Ex-presidente enfrenta nova rodada de julgamentos no Tribunal Superior Eleitoral. Para analistas, novas condenações diminuem chances de Bolsonaro reverter inelegibilidade.
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisa se ex-presidente Jair Bolsonaro (e.) cometeu abuso de poder político durante o Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022. Ele é acusado de ter usado as cerimônias para fazer campanha à reeleição .© Evaristo Sa/AFP/Getty ImagesO ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta, nesta
terça-feira (24/10), mais um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
sobre possíveis irregularidades cometidas durante as eleições gerais de 2022.
Desta vez, a corte eleitoral vai analisar o caso envolvendo as comemorações do
Bicentenário da Independência, em 7 de setembro do ano passado.
Bolsonaro é acusado de cometer abuso de poder político por
supostamente ter utilizado as cerimônias para fazer campanha eleitoral. O
questionamento é feito por meio de três ações de investigação judicial
eleitoral (Aijes), de autoria do PDT e da ex-candidata à Presidência Soraya
Thronicke (União Brasil).
Na semana passada, o ex-presidente foi absolvido no TSE em
três ações que questionavam a utilização dos palácios do Planalto e da Alvorada
em transmissões ao vivo nas redes sociais com objetivos eleitorais. Neste caso,
a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) se manifestou a favor de uma absolvição. O
órgão, porém, pediu a condenação de Bolsonaro nas ações referentes a Sete de
Setembro.
Menos de um ano depois de deixar a presidência, o ex-capitão
do Exército, que governou o país entre 2019 e 2022, se encontra cercado por
imbróglios jurídicos.
Em junho, ele foi condenado pelo TSE, que o tornou inelegível
até 2030 por ter utilizado uma reunião com embaixadores para questionar o
sistema eleitoral que o elegeu.
Novas condenações?
Contando com as Aijes que serão julgadas a partir desta
terça, a principal figura da direita brasileira tem ainda pela frente nada
menos que uma dúzia de ações na corte eleitoral do país. Os processos
questionam, entre outros, os ataques ao sistema eleitoral após a divulgação do
resultado; o uso da máquina pública para a promoção da candidatura por meio de
programas sociais; e até mesmo um tratamento privilegiado à emissora Jovem Pan.
Isso sem falar das investigações na esfera criminal, como o
caso das joias sauditas ou o inquérito sobre os atos golpistas promovidos por
bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro deste
ano. Além disso, na semana passada, a Polícia Federal colocou na rua uma
operação para investigar se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estaria
espionando adversários de Bolsonaro durante a gestão do ex-presidente.
De acordo com especialistas ouvidos pela DW, mesmo que não
seja possível aumentar o período de inelegibilidade – a pena é de oito anos,
não cumulativa –, possíveis novas condenações tornariam a vida de Bolsonaro
mais complicada por diminuírem as chances de outros recursos reverterem essas
decisões.
"Objetivamente falando, a pena nesses casos nunca vai
poder mais que os oito anos para os quais ele já foi condenado", explica a
jurista Silvana Batini, procuradora regional da República e professora da FGV
Direito Rio. "O que pode acontecer nessas situações é ele também receber
uma multa. Além disso, a decisão que já decretou a inelegibilidade ainda não
transitou em julgado – ou seja, ainda cabe recurso. Ele ter sido condenado não
retira a necessidade de julgamento de outras ações", explica.
De acordo com Batini, no entanto, para além da condenação do
próprio Bolsonaro, essas ações também podem assumir um caráter preventivo,
protegendo as instituições de outros candidatos que possam se valer de abusos e
crimes eleitorais semelhantes.
"A doutrina do abuso nas eleições é antiga no direito
brasileiro, com conceitos e valores muito consolidados para evitar que se
beneficie quem está com a máquina pública nas mãos. Mas o que não tínhamos
ainda era uma jurisprudência forte nesse sentido, formada numa eleição
presidencial. Ter uma jurisprudência formada por atos dessa natureza na eleição
fortalece o sistema de justiça eleitoral e a própria democracia, porque a
eleição não pode ser um vale-tudo", complementa a jurista.
Futuro político de
Bolsonaro
Dentro da bolha bolsonarista, houve pouca repercussão sobre o
arquivamento das ações que tentavam enquadrar as lives do ex-presidente como
abuso de poder. "No clã Bolsonaro, só o Eduardo fez uma postagem miúda no
Twitter. São ações vistas como irrelevantes para aguçar o eleitorado",
comenta Marina Slhessarenko Barreto, pesquisadora do Núcleo Direito e
Democracia (NDD) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do
Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut) e doutoranda em
ciência política na USP.
Barreto pontua que agora, no caso do Bicentenário da
Independência, é possível que a ação resulte numa condenação – mas que os
efeitos sobre a base ainda são incertos. "Não acho que essas ações vão ter
mais impacto que já tiveram, porque não tem como ter mais inelegibilidade. Mas,
por outro lado, há uma PF que agora investiga servidores da Abin que
monitoravam adversários, e isso preocupa muito mais a família Bolsonaro que o
julgamento que está para acontecer. Tem Mauro Cid, tem outras frentes de
apuração no cenário político que certamente vão ter muito mais impacto",
acrescenta.
A pesquisadora, que também é uma das autoras do livro O
Caminho da Autocracia, diz que a responsabilização é um passo necessário depois
que um líder de perfil autoritário não é reeleito, como foi o caso de Bolsonaro
em 2022. "A democracia continua e as instituições devem responder aos
ataques. Durante o governo dele, STF, TSE e o front capilar de exercício
burocrático sofreram ataques impressionantes. Nada é mais esperado do que elas
saírem desse modo de autodefesa, sinalizando para a população, não só para os
candidatos, que essas ações não são aceitáveis no campo democrático",
afirma Barreto.
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Paulo Henrique Cassemiro vê o Judiciário
operando no sentido de não dar espaço para o bolsonarismo, após a não reeleição
do ex-presidente. "O Judiciário tem que fazer isso como estratégia de
sobrevivência. Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, iria destravar projetos para
se perpetuar no poder, seja com golpe, seja inviabilizando a competição
eleitoral para se eleger", diz.
Cassemiro não acredita numa perda de prestígio considerável
do ex-capitão junto ao eleitorado, mas afirma que condenações, tanto na esfera
eleitoral quanto criminal, podem complicar a viabilidade política dele.
"Ele tem uma capacidade extraordinária de atração de votos, como já vimos
provado em duas eleições. Por mais que estar perto da figura dele custe para
quem o faz, já que ele tensiona o ambiente político, muitas lideranças
bolsonaristas, como Tarcísio, não podem se distanciar muito porque perdem votos
que Bolsonaro é capaz de atrair. Acho que a figura política do Bolsonaro não
mudou nada com essas condenações. O que existe é um distensionamento do
ambiente político com a saída dele", afirma.
Segundo ele, a extrema direita veio para ficar, com a condenação ou não de Bolsonaro. "Se isso acontecer, vão haver mobilizações em torno de outros projetos políticos. As formas de mobilização política vieram para ficar: redes sociais, bolhas informacionais de construção de narrativa. Isso vai manter a extrema direita ativada", conclui Cassemiro.
Autor: Fábio Corrêa