Desde 1996, tabela para o cálculo do imposto de renda das pessoas físicas acumula defasagem de 147,40%, segundo levantamento. Atualização foi promessa da campanha de 2018, mas não foi cumprida. (Por Darlan Alvarenga)
Com a disparada da inflação, a tabela do Imposto de Renda
Pessoa Física (IRPF) chegou a 31,3% só no governo de Jair Bolsonaro, de acordo
com cálculos realizados pelo Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil (Unafisco) a pedido do g1. O estudo leva em conta a
inflação medida pelo IPCA no acumulado de janeiro de 2019 até junho deste ano.
A última correção da tabela foi realizada em 2015 e o aumento
da defasagem tem aumentado a tributação dos mais pobres e obrigado a cada ano
um número maior de brasileiros a pagar imposto de renda.
Imposto de Renda faz 100 anos em 2022 à espera da aprovação
de reforma pelo Congresso
Dados do IR mostram que super-ricos têm mais isenções e pagam
menos imposto no Brasil
O levantamento da Unafisco mostra também que, de 1996 a junho
de 2022, a defasagem acumulada da tabela do IR das pessoas físicas é de 147,4%.
No começo do ano, estava em 134,5%.
A atualização da tabela foi uma promessa da campanha de 2018
de Bolsonaro, mas não foi cumprida. O então candidato defendeu também isenção
para quem ganha até 5 salários mínimos. A mudança no IR agora virou promessa
para 2023. Nesta semana, o presidente disse que a correção para o próximo ano
já foi acertada com o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas não foram
antecipados detalhes.
Corrigindo a tabela apenas pela defasagem acumulada desde
2019, a faixa de isenção passaria dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2.500,44. Se
houvesse correção de toda a defasagem acumulada, a isenção seria aplicada a
quem ganha até R$ 4.710,49 mensais. (Veja mais abaixo simulação dos auditores
que mostra como ficaria a tabela com as correções integral e parcial).
Ajuste do IR é promessa de 2018, mas Bolsonaro empurra para
2023; entenda
Procurado pelo g1, o Ministério da Economia informou que não
vai se manifestar sobre a defasagem e atualização da tabela do Imposto de
Renda.
Aumento da carga
tributária e 'arrecadação indevida'
Na prática, a não correção da tabela representa um aumento da
carga tributária para a população. Isso porque a defasagem faz com que muitos
contribuintes deixem de ser isentos ou passem a pagar uma alíquota maior em
relação ao ano anterior, uma vez que reajustes salariais (ainda que abaixo da
inflação) podem fazer com que a pessoa entre em outra faixa de renda da tabela.
"É um aumento brutal da carga tributária para a classe
média e para os pobres e um descumprimento da promessa de campanha de não ter
aumento de imposto", afirma o presidente da Unafisco Nacional, Mauro
Silva.
"Para que nunca tivesse ocorrido aumento de imposto de
renda na gestão Bolsonaro, desde o primeiro mês de governo deveria ter sido
reajustado a tabela pela inflação do ano anterior (2018) e assim sucessivamente
nos anos seguintes. Isso pode ser feito por meio de medida provisória",
afirmam os auditores no estudo.
O número de declarações recebidas neste ano pela Receita
Federal subiu para 36,3 milhões, um novo recorde histórico, superando o total
do ano passado em 2,154 milhões, o que representa um aumento anual de 6,3%.
Número de isentos aumentaria em mais de 5 milhões com correção
Número de isentos aumentaria em mais de 5 milhões com
correção
O número de contribuintes isentos do Imposto de Renda ao
menos triplicaria se a tabela da base de cálculo fosse corrigida integralmente
pela inflação acumulada nos últimos anos, de acordo com as estimativas dos
auditores.
Segundo a Unafisco, o número de isentos passaria de 7,6 milhões para 13,1 milhões (5,5 milhões a mais) com uma correção da defasagem acumulada na gestão Bolsonaro, podendo chegar a 23,8 milhões (16,2 milhões a mais) com um ajuste integral da tabela, de 147,4%.
Impacto fiscal da perda
de arrecadação
Apesar do impacto de uma correção da tabela nas contas
públicas, a avaliação dos auditores é que se trata de uma questão de justiça
tributária, uma vez que se trataria de uma arrecadação indevida.
"Cada 1% de inflação não recuperada na tabela equivale a
R$ 2 bilhões a mais de arrecadação indevida", diz Silva.
O levantamento da Unafisco mostra que uma correção parcial de
31,3% da tabela do IR faria a arrecadação federal com o imposto cair para R$
250 bilhões, o que representaria um impacto fiscal da ordem de R$ 63 bilhões
para o governo federal.
Em junho do ano passado, o governo enviou uma proposta de
correção parcial da tabela para o Congresso como parte da reforma tributária. A
proposta chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas segue paralisada
no Senado. Pouco se avançou também nas discussões sobre a revisão e
simplificação do sistema tributário brasileiro.
O Brasil é um dos poucos países, atualmente, que não taxam a
distribuição de lucros e dividendos para pessoas físicas, que vigorou até 1995
e foi extinta. Analistas avaliam que, ao taxar pouco a renda e o patrimônio, e
muito o consumo — na comparação com outros países , o sistema tributário
brasileiro penaliza a parcela mais pobre da população e beneficia os muito
ricos.