Aliados mais radicais do presidente tentam viabilizar um "bolsonarismo sem Bolsonaro", por não encontrarem
Alguns dos aliados mais fiéis ao presidente Jair Bolsonaro
não fazem parte das costuras eleitorais do chefe do Executivo federal para o
pleito do ano que vem. O líder do projeto político desse grupo ainda nem bateu
o martelo sobre qual partido o abrigará na tentativa de reeleição, mas uma
coisa já é certa: a legenda escolhida não deverá abrir espaço para
bolsonaristas radicalizados, como os ex-ministros Abraham Weintraub e Ernesto
Araújo, sobretudo para candidaturas a cargos de destaque, como governador e
senador.
Bolsonaro nem sequer leva os nomes desses antigos aliados
para as já complicadas negociações. Para governador de São Paulo, por exemplo,
o presidente tem insistido em lançar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio
Freitas, que nunca se mostrou confortável com essa possibilidade, e ignora seu
ex-ministro da Educação, que tem se esforçado bastante para viabilizar o nome
para as urnas.
Mesmo “esquecidos” por Bolsonaro, esses militantes não rompem
com o presidente e prometem apoio a ele independentemente da sigla pela qual se
candidatarem. O problema está sendo encontrar essa sigla.
Os “conservadores”, como eles mesmos se identificam,
ensaiaram um projeto de união no PTB de Roberto Jefferson, mas a prisão do
cacique do partido em agosto deste ano, depois que ele publicou vídeo segurando
uma arma e ameaçando ministros do STF, implodiu esses planos.
Diretórios dão carta
branca à filiação de Bolsonaro, diz senador do PL
O jornalista Oswaldo Eustáquio, que também já esteve preso
por radicalizar na militância bolsonarista, foi um dos que entrou no partido de
Jefferson, foi ameaçado de expulsão quando o dirigente saiu de cena e acabou deixando
a sigla brigado com a nova direção.
Almejando uma candidatura ao Senado por São Paulo, ele acabou
se filiando ao PMN, partido que hoje não tem representação no Congresso
Nacional. “Está limitado o espaço para o nosso grupo”, admite Eustáquio em conversa
com o Metrópoles. “Não temos lugar nesses partidos grandes do Centrão, que vêm
trabalhando suas candidaturas já há algum tempo, e sabemos que o presidente
Bolsonaro deve ir para um desses partidos”, completa ele, que diz compreender a
escolha do presidente.
“As circunstâncias políticas levaram a essa situação. Mas
sabemos que há uma massa de eleitores que querem votar em candidatos
conservadores, e estamos buscando oferecer essas candidaturas onde encontrarmos
espaço. Porque não temos garantia sequer que o PL vá lançar o ministro Tarcísio
a governador de São Paulo, então, nos sentimos na missão de formar um palanque
conservador para oferecê-lo a Bolsonaro no ano que vem”, explica Oswaldo
Eustáquio.
weintraub abraça bolsonaro
Weintraub deixou o governo em junho de 2020, quando seu
radicalismo passou a prejudicar muito o governo na relação com o STF
A mágoa
Nem todos os bolsonaristas esquecidos garantem ao presidente
a mesma boa vontade de Eustáquio. O ex-chanceler Ernesto Araújo, que almeja uma
candidatura ao Senado pelo DF e gostaria de ser o candidato do presidente,
mostrou certa mágoa ao discursar em um congresso conservador nesta semana.
Para ele, o Centrão engoliu o projeto conservador no qual ele
acreditou. “A maioria [dos integrantes do governo] eu acho que nunca quis
enfrentar o sistema. Seja por falta de coragem, por falta de convicção ou por
interesse pessoal de manter o sistema”, lamentou o diplomata licenciado.
“Então surgiu aquela coisa de ‘precisamos fazer do Centrão a
base do governo’, mas, na verdade, o que a gente viu foi que o governo virou a
base do Centrão”, analisou ele, que em seguida usou a metáfora das pílulas do
filme Matrix, de 1999, cujas cores escolhidas definem se a pessoa vai continuar
vivendo uma ilusão ou vai “acordar” para a dura realidade.
“O governo que foi eleito por uma grande tomada de pílula
vermelha resolveu tomar a pílula azul. Às vezes eu acho que em alguma reunião
ministerial que eu não estava distribuíram pílula azul e todo mundo tomou.
Colocaram uma pílula azul no café do presidente da República. Azularam
completamente o governo e a atuação do presidente”, criticou ele, que ainda não
escolheu um partido entre as opções que lhe restam.
Enquanto isso, os irmãos Abraham e Arthur Weintraub têm se
esforçado muito pra chamar a atenção e virar notícia por meio de polêmicas para
ganhar um palco que o presidente Bolsonaro lhes nega. Nos últimos dias, o
ex-ministro da Educação postou uma foto dentro de um avião dizendo que estava
“embarcando para a América do Sul”, mas sem dizer para onde (depois revelou
estar na Colômbia). Também disse em uma live que o Exército Brasileiro tem
pensamento “próximo do socialismo” e, na última quarta, postou em suas redes
foto tomando chá de folha de coca, comum em países andinos, com a frase “Abe
Weintraub é flagrado utilizando coca”.
Respondendo a algumas das insistentes cobranças nas redes
sociais, o irmão mais novo de Abraham, Arthur, que foi assessor especial de
Bolsonaro e é apontado pela CPI da Pandemia como uma espécie de coordenador do
ministério paralelo da Saúde, resumiu a situação recentemente dizendo que não
houve briga com Bolsonaro, mas que “nosso sobrenome inviabiliza acordos com o
Centrão” e que “o presidente decidiu por uma linha em que nosso sobrenome
inviabiliza”.
Bolsonaro busca espaço
para os radicais que ficaram no governo
Ignorando a situação política desses aliados, Bolsonaro tem
concentrado esforços em possibilitar eleitoralmente membros da ala mais
ideológica do bolsonarismo que permanecem no governo, como o ministro do
Turismo, Gilson Machado, que gostaria de se candidatar ao Senado por
Pernambuco; o secretário especial de Cultura, Mario Frias; e o presidente da
Fundação Palmares, Sérgio Camargo. Também integram essa lista – e se esforçam
para buscar espaço, o ministro Onyx Lorenzoni, do Trabalho, e os filhos do
presidente da República.
A tentativa de impor nomes para candidaturas a cargos
importantes, porém, tem sido o maior entrave para o “casamento” de Bolsonaro
com sua principal aposta partidária até agora, o PL de Valdemar Costa Neto.