Segundo o relatório do ministro Luís Felipe Salomão, os recursos dos acordos voltariam para a "fundação Lava Jato", numa triangulação financeira
(Foto: ABR)O resultado parcial da correição extraordinária feita pela
Corregedoria Nacional de Justiça na 13ª Vara Federal de Curitiba e na 8ª Turma
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região encontrou indícios de conluio com o
objetivo de destinar valores bilionários para serem usados com exclusividade pelos
integrantes da "lava jato".
As informações foram divulgadas pelo Conselho Nacional de
Justiça nesta sexta-feira (15/9) e decorrem da análise de uma parcela mínima
dos autos de colaboração, leniência, ações penais e procedimentos diversos que
tramitaram em Curitiba.
A conclusão é de que houve uma gestão caótica no controle de
valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o
Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13ª Vara Federal de
Curitiba.
Por meio desses acordos, o grupo de procuradores de Curitiba
recolheu e repassou à Petrobras R$ 2,1 bilhões entre 2015 e 2018, com
autorização da 13ª Vara Federal, a título de ressarcimento pelos desvios
praticados.
Esses valores permitiram à Petrobras, que era investigada por
autoridades americanas, firmar acordo no exterior, segundo o qual o dinheiro
que seria devido fora do Brasil acabaria investido na criação de uma fundação
com o objetivo de organizar atividades anticorrupção.
Essas verbas circularam com autorização judicial concedida ao
arrepio de leis que assim autorizassem, sem fundamentação e em contas paralelas
sob pretexto de que o rendimento conferido ao dinheiro depositado em contas judiciais
era pouco expressivo.
"Ou seja, verificou-se a existência de um possível
conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de
destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a Petrobras pagasse
acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da
força-tarefa", diz o CNJ.
A correição ainda vai gerar um relatório final para apurar corretamente a responsabilidade de todos os envolvidos. O CNJ adiantou que serão propostos a abertura de procedimentos disciplinares contra os magistrados e servidores envolvidos.
Triangulação
O dinheiro que foi enviado à Petrobras pela "lava
jato" apenas para voltar como investimento em uma fundação de combate à
corrupção faz parte dos R$ 3,1 bilhões que, em contas superestimadas pelo MPF
curitibano, seriam "devolvidos aos cofres públicos".
Já o acordo assinado entre a Petrobras e os procuradores da
"lava jato" para criação da tal fundação permitiria ao grupo de
procuradores gerir recursos bilionários. Em troca, a estatal repassaria
informações confidenciais sobre seus negócios ao governo norte-americano.
Para viabilizar esse trânsito de dinheiro, o então juiz
federal Sergio Moro instaurou um procedimento de ofício com a justificativa de
que os valores depositado em contas judiciais "estavam sujeitos a
remuneração não muito expressiva". E ao faze-lo, segundo o CNJ,
desrespeitou a lei.
Moro não justificou a existência de algum grau de
deterioração ou depreciação ou mesmo a dificuldade para a sua manutenção, como
exige o artigo 144-A do Código de Processo Penal. Nem que a destinação imediata
era necessária "para preservação de valor de bens", como prevê ao
artigo 4º-A da Lei 9.613/1998.
Assim, o dinheiro de acordos e leniências foi para contas
judiciais vinculadas a quem não era parte na representação criminal. Esses valores
foram tratados como "ressarcimentos cíveis" pelo juízo criminal, sem
observância do critério legal de decretação de perda.
O repasse a Petrobras foi feito sem qualquer indício de que a
empresa havia corrigido ou eliminado os problemas internos que haviam permitido
a a ocorrência dos crimes apurados pela "lava jato" e enquanto a
mesma ainda era investigada pelo Ministéiro Público de São Paulo e por
autoridades americanas.
Isso foi possível porque todas as apurações cíveis a respeito
da "violação dos deveres de administração, gestão temerária ou
fraudulenta" da Petrobras foram centralizadas na grupo de procuradores de
Curitiba e acabaram arquivadas em razão de prescrição.
Faltou zelo
Outro indício de falta de zelo da Justiça Federal paranaense
no sistema lavajatista está no fato de acordos de colaboração, de leniência e
de assunção de compromissos serem homologados sem apresentação das
circunstâncias da celebração e sem as bases documentais das discussões ocorridas
entre as partes.
As cláusulas desses documentos prestigiavam a Petrobras, a
"lava jato" e a intenção de criar uma fundação privada. Além disso,
termos e minutas desses acordos foram discutidos com e avaliados pelo organismo
Transparência Internacional, que por anos agiu como sócia dos lavajatistas.
A prévia da correição também destaca o esforço e interlocução
dos procuradores de Curitiba junto às autoridades americanas para destinar
valores oriundos do acordo firmado com a Petrobras aos interesses lavajatistas.
Um dos exemplos citados é da leniência da Braskem. "Em princípio, constatou-se que os valores apontados obedeceram a critérios de autoridades estrangeiras, o que soa como absurdo, teratológico", diz o relatório.