid em abril deste ano — Foto: Reprodução
Estava na UPA, quando a minha esposa me ligou falando que estava com Covid. Eu larguei todo mundo e voltei para Friburgo para cuidar dela [e dos meus sogros].
Quando deu o décimo primeiro dia, minha esposa foi internada para tirar o bebê. Ela estava com 25% do pulmão tomado, estava bem. Mas em quatro dias a doença complicou.
Minha esposa faleceu de Covid. Inclusive no mesmo dia do meu irmão, Anthony. Minha sogra morreu uma semana depois. Meu sogro morreu na outra semana também.
Anthony não chegou a ser vacinado. Ele não conseguiu se vacinar. Infelizmente, só consegui me vacinar 30 dias depois que eu saí da Covid.
Iomar com a esposa, Juliana, a sogra (ao meio) e outros familiares — Foto: Reprodução
Ela veio pra gente feroz mesmo. Eu creio muito em Deus, era porque tinha que ser. Mas é óbvio que existe a vacina e temos que tomar a vacina
O povo tem que se cuidar, tem que continuar usando máscara e álcool em gel. Tem que se vacinar. Mas, infelizmente, o povo brasileiro é muito difícil de obedecer regras. Então continuam com os bares lotados, boate lotada.
Infelizmente, precisa acontecer alguma coisa para que você acredite que a doença existe. Igual aos meus amigos, meu ciclo de amizade em Friburgo. Eles só passaram a se cuidar depois do que aconteceu com a minha família.
Iomar com o filho, Antônio — Foto: Reprodução
Antônio, filho de Iomar, que perdeu quatro pessoas da família por causa da Covid-19 — Foto: Reprodução
Quando teve isolamento, a maioria não se isolou. Nem eu me isolei. Eu trabalhava mesmo, fazia minhas coisas, eu ia pra rua mesmo. Eu usava máscara quando era obrigado. Quando podia, tirava. Eu passei a me cuidar muito mais depois que eu peguei, que minha família se foi. Aí eu vi: ‘Gente, a doença existe, então é isso que acontece’. Eu passei a me cuidar e a correr atrás para me vacinar.
Tem cinco meses [que a família morreu]. É muito difícil. Eu fiquei com um bebê pequeno, de cinco meses, o Antônio. A saudade ainda é muito grande. O amor pela minha esposa é muito grande, pelo meu irmão, pela minha sogra, pelo meu sogro… Eu não desejo a ninguém o que eu estou passando.
A gente sabe que perder um ente querido já é muito difícil. Quatro de uma vez… E, assim, a gente não entende. Minha esposa estava bem. Toda uma expectativa de uma criança, de a gente ter uma família e, em 14 dias, a doença levou quatro pessoas que eu amava. O meu irmão também estava bem, com saúde.
Iomar com a esposa e o sogro, que morreram de Covid em abril deste ano — Foto: Reprodução
Então é muito difícil. Muito. E hoje eu encontro pessoas que não acreditam. Eu falo assim: ‘Cara, eu perdi minha família, acorda’. Se não nos unirmos, essa doença vai continuar matando, não tem jeito. É muito difícil.
É lógico que a gente questiona…Poderia ter me isolado mais, poderia ter me cuidado mais… Se eu tivesse feito assim eu não teria pego.. Eu fico pensando: ‘Por que eu fui ver minha família?’. Se eu tivesse ficado… Mas não adianta, o que tem que ser vai ser.
Mas eu diria o seguinte: vão se vacinar. A doença existe. Eu perdi minha família. Eu perdi minha esposa, que eu amava incondicionalmente. Eu perdi meu irmão gêmeo no mesmo dia. Perdi minha sogra, meu sogro, que eram como meus pais. Então a doença existe, ela não é brincadeira e ela está matando.
Iomar com o filho, Antônio; Juliana fez uma cesária quando estava com Covid — Foto: Reprodução
O que está amenizando as mortes, inclusive os hospitais lotados, são exatamente as vacinas. Estavam me falando que um médico falou que não era pra tomar vacina. Que se você botasse uma moeda, ela colava na vacina. Eu podia botar um botijão de gás aqui que eu ia tomar a vacina hoje, pois é ela que tá me protegendo.
Não espere [a doença] bater na sua porta ou você morrer, ou morrer sua esposa, seu filho, pra que você vá lá, tome a vacina e passe a se cuidar.”
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