Forças Armadas lideram contratação de empresas de militares, levantando questões éticas e de transparência
O presidente Jair Bolsonaro e o comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes. Foto: Evaristo Sá/AFPAs Forças Armadas brasileiras têm sido responsáveis por 67% dos contratos firmados entre o governo federal e empresas de militares, totalizando um gasto de R$ 308 milhões em 2022. De acordo com um levantamento realizado pelo Poder360, esse alto percentual indica que a própria instituição militar é a maior contratante dessas empresas. Essa situação levanta […]
As Forças Armadas brasileiras têm sido responsáveis por 67%
dos contratos firmados entre o governo federal e empresas de militares,
totalizando um gasto de R$ 308 milhões em 2022. De acordo com um levantamento
realizado pelo Poder360, esse alto percentual indica que a própria instituição
militar é a maior contratante dessas empresas.
Essa situação levanta questionamentos sobre a possibilidade
de que as informações acumuladas pelos militares, tanto da ativa quanto da
reserva, estejam beneficiando suas próprias empresas nas concorrências
públicas. A chamada “porta giratória”, na qual militares que deixam a ativa
utilizam informações privilegiadas para obter contratos, tem sido discutida há
algum tempo no meio acadêmico.
Rodrigo Lentz, professor da Universidade de Brasília (UnB) e
pesquisador de temas relacionados aos militares, destaca a ligação entre as
empresas de militares e as Forças Armadas às quais os sócios estiveram
filiados, enfatizando que seria ingenuidade considerar coincidência o fato de
essas empresas fecharem contratos com a própria instituição militar.
Ao analisar as cinco empresas que mais recebem pagamentos,
fica evidente que em todas elas uma parte ou a maior parte do dinheiro provém
da organização na qual os sócios serviram. Especialistas apontam possíveis questões
éticas nessa prática, pois um empresário que teve contato com aqueles que
decidem sobre contratos não é impedido de participar de concorrências.
No entanto, a nova Lei de Licitações, que entrará em vigor em
dezembro de 2023, proíbe essa possibilidade, criminalizando a conduta daqueles
que possuem informações relevantes sobre contratações e as utilizam
posteriormente para obter benefícios.
Jaques Reolon, vice-presidente da Jacoby & Reolon
Advogados e presidente da Associação Nacional dos Advogados nos Tribunais de
Contas (Anatricon), destaca que essa preocupação também deve se aplicar às
informações sensíveis acumuladas pelos militares, visto que existe a modalidade
de licitação chamada “diálogo competitivo”, na qual algumas empresas têm acesso
a dados da administração pública.
Tanto o Ministério da Defesa quanto a Controladoria Geral da
União (CGU) não responderam às perguntas feitas pelo Poder360 sobre as medidas
adotadas para evitar o uso de informações privilegiadas por parte dos oficiais.
Rodrigo Lentz ressalta que há também um dilema moral entre a
atividade militar e o recebimento de dinheiro público, principalmente no caso
dos militares da ativa, uma vez que esses profissionais têm parte de seu tempo
liberado para estudos e contam com um sistema de saúde e benefícios
previdenciários financiados integralmente pelos recursos públicos. Nesse
sentido, questiona-se se é admissível utilizar esses investimentos públicos em
sua profissionalização para obter lucro por meio de empresas que cobram do Estado.
Essa questão levanta debates sobre a transparência, a ética e
a governança na contratação de empresas de militares e reforça a importância de
medidas que garantam a lisura e a imparcialidade nos processos licitatórios,
evitando possíveis conflitos de interesse e o uso indevido de informações
privilegiadas. A discussão sobre a relação entre empresas de
militares e contratos governamentais revela a necessidade de maior
transparência, ética e governança nos processos de contratação, a fim de evitar
possíveis conflitos de interesse e o uso indevido de informações privilegiadas.
No entanto, é importante ressaltar que nem todos os casos de
contratação de empresas de militares indicam irregularidades. Existem
profissionais competentes que, após deixarem a ativa, estabelecem negócios
legítimos e bem-sucedidos. A preocupação central é garantir que as contratações
ocorram de forma transparente, seguindo critérios técnicos e imparciais, sem
favorecimentos indevidos.
À medida que a nova Lei de Licitações entrar em vigor e
proibir o uso de informações privilegiadas, espera-se que haja um maior
controle e rigor na seleção das empresas contratadas pelos órgãos
governamentais. Além disso, é fundamental que o Ministério da Defesa e a
Controladoria Geral da União implementem mecanismos eficazes para evitar qualquer
possibilidade de uso indevido de informações por parte dos militares.
A discussão levantada por esse levantamento é de extrema
importância para fortalecer a integridade e a transparência nas contratações
públicas, garantindo que os recursos destinados ao país sejam utilizados de
forma eficiente e em benefício da sociedade como um todo. É fundamental
promover um ambiente de concorrência justa e igualdade de oportunidades para
todas as empresas, independentemente de qualquer vínculo com as Forças Armadas.
Em suma, é essencial que as instituições envolvidas adotem medidas efetivas para prevenir conflitos de interesse, assegurar a transparência nos processos de contratação e garantir a conformidade com as leis e regulamentações vigentes. Somente assim será possível manter a confiança da população nas instituições e promover uma gestão pública ética e responsável.