Prefeito de cidade alagoana que recebeu mais de R$ 15 milhões do orçamento secreto teria desviado dinheiro público através de empresas de fachada, diz PF
(Foto: Reprodução)Por Alice Maciel, da
Agência Pública
O prefeito de Rio Largo, no Alagoas — aliado político do
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP) —, é apontado em um
esquema de desvio de dinheiro da saúde e educação. Segundo informações do
inquérito da Polícia Federal ao qual a Agência Pública teve acesso, Gilberto
Gonçalves, do PP, teria desviado dinheiro da Prefeitura usando empresas de
fachada. O município recebeu mais de R$ 15 milhões em emendas do orçamento
secreto apenas em 2021.
A investigação apontou que R$10,6 milhões em repasses feitos
pela prefeitura de Rio Largo às empresas Litoral e Reauto foram sacados por
funcionários das firmas na boca do caixa, entre janeiro de 2019 e fevereiro de
2022. Ao todo, foram 233 saques de valores superiores a R$10 mil, sendo que 185
foram de R$ 49 mil. Para a PF, os saques são uma tentativa de “driblar” a regra
do Banco Central que prevê que todos os saques acima de R$50 mil são
comunicados automaticamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf). A Litoral é uma empresa do ramo de construção. A Reauto, de peças
automotivas.
O inquérito foi instaurado em abril de 2021, após
representação da procuradoria do município de Rio Largo. A PF pediu à Justiça
Federal de Alagoas a quebra do sigilo bancário e fiscal, o sequestro de bens e
a prisão preventiva de alguns investigados, inclusive do prefeito.
Ao longo da investigação, a Polícia Federal flagrou quatro
vezes um pacote de dinheiro sendo entregue por funcionários da Litoral a
seguranças pessoais de Gilberto Gonçalves, que utilizavam veículos oficiais do
município. Parte dos recursos desviados são do Fundeb — o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação — e do Fundo Municipal de Saúde, de acordo com o inquérito.
Só neste ano, Arthur Lira indicou R$ 8,9 milhões do orçamento
secreto para o Fundo Municipal de Saúde de Rio Largo.
Gonçalves está à frente da gestão da cidade desde 2017, e foi
reeleito nas Eleições de 2020. Em suas redes sociais há várias fotos dele com o
presidente da Câmara dos Deputados. No dia 23 de julho, por exemplo, os dois
participaram de uma caravana política no município. “A parceria do deputado
Arthur Lira é essencial para o sucesso dessa gestão e Rio Largo segue avançando
a passos largos”, postou o prefeito no Instagram em 11 de junho.
Assim como Lira, Gonçalves foi investigado e preso na
Operação Taturana, deflagrada em 2007 pela Polícia Federal, que apurou um
esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa de Alagoas. Os dois eram
deputados estaduais à época. Conforme reportagem da Folha de São Paulo,
Gonçalves foi preso três vezes nos últimos 15 anos.
Em 2018, foi revelado um áudio de Gonçalves para o então
diretor de recursos humanos da Assembleia em que ele cobra “o dinheiro de
roubo, de corrupção”: “Eu quero meu dinheiro. Eu quero meu dinheiro certo.
Dinheiro de roubo, de corrupção”, afirmou no telefonema.
A reportagem entrou em contato com o prefeito e com a
assessoria de imprensa de Arthur Lira, mas não obteve retorno até o fechamento
desta edição.
“Organização criminosa”
A Polícia Federal concluiu no inquérito que Gilberto
Gonçalves “comanda uma verdadeira organização criminosa instalada no seio da
prefeitura municipal de Rio Largo, destinada a desviar recursos públicos
federais repassados ao município, e também verbas municipais”. “Para isso, o
município contratou duas pessoas jurídicas sem estrutura para a consecução do
objeto do contrato (Reauto e Litoral), principalmente a Litoral, a qual serve,
única e tão somente, para emitir notas fiscais visando lastrear os processos de
pagamentos respectivos, ressaltando-se que ambas pertencem ao mesmo núcleo
familiar”, acrescenta.
Contratada para fornecer material de construção à prefeitura
de Rio Largo, a Litoral Construções e Serviços recebeu R$ 4,5 milhões do
município entre 2019 e fevereiro de 2022 , incluindo recursos do precatório do
Fundeb e do Fundo Municipal de Saúde. Ao todo, nesse período, ela recebeu
R$13,8 milhões em contratos com diversas prefeituras alagoanas, de acordo com
informações do inquérito.
Apesar da vultosa movimentação financeira, a Litoral nunca
possuiu funcionários, segundo a PF, e tem como sede “uma pequena sala” no 2º
andar de um hotel, “em nada compatível com a comercialização de material de
construção”. Fundada em agosto de 2018 com o nome de GV Bezerra Serviços e
Comércio, ela tem como sócios Gisele Veríssimo Bezerra e Adson Lima da Silva.
Segundo as investigações, os dois moram em um imóvel simples em São Paulo e há indícios de que eles sejam “laranjas” do esquema de corrupção.
A PF identificou que entre janeiro de 2019 e fevereiro de
2022, Adson Silva fez 81 saques na conta da empresa no valor de R$ 3,2 milhões,
do total de 226 retiradas de R$ 5,2 milhões. Ele é apontado no documento como o
“principal sacador”. “Referidos saques foram intensificados, e com maiores
valores, a partir de novembro/19, coincidindo com o maior recebimento de
valores oriundos de Rio Largo/AL”, diz o inquérito.
Adson é filho de Ailton José da Silva, dono da Reauto
Serviços e Comércios de Peças para Veículos, também investigada pela Polícia
Federal. A Reauto recebeu R$ 13,48 milhões da prefeitura de Rio Largo entre
março de 2018 e janeiro de 2022 — foram
119 transferências, inclusive com recursos do Fundo Municipal da Saúde, de
acordo com a investigação.
“Apesar de existir, de fato, a Reauto apresenta uma estrutura
incompatível com os valores que transitaram por suas contas, pois, entre
01/01/17 e 15/02/22 (data limite da Decisão judicial), recebeu R$
49.038.965,19”, destaca o documento da PF.
Da mesma forma como na Litoral, foram identificados 85 saques
no valor de R$ 49 mil das contas da Reauto, no período de janeiro de 2019 a
fevereiro de 2022, “reforçando os indícios de burla ao controle a ser realizado
pelo COAF/BACEN”.
A reportagem tentou falar com Adson e Ailton por telefone e WhatsApp, mas não obteve retorno. Não conseguimos contato com Gisele e nem com as empresas.
Além dos saques, outra forma de saída dos valores das contas
das duas empresas investigadas foram as transferências bancárias, estando a
Litoral entre os principais beneficiários da Reauto e vice-versa.
Segundo a Polícia Federal, para ocultar a origem ilícita dos
recursos desviados, o grupo utilizou-se de vários subterfúgios, exemplificados
no relatório: “utilização de contas bancárias em nome de laranjas; saques de
valores vultosos ‘na boca do caixa’ transportados em mochilas. A investigação
também apontou a utilização de veículos oficiais, “inclusive guiados por
‘seguranças policiais’ do prefeito Gilberto Gonçalves, em rua de pouca
movimentação e sem descer dos veículos; dentre outras dissimulações”.