Aliados de Bolsonaro admitem risco de derrota no primeiro turno e reforçam estratégias. Viagem à Inglaterra e Nova Iorque virou marketing contra a campanha bolsonarista
Raquel Miura,
correspondente da RFI em Brasília - Enquanto Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores divulgam dados falsos de
pesquisas como se ele estivesse na dianteira das intenções de voto, o clima
real no comitê do presidente é bem diferente e pela primeira vez alguns
coordenadores admitem que existe a chance de vitória de Luís Inácio Lula da
Silva (PT) no primeiro turno.
O fortalecimento de uma frente única de apoio a Lula, com
nomes que vão da ex-ministra Marina Silva (Rede) ao ex-prefeito do Rio César
Maia (PSDB), ajudou a acender o sinal amarelo no quartel bolsonarista, numa
semana marcada por críticas à postura do presidente em viagens internacionais.
O que se espera daqui para frente é um acirramento dos
ataques entre os dois adversários, com Bolsonaro focando nas questões de
corrupção e Lula tentado desconstruir a narrativa do rival. Ambos mantêm também
o desafio de apresentar um discurso mais moderado para atrair os que ainda se
dizem indecisos ou dispostos a mudar o voto até o dia 2 de outubro.
O analista Carlos Melo, doutor em ciência política e
professor do Insper, disse à RFI que a briga na TV e nas redes sociais será
grande, mas que o governo em si não tem cartas na manga para mudar muito o
quadro.
“A eleição está se afunilando. Na semana passada era quase
certa a realização de um segundo turno. Esta semana, embora sejam mais
prováveis dois turnos, nós vimos que cresceu a possibilidade de decisão num
único turno. Semana que vem, vamos ver se isso é reforçado”, afirmou o Melo.
“Eu não acredito em elemento surpresa em termos de política
pública. O governo já fez de tudo, o que podia e até o que não podia, inclusive
mudando a legislação de forma controversa ou mesmo ao arrepio da lei”. O que
não significa campanha morna ou parada daqui para frente. “Agora fatos novos
são sempre possíveis, como escândalos ou tentativas de forjar escândalos, nossa
história está repleta disso”, lembrou o cientista político.
Fiasco internacional
E foi na tentativa de fazer campanha e mostrar que não está
isolado internacionalmente que o presidente embarcou para duas viagens
internacionais esta semana. Porém a avaliação no meio político é de que o
comportamento de Bolsonaro acabou sendo um tiro no pé e rendeu mais munição para
seus adversários.
Depois de fazer campanha em meio ao um cenário de comoção
nacional na Inglaterra durante velório da rainha Elizabeth II, o presidente
dosou um pouco o tom no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, nos
Estados Unidos, e acabou fazendo mais do mesmo, ao criticar adversários,
apresentar um balanço inflado de seu governo e listar números não muito reais
da economia brasileira.
Embora tenha sido essa a orientação de aliados do centrão,
especialmente após o comportamento reprovável em solo inglês, há quem veja que
o presidente perdeu a oportunidade de mostrar um discurso mais empolgado com um
país que precisa atrair investimentos e recuperar a credibilidade externa.
Os adversários aproveitaram para relembrar trapalhadas do
presidente nessa área. “Você tem um presidente que não recebe o governo francês
porque está fazendo a barba. Um presidente que chama a mulher do presidente da
França de velha, que afronta o presidente de Portugal, que afronta a Europa. Um
presidente que se subordinou ao Trump”, afirmou Lula.
Bolsonaro logo após discursar na ONU foi a uma churrascaria
em Nova York e falou a apoiadores, repetindo o discurso conservador de apoio a
pautas de costume, sem conseguir sair de sua bolha de entusiastas.
“O governo precisa ser laico, mas eu sou cristão e ponto. Não tem essa de discutir aborto. E nem essa de questão de gênero para alunos de 5 anos”, disse Bolsonaro que voltou a dizer que é “imbrochável”.
Para o analista Carlos Melo, o presidente fez tudo errado
nessa viagem. “Ele fez as viagens para fazer campanha. Acontece que não deu
certo. Em Londres foi muito constrangedor, pegou mal ele fazer campanha num
momento de luto”.
“Em Nova York ele basicamente repetiu o que vinha dizendo.
Relativamente comedido. Veja, ser comedido na situação em que o país vive hoje
virou um elemento positivo? Pode até ser em se tratando de Jair Bolsonaro, mas
me parece muito pouco para quem disputa a Presidência da República e está tão
atrás do primeiro colocado”, avalia Melo.
Briga nos tribunais
O ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), proibiu Bolsonaro de usar imagens da viagem a Londres em sua propaganda.
O pedido foi feito pela candidata a presidente Soraya Thronicke (União Brasil)
sob o argumento de que Bolsonaro fez campanha com dinheiro público. Decisão
similar já havia proibido a campanha do PL de usar imagens dos eventos públicos
do Dia da Independência.
Na guerra travada entre os candidatos no TSE, a campanha de Lula, por exemplo, poderá continuar chamando Bolsonaro de genocida por conta da pandemia. Já Bolsonaro poderá usar
No Supremo Tribunal Federal (STF), o plenário confirmou
decisão do ministro Edson Fachin que suspendeu trechos de decretos de Bolsonaro
que facilitavam a aquisição de armas e munições. Fachin levou em conta o risco
de violência política na eleição.