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 A mudança que limitou a cobrança do ICMS de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações trouxe de volta o fantasma da crise fiscal aos governadores

Por Cássia Almeida

O país que queremos: O risco para as contas dos estados foto Criação O Globo

Em sua última coluna dedicada a debater as questões relevantes que devem ser tratadas a partir de 2023, o economista Fabio Giambiagi chama atenção para a situação das finanças dos estados. Esta, afirma ele, vinha sendo bem encaminhada, mas a mudança na cobrança do ICMS pode travar essa melhoria. “O governo federal ‘bagunçou o coreto’ com sua proposta de ‘mais Brasília, menos Brasil’ sobre o ICMS”, escreveu Giambiagi.

O risco é a volta das crises fiscais de meados da década passada. Especialistas estimam que os governos vão perder cerca de R$ 90 bilhões de receita com a limitação a 17% ou 18% do ICMS sobre combustíveis, energia, comunicações e transporte. Os especialistas André Luiz Marques, do Insper, Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos, e Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), debatem o tema.

Caixa cheio hoje mascara real situação

André Luiz Marques  é economista e coordenador executivo do Centro de gestão de Políticas Públicas do Insper — Foto: Criação O Globo

André Luiz Marques é economista e coordenador executivo do Centro de gestão de Políticas Públicas do Insper — Foto: Criação O Globo

Os estados estão com o caixa cheio (com as transferências da União e o aumento da arrecadação), o que pode mascarar muito da real situação das finanças estaduais. É igual a uma represa: quando a água baixa, as carcaças começam a reaparecer.


São Paulo, Espírito Santo e Piauí fizeram o dever de casa, com mexidas estruturantes. Minas Gerais e Rio Grande do Sul também melhoraram as contas. Fizeram reformas da Previdência, administrativa, revisaram incentivos e benefícios e mudaram o modelo de remuneração.

Mais ainda há entes que pagam triênio, quinquênio, ao funcionalismo, uma prática que muitos já extinguiram.

Estados que não fizeram o dever de casa podem ficar em uma situação difícil. E o único que está no regime de recuperação fiscal é o Rio de Janeiro. Muitos não conseguem cumprir os requisitos para entrar no regime.

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A mudança no ICMS foi uma perda de receita importante, e a disputa agora está na Justiça. O Brasil sendo Brasil com a judicialização, o que gera incerteza, afasta investidores e decisões de curto prazo.

Mas como ficará o caixa dos estados com a volta do pagamento das amortizações da dívida? (Os entes federados recorreram ao Supremo Tribunal Federal, e estão ganhando, a fim de abater a perda de arrecadação do ICMS na dívida que têm com União.)

A alta do petróleo aumentou a arrecadação, mas daqui a pouco os entes federativos estarão enfrentando desafios de caixa novamente, quando o preço do petróleo baixar, e isso pode quebrar os estados. O efeito é direto nos serviços à população. Vimos no Rio atraso de salários e aposentadorias, e fornecedores sem pagamento.

E houve aumento de gastos correntes com aumento de salário, principalmente. Os grandes estados têm sempre receitas extraordinárias, o que não acontece com os menores.

André Luiz Marques é economista e coordenador executivo do Centro de gestão de Políticas Públicas do Insper

Previdência, a dona do Orçamento



Raul Velloso é economista e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento — Foto: Criação O Globo

A essência do que limita os orçamentos públicos são, como comecei a chamar, os donos do Orçamento: os aposentados e pensionistas. Houve uma quebradeira nas agências bancárias quando houve atrasos de pagamento dos proventos.

O orçamento está muito engessado e há uma disputa pelo dinheiro escasso. Os gastos obrigatórios cresceram muito nos últimos anos, inclusive de outros poderes como Legislativo e Judiciário. E o investimento é a variável de ajuste.


Mas houve um aumento de receita importante em dois estados que estudei: Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio, a receita com royalties que era em torno de R$ 10 bilhões a R$ 11 bilhões, entre 2017 e 2018, subiu para R$ 20 bilhões em 2021 e, pelas estimativas, deve ficar em R$ 29 bilhões este ano.

Em São Paulo, a arrecadação subiu de R$ 230 bilhões para R$ 280 bilhões entre 2020 e 2021. Digo isso para explicar que esses estados maiores estão com dinheiro extra no caixa. Os outros estados que não têm essas receitas e atrasaram o ajuste fiscal ficam mais vulneráveis.

Piauí, que é o meu estado e fez o ajuste, vai passar melhor por uma queda de receita.


Para maioria, falta a reforma da Previdência, já que o número de aposentados e pensionistas foi o que mais cresceu de longe de 2006 para cá.

Fizeram um pouco de reforma aqui e acolá, mas o déficit da Previdência dos estados é de R$ 100 bilhões e dos municípios, R$ 80 bilhões. São R$ 200 bilhões, rubrica que subiu muito de 2006 para cá.

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É difícil. São 2 mil municípios com seus regimes próprios e cada caso vira um parto político dentro de cada reforma. Mas só com uma reforma mais profunda será possível abrir espaço para o investimento.

A redução na alíquota do ICMS vai acabar sendo compensada pela União, como já estamos vendo com as decisões do Supremo.

Raul Velloso é economista e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento

Sem análise sobre médio e longo prazos



Vilma Pinto é diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado — Foto: Criação O Globo

No curtíssimo prazo, houve uma melhora nas contas dos estados, influenciada por questões conjunturais atípicas, com as transferências do governo federal pela pandemia e o choque de preços de commodities. Temos de lembrar que as receitas com o ICMS dos setores de petróleo, energia, comunicação e transporte tinham peso de 37% antes da vigência da lei do ICMS.

Mexeu-se num volume expressivo de um dos impostos que compõem as principais receitas dos estados sem fazer análise de médio e longo prazos.

Vai aumentar a demanda por serviços de saúde, com gasto igual ou maior que o atual, enquanto a situação de receita vai seguir no sentido inverso. Precisaria de um estudo mais aprofundado.

A lei aprovada já previa a compensação na dívida com a União. O Executivo vetou, mas o Congresso derrubou o veto. Mas havia incerteza sobre como seria feita a compensação. Se seria suspensão, adiando o pagamento, ou abatimento. O que levou os estados a recorrerem ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A mudança também traz a necessidade de reflexão do ponto de vista do federalismo fiscal e de conflitos federativos. Outras mudanças promovidas pelo Congresso Nacional têm afetado as finanças de estados e municípios sem análise da sustentabilidade desses entes para frente.


Além do ICMS, houve mudança nos pisos de algumas categorias. Pode-se aumentar o piso, mas com estudos sobre os impactos. Pode haver algum excesso de alíquota, mas anteciparam essa proposta por causa do aumento dos combustíveis.
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Um exemplo da falta de análise é que a lei do ICMS tirou a vantagem comparativa do etanol. Teve que haver uma lei complementar adicional para manter a vantagem.

Deve-se lembrar que, em 2011 e 2012, concedeu-se aval da União para estados tomarem crédito, com a justificativa de que as contas estavam em ordem, sem se preocupar com o longo prazo.

Houve uma crise federativa, com estados e municípios com dificuldade de pagar salários, e a União teve de socorrer. Uma proposta que mexe com a sustentabilidade fiscal lá na frente causa inquietação.

Vilma Pinto é economista e diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado.
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