Governo cancela anúncio do programa que substituirá o Bolsa Família após impasse com a equipe econômica sobre o valor, que passaria de R$ 300 para R$ 400 e forçaria o uso de recursos fora do teto de gastos. Relator da proposta classifica iniciativa como "eleitoreira"
Relator da medida provisória do Auxílio Brasil, o deputado Marcelo Aro (PP-MG) criticou a iniciativa do governo - (crédito: Cleia Viana/Camara dos Deputados)Impasse com a equipe econômica e reação negativa no mercado fizeram o governo adiar, de última hora, o anúncio do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família. A intenção do presidente Jair Bolsonaro e da base aliada do Executivo no Congresso de usar recursos fora do teto de gastos para pagar benefício de R$ 400 a 17 milhões de famílias fez a Bolsa de Valores despencar e o dólar fechar em alta.
Fontes do Ministério da Economia afirmaram que a equipe do ministro Paulo Guedes estaria resistente quanto a qualquer acréscimo de pagamento que esteja fora do teto de gastos — regra que limita o aumento de despesa à inflação do ano anterior. Para pagar um benefício de R$ 400, o governo precisará de uma autorização de mais R$ 30 bilhões de recursos extrateto.
Atualmente, o valor médio das parcelas do Bolsa Família é de R$ 189. Segundo fontes do Ministério da Economia, para um benefício de R$ 400, o governo precisaria pagar R$ 300 dentro do Orçamento já previsto para o ano que vem, respeitando o teto de gastos. E o restante, R$ 100, seria repassado como um “pagamento temporário”, o que dispensaria a obrigatoriedade de o governo criar uma fonte de receita para despesa fora do teto.
Relator da medida provisória do Auxílio Brasil, o deputado Marcelo Aro (PP-MG) criticou a iniciativa do governo. Ele acusou o Executivo de não se preocupado com a fonte de recursos para o programa e alertou para o deficit que a medida provocará nos cofres públicos. “O Bolsa Família, hoje, é um orçamento anual de R$ 34,7 bilhões. Durante todo esse processo trabalhando — todas a minhas conversas com os ministérios da Economia e da Cidadania, com o próprio Palácio do Planalto — (a intenção) era elevarmos o valor para R$ 60 bilhões (...) para que não houvesse um problema orçamentário para o governo”, disse. “Aí, ontem à noite (segunda-feira), veio a notícia de que o governo tomou a decisão de pagar, no mínimo, R$ 400 para cada beneficiário. Esse valor gera um ônus orçamentário de algo em torno de R$ 85 bilhões. De onde vamos tirar esses R$ 85 bilhões?”, questionou.
Para Aro, o governo tenta usar o novo programa apenas de olho na reeleição, pois esse o valor de R$ 400 seria pago apenas até dezembro do ano que vem. “Isso não é política pública de Estado, é uma política pública passageira. Minha opinião é que tem fins eleitoreiros, e não de mudança para a camada mais necessitada da população”, reprovou.
Segundo Aro, “virou a casa da mãe Joana”. “Ou seja, foi falado um valor. Aí: ‘De onde vai tirar o dinheiro?’, ‘não sei, se virem’. Aí, cria o temporário, organiza evento pro anúncio. (...) até chegar à conclusão de que não dá para anunciar. Acho que ficou feio para o governo: marcou o evento, cancelou o evento, e eu acredito que, agora, o próprio governo tem de dar as respostas”, ressaltou.
Responsabilidade
Mayra Goulart, professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressaltou que, para tentar alavancar a imagem junto à população de menor renda, Bolsonaro se vê em um jogo de equilíbrio para manter boa relação com o mercado, fiador do governo. “O perfil eleitoral das pesquisas mostra que ele (Bolsonaro) declina conforme a renda média do eleitor. Para tentar recuperar essa imagem entre os mais empobrecidos e em situações calamitosas em termos sanitários e sociais, ele percebe que precisa reforçar esses programas de transferência de renda para garantir algum sustentáculo eleitoral”, disse. “O problema é conseguir fazer isso sem abrir mão do sustentáculo do mercado.”