Hamas acusa Israel de bombardear instituição de saúde em Gaza e de provocar massacre. Exército judeu responsabiliza a Jihad Islâmica. Irã ameaça israelenses. Abbas cancela reunião com Biden
Moradores da Cidade de Gaza observam corpos de palestinos mortos no bombardeio, diante do hospital - (crédito: Dawood Nemer/AFP)O ataque mais sangrento à Faixa de Gaza em 15 anos atraiu
condenação internacional, provocou revés nos esforços da diplomacia por um
cessar-fogo e incendiou o Oriente Médio, com ameaças do Irã e da milícia xiita
libanesa Hezbollah. Além de médicos, enfermeiros, funcionários e pacientes,
milhares de civis estavam abrigados no Hospital Batista Al-Ahli Arab, no bairro
de Al-Zaytoun, região sul da Cidade de Gaza. Desesperados por conta dos
bombardeios, os palestinos acreditavam estar em segurança no prédio, até às 19h
desta terça-feira (17) — 13h em Brasília. Uma explosão destruiu o hospital e
transformou o local em cenário de horror, com corpos espalhados pelo chão e
fogo em meio às ruínas. O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, denunciou o
massacre e advertiu: "As chamas das bombas americano-israelenses, lançadas
esta noite sobre as vítimas palestinas feridas no hospital em Gaza, vão
consumir em breve os sionistas", declarou, citado pela agência Irna.
Protestos contra o bombardeio se espalharam pela Cisjordânia, pela Jordânia,
pelo Líbano e pelo Iraque.
Por meio do WhatsApp, o porta-voz do Ministério da Saúde
palestino, Ashraf Al-Qudra, citou ao Correio a existência de "centenas de
vítimas". "A contagem precisa não foi completada, por conta de
pedaços de corpos", explicou. "É um massacre sem precedentes e sem
paralelo. As vítimas chegaram a outros hospitais sem cabeça e evisceradas.
Nossos médicos realizam cirurgias nos feridos no chão e nos corredores, algumas
delas sem anestesia. Um grande número de pacientes aguardam para serem
operados", disse Al-Qudra, na noite desta terça-feira (madrugada de 18/10,
em Gaza). Mais cedo, o Ministério da Saúde tinha feito uma estimativa entre 500
e 800 mortos, enquanto o grupo terrorista Hamas, que comanda o território palestino,
falava em mil cadáveres.
Mahmud Abbas, presidente palestino, decretou luto oficial de
três dias e cancelou a reunião com o homólogo norte-americano, Joe Biden, que
ocorreria nesta quarta-feira (18) em Amã. A Jordânia também desistiu de sediar
a cúpula com Biden; o premiê israelense, Benjamin Netanyahu; e o líder egípcio,
Abdel Fattah Al Sisi. O Ministério das Relações Exteriores jordaniano atribuiu
a responsabilidade pelo bombardeio à "força ocupante". O rei
Abdullah, da Jordânia, advertiu que o Oriente Médio está à beira do
"abismo". Ao embarcar para Tel Aviv, Biden enviou "as mais profundas
condolências" às vítimas da "explosão" e revelou-se
"indignado". Também em Tel Aviv, o chanceler alemão, Olaf Scholz,
participou de uma reunião com Netanyahu, depois de ele e equipe serem obrigados
a deitar no chão do aeroporto, ante um ataque de foguetes vindos de Gaza.
Críticas
O secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse "horrorizado". "Meu coração está com as famílias das vítimas. Os hospitais e o pessoal médico são protegidos pelo direito internacional humanitário." A Organização Mundial da Saúde (OMS) condenou "veementemente" o ataque e lembrou que o Al-Ahli Arab estava "operacional". "A OMS apela à proteção ativa imediata dos civis e de profissionais da saúde. O direito humanitário internacional deve ser respeitado." O presidente da França, Emmanuel Macron, reiterou que "nada pode justificar atacar um hospital". "Nada pode justificar alvejar civis. A França condena o ataque ao Hospital Batista Al-Ahli Arab, que fez tantas vítimas palestinas. Nossos pensamentos estão com elas. Toda a luz deve ser lançada sobre as circunstâncias", cobrou.
O grupo terrorista Hamas — que mais cedo tinha anunciado a
morte de Ayman Nofal, comandante das Brigadas Al Qassam — culpa o Exército
israelense pelo massacre. No entanto, as Forças de Defesa de Israel (IDF) negam
responsabilidade e atribuem a autoria à Jihad Islâmica, outra facção extremista
da Faixa de Gaza. "Após análise realizada pelos sistemas operacionais das
IDF, uma barragem de foguetes foi lançada em direção a Israel, a qual passou
pelas imediações do hospital, quando foi atingido", afirma o comunicado.
"De acordo informações de inteligência, a organização terrorista Jihad
Islâmica é a responsável pelo lançamento fracassado do foguete que atingiu o
hospital", acrescenta as IDF. "Esta é a responsabilidade da Jihad
Islâmica, que matou inocentes no hospital", declarou, pouco depois, o
almirante Daniel Hagari, porta-voz das IDF, em pronunciamento à imprensa. A
Jihad Islâmica chamou as acusações de "mentiras".
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, comentou
o ataque em seu perfil na rede social X, o antigo Twitter. "O mundo
inteiro deveria saber disso: foram terroristas bárbaros que atacaram o hospital
na Faixa de Gaza, não as IDF. Aqueles que brutalmente assassinaram nossas
crianças também assassinaram suas próprias crianças." Em entrevista ao
Correio, Basem Naim, ex-ministro da Saúde palestino e chefe do Departamento
Político do Hamas em Gaza, afirmou que o Al-Ahli Arab era um dos hospitais mais
antigos do território palestino. "Era o maior hospital da Cidade de Gaza e
tinha cerca de um século de funcionamento. Aviões israelenses dispararam dois
mísseis contra o prédio. Dentro do hospital, milhares de palestinos — incluindo
mulheres, idosos e crianças — buscavam refúgio. Além de mil mortos, mil pessoas
ficaram feridas", disse.
Em Ramallah, na Cisjordânia, o embaixador palestino no
Brasil, Ibrahim Alzeben, classificou o bombardeio ao hospital como "um
crime hediondo". "Ele se soma a todos os crimes de guerra praticados
por Israel contra o povo palestino. Chega! A comunidade internacional tem que
intervir para pôr fim a essa chacina. O povo palestino está sozinho,
enfrentando essa maquinária de guerra destrutiva, enquanto o mundo fica em
silêncio. Chega! Esse é o nosso chamado. Até quando o povo palestino seguirá
aguentando esses crimes com um silêncio absoluto da comunidade internacional?",
questionou ao Correio. O diplomata acusou Israel de "crime de guerra"
e disse esperar que Netanyahu e seu gabinete sejam enviados aos tribunais.
"Todas essas alegações de Israel sobre o ataque são uma
tentativa de negar a responsabilidade pela agressão. Mas nós temos todas as
evidências, inclusive imagens de câmeras de tevê e testemunhas que viram o
míssil israelense atingir o hospital. A situação é extremamente grave e
perigosa. Agora, Israel exige a desocupação de cinco hospitais. As organizações
internacionais e a ONU afirmaram que isso é impossível, sob o ponto de vista
técnico e por motivos de segurança."