Quero aqui registrar um favor de ordem pessoal e ato de
consideração que me foram dispensados pelo Doutor Fernando Antônio de
Vasconcelos, jornalista, escritor e consultor jurídico, professor e Promotor de
Justiça aposentado, residente na cidade de Bananeiras. Sabedor de que eu ali
morava, teve a gentileza de levar até o meu abrigo solitário o seu mais novo
livro, “Crônicas de vida e felicidade”. Eu havia acabado de arrumar a trouxa e
descido a serra, razão pela qual cometi a indelicadeza involuntária de não
receber o ilustre escritor. De volta ao rancho, encontrei o livro de Fernando.
Consumi em dois dias.
Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão, filha do autor,
escreveu na contracapa que “Carlos Drummond de Andrade já dizia: escrever
crônicas é o ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo”. O poeta mineiro
também é autor da frase: “Escritor é aquele que não sabe escrever, e por isso
escreve facilmente”. Fernando Antônio de Vasconcelos sabe escrever e o faz com
o desembaraço e a graça dos mestres. A primeira impressão que tive, ao começar
a leitura, foi de que os sucedidos contados pelo autor se encaixavam nas
narrativas dos textos de humor que produzo para programas de rádio. Assim
sendo, salvei logo as peripécias do homem que agrediu a esposa por causa de uma
panela de arroz queimado. Vai constar no próximo episódio da Rádio Barata no
Ar, podcast de alta risibilidade radiofônica. Cada livro é um mundo
novo. Essas crônicas de Fernando Antônio, com as narrativas dos fatos do
cotidiano em “conversas de comadres”, nos levam a ser induzidos e jogados na
inacabável maré da vida como ela é e como deveria ser, como é vista em doses
pequenas em todas as cenas tragicômicas do dia a dia. “A vida como ela é”,
conforme Nelson Rodrigues que revolucionou o teatro brasileiro e firmou seu nome como um dos maiores vultos da imprensa
nacional.
Há alguns anos levei uns originais de
livro de crônicas para um amigo, desses sinceros e contundentes. Se não gosta
de algo, sai logo de faca e baioneta da franqueza pra cima do interlocutor
desavisado. “E aí, gostou?” Ele: “você se queixa de que é cronista. Conforme o
que está aqui escrito, falta provar”. “Como?” “Escrevendo crônicas!”. Outro
grande cronista, Joel Silveira, este sim encontrou um camarada crítico que não
lhe causava ressentimento. Sobre um livro de Joel, o amigo observou: “A
impressão que se tem é que você escreve de ouvido”. E Silveira retrucou com
leveza lírica: “Não só escrevo. Vivo de ouvido”.
Fernando Antônio de
Vasconcelos escreve espiando o mundo a partir de suas vivências, mas uma
contemplação disfarçada e irrevelada, à procura de universos singulares, para
assimilar melhor o macrocosmo que existe nas coisas simples da vida, como uma
conversa com amigos. Correntes tranquilas ou caudalosas, conforme cada olhar.
Disso sai a crônica. Já asseverava o poeta: “se mais soubéssemos olhar as
coisas e as acontecências, melhor nos compreenderíamos, e ao mundo que
vasculhamos com nosso olhar”.
Na dedicatória,
Fernando Antônio escreveu: “Para Fábio Mozart, cronista e colega do jornal A
União, com a amizade do autor”. Se ao leitor da produção literária fosse dada a
alternativa de também se exprimir em relação ao autor, eu diria: “Nobre
Fernando Antônio Vasconcelos, obrigado por deixar seu livro no meu terraço. Guardei
a obra em minha estante mais representativa, se bem que desejei matar a cobra e
mostrar a cobra. Isto é, pensei em doar sua publicação para meu projeto de
incentivo à leitura que armei no Centro Cultural de Bananeiras, uma prateleira
com livros usados para troca. Abandonei a ideia quando passei por lá e constatei
que, depois de mais de seis meses em exposição, os livros não conseguiram
arrumar um mísero leitor”. Esse desencanto com a geração que não lê talvez
renda uma crônica. Não lê, mas curte e compartilha.
Por Fábio Mozart