A corte cortou os repasses de verba a páginas investigadas por fake news e aposta que a medida ajudará a sufocar disseminadores de fake news
Foto: Agência BrasilPor-Matheus Teixeira e Camila Mattoso
Brasília, DF
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) apertou o cerco contra o
bolsonarismo e tomou decisões nos últimos dias que visam evitar a disseminação
de fake news e preparar o tribunal para as eleições de 2022.
Nas disputas anteriores, a corte editou resoluções e
recomendações sobre o tema, mas as medidas não foram suficientes, e a Justiça
fracassou no combate às notícias falsas.
Agora, o tribunal opta por firmar uma jurisprudência que
represente de fato uma ameaça aos políticos que propagarem informações
fraudulentas.
A decisão recente mais importante foi a cassação do deputado
estadual Fernando Francischini (PSL-PR) por ter afirmado, em 2018, que tinha
provas de que as urnas eletrônicas haviam sido adulteradas para prejudicar o
então candidato Jair Bolsonaro.
Além disso, a corte cortou os repasses de verba a páginas
investigadas por fake news e aposta que a medida ajudará a sufocar alguns dos
principais disseminadores de notícias falsas.
Em outra frente, no julgamento em que rejeitou a cassação da
chapa de Bolsonaro, o TSE fixou uma tese inovadora, que também visa a deixar um
recado para o próximo ano.
Apesar de ter se posicionado contra as ações que pediam a
deposição do presidente, o tribunal firmou entendimento de que a participação
em esquema de disparo em massa de fake news é passível de cassação.
Com voto de seis dos sete ministros, a corte estabeleceu que
esse tipo de conduta pode ser enquadrada em duas hipóteses previstas em lei que
levam à cassação de mandato: abuso de poder político e uso indevido dos meios
de comunicação.
Os magistrados, principalmente os que integram o STF (Supremo
Tribunal Federal), foram enfáticos em suas posições. Eles deixaram claro que o
julgamento estava mais voltado para o futuro.
O ministro Alexandre de Moraes, que será o presidente do TSE
nas eleições de 2022 e é relator dos inquéritos em curso no Supremo que miram
esquemas de fake news de Bolsonaro e seus aliados, anunciou que serão adotadas
medidas extremas caso o esquema de notícias falsas se repita.
“Se houver repetição
do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim o
fizeram irão para cadeia por atentar contra as eleições e contra a democracia
no Brasil”, disse.
O ministro Luís Roberto Barroso foi na mesma linha e frisou
que a decisão do julgamento “não é para o passado, mas para o futuro”.
“Estamos procurando demarcar os contornos que vão pautar a
democracia brasileira e as eleições do próximo ano”, afirmou o magistrado,
atual presidente do TSE.
Os ministros estabeleceram cinco parâmetros a serem
observados para decidir casos de disparo em massa de mensagens via WhatsApp.
São eles: teor das mensagens e se continham propaganda
negativa contra adversário ou fake news; verificar se o conteúdo repercutiu
perante o eleitorado; ver o alcance do ilícito em termos de mensagens
veiculadas; grau de participação dos candidatos; e se a campanha foi financiada
por empresas.
Apesar dos recados, neste caso os ministros não explicaram o
que farão de diferente ano que vem em relação a 2018 para que processos
similares tenham desfecho diferente.
A defesa de Bolsonaro afirmou que o resultado do julgamento
tornou preocupante o cenário das eleições de 2022. A advogada Karina Kufa, que
representou Bolsonaro, disse que as novas balizas firmadas pelo TSE tornarão o
uso da internet nas eleições “bem restrito”.
Ela anunciou que vai criar um curso de direito eleitoral para
“orientar e qualificar” blogueiros identificados com o presidente sobre como
atuar nas eleições de 2022.
No caso da cassação do deputado Francischini, no entanto, o
recado foi mais claro: qualquer tipo de ataque ao sistema eletrônico de
votação, com insinuação de que a Justiça Eleitoral usa o modelo para fraudar o
pleito, pode levar à perda de mandato.
Os ministros disseram que se trata de uma questão
institucional e que as fake news sobre as urnas representam uma ofensa à
democracia, o que não pode ser avalizado pela Justiça
“Se nós passarmos pano à possibilidade de um agente público
representativo ir às mídias sociais dizer que o modelo é fraudado e que
candidato está derrotado por manipulação da Justiça Eleitoral, o sistema perde
a credibilidade”, afirmou Barroso.
No vídeo analisado pelos magistrados, Francischini faz um
discurso similar ao realizado por Bolsonaro e seus aliados quando aumentaram a
pressão pela aprovação do voto impresso.
O então deputado federal diz na gravação que está “estourando
em primeira mão” uma informação a seus seguidores e que estaria “com toda
documentação da própria Justiça Eleitoral” que comprovaria a fraude em duas
urnas eletrônicas.
Relator do processo, o então corregedor-geral do TSE, Luís
Felipe Salomão, disse que a conduta do deputado “pode conspurcar o processo e o
sistema democrático”.
Além desses casos, Moraes também deu indícios de que está
atento a uma possível repetição do que houve nos Estados Unidos após a derrota
eleitoral de Donald Trump, caso Bolsonaro perca o pleito do próximo ano.
Bolsonaro afirmou no início do ano que, se não houver o voto
impresso em 2022, o Brasil pode ter um “problema pior” que dos EUA.
O chefe do Executivo fez menção à invasão ao Congresso
americano por aliados de Trump no dia em que o órgão iria ratificar a vitória
de Joe Biden para o posto máximo daquele país.
Ao mandar prender o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos,
Moraes citou um trecho de representação da Polícia Federal que aponta vínculo
entre o influenciador bolsonarista e um invasor do Capitólio.
A PF afirmou que Santos aderiu à tese de que houve fraude nas
eleições dos EUA de 2020.
De acordo com o trecho do pedido da PF transcrito por Moraes,
a teoria relativa ao pleito americano tem servido de “base de argumentação
utilizada” por aliados do presidente para questionar a lisura das eleições no
Brasil.