Presidente da Câmara completa 10 dias no cargo e busca equilíbrio entre Planalto e oposição, mas se aproxima da direita. Defende diálogo com o Supremo Tribunal Federal sobre emendas e avalia pautas como anistia e mudanças na Ficha Limpa
Motta começou o mandato estendendo a mão ao Planalto, mas sem deixar de defender o parlamento - (crédito: Kleber Sales/CB/D.A Press)Motta começou o mandato estendendo a mão ao Planalto, mas sem
deixar de defender o parlamento. Encontrou-se com o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva na segunda-feira ao lado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre
(União Brasil-AP), e prometeu uma atuação em conjunto para avançar em pautas de
interesse nacional.
Ao longo de sua primeira semana no cargo, no entanto,
demonstrou que será um presidente atuante: dará entrevistas, comentará os temas
que achar pertinentes e criticará as atitudes, seja do Executivo, seja da
oposição, que entender que atrapalham o andamento dos trabalhos da Câmara.
Prova disso foi seu posicionamento sobre a "guerra de bonés" iniciada
por parlamentares e ministros do governo que foram à eleição na Câmara e no
Senado com mensagens que diziam "O Brasil é dos Brasileiros" uma
referência ao adereço usado por apoiadores do presidente norte-americano Donald
Trump (Republicanos), que diz "Make America Great Again". A oposição
respondeu e começou a fazer suas próprias versões.
"Para mim, boné serve para proteger a cabeça do Sol, e
não para resolver os problemas do país", disse Motta em uma postagem em
seu perfil na rede social X (ex-Twitter). Um tipo de troca de farpas em que o
antecessor, Arthur Lira, do PP de Alagoas, não costumava se meter. O alagoano
guardava suas críticas aos adversários políticos ou a quem ele entendesse que
estava prejudicando os acordos da Câmara, como foi quando o Supremo Tribunal
Federal insistiu no bloqueio de emendas parlamentares por falta de transparência.
Motta deu várias entrevistas ao longo da semana. Os assuntos
mais quentes foram o projeto de anistia aos golpistas do 8 de janeiro e a
eventual discussão, pela Câmara, de um texto para alterar a Lei da Ficha Limpa
e abrir espaço para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) concorrer em 2026. Na
sexta-feira, o presidente pegou o Planalto de surpresa, ao dizer em uma
entrevista a uma rádio da Paraíba que não houve tentativa de golpe. Defendeu,
ainda, que os bolsonaristas com menor participação nos atos de vandalismo
tenham penas menores.
"O que aconteceu não pode ser admitido que aconteça
novamente. Foi uma agressão às instituições inimaginável. Agora querer dizer
que foi um golpe, golpe tem que ter um líder, tem que ter uma pessoa
estimulando, tem que ter apoio de outras instituições interessadas, como as
Forças Armadas, e não teve isso", disse Hugo Motta. As falas irritaram
representantes do governo na Câmara, que precisarão lidar com Motta quase
diariamente para defender os interesses do Executivo.
O medo é de que Motta comece a atender os interesses da
oposição controlada por Bolsonaro, com quem o novo presidente tem uma relação
cordial e conversou recentemente sobre a eventual votação do projeto da
anistia. O presidente deixou claro, nas entrevistas da última semana, que
entende que a anistia é o tema que mais divide a Casa atualmente, mas disse que
se sentir clima para levar adiante a discussão, fará isso com
"responsabilidade", exatamente como pediu Bolsonaro.
"Na conversa que eu tive com o presidente Bolsonaro, em
um determinado momento, ele falou: 'Eu queria que, se houver o acordo no
colégio de líderes e se houver o ambiente na Casa, você não prejudique a pauta
da anistia'", disse Motta ao jornal O Globo na sexta-feira. O presidente
da Câmara também já se mostrou simpático à outra pauta crucial para o
bolsonarismo: a alteração da Ficha Limpa para diminuir o prazo de
inelegibilidade para dois anos. Isso beneficiaria diretamente o ex-presidente
Jair Bolsonaro, condenado duas vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
que está inelegível até 2030. Segundo Motta, oito anos é uma
"eternidade" na política brasileira.
Impeachment e emendas
O Republicanos, do qual faz parte o deputado, é uma sigla em
franco crescimento no Congresso. Tem ministério na Esplanada e também abriga
nomes fortes da direita, como o ex-vice-presidente Hamilton Mourão (RS); a
senadora Damares Alves (DF) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(SP), cotado para ser um dos candidatos ao Planalto em 2030.
Apesar dos acenos à extrema-direita, no entanto, Motta também
disse na última semana que "não está no horizonte" fazer avançar um
processo de impeachment contra o presidente Lula. "Não é gerando mais
instabilidade que nós vamos resolver o problema do país. O presidente Lula foi
legitimamente eleito pelo nosso povo, pela maioria da população. Está
respaldado por esse povo para governar e tem, agora, que conseguir corresponder
à confiança da população brasileira que o confiou. Ele é o presidente de todos.
Então não será este presidente aqui que gerará instabilidade", disse à
rádio paraibana Arapuan, na sexta-feira.
"Não está no nosso horizonte fazer nenhum tipo de
movimento que traga para o país instabilidade, incertezas, porque fazendo isso
nós só vamos conseguir aumentar mais os desafios que temos pela frente",
afirmou.
Motta também se mostrou disposto a resolver, de uma vez por
todas e de forma amigável o impasse da
transparência das emendas com o Supremo Tribunal Federal. O tribunal bloqueou
valores bilionários indicados por deputados e senadores porque o Legislativo
não cumpriu diversas exigências para garantir a rastreabilidade dos recursos. A
aprovação do Orçamento deste ano também dependerá de um entendimento com o STF
e com o governo sobre a destinação das verbas.
"Eu tenho plena confiança de que nós vamos, durante o
mês de fevereiro, com muito diálogo entre a Câmara e o Senado, nós temos uma
ótima relação com o senador Davi. Devemos ter uma sintonia fina na atuação da
Câmara e do Senado, o que vai facilitar para que essa agenda possa ser
propositiva das Casas, do Poder Legislativo, para que esse diálogo possa se dar
com o próprio Poder Judiciário e também com o Poder Executivo e essa questão
das emendas ser uma página virada para que o nosso orçamento possa ser votado
e, quem sabe, de uma vez por todas, já resolver, entender o modelo que esteja
ali à altura daquilo que o Supremo espera sem abrir mão das nossas
prerrogativas, porque o Poder Legislativo não abre mão de participar da
indicação ao orçamento", diz Motta.
As declarações do presidente da Câmara
Sábado (1º/2), dia da vitória
- Defendeu
as “prerrogativas” do parlamento, foi enfático ao defender a
democracia, repetiu a frase de Ulysses Guimarães sobre ter ódio
à ditadura e disse que será um líder humilde;
Domingo (2/2)
- Afirmou
que a anistia aos golpistas do 8 de janeiro será discutida pela
Câmara e tratada com “imparcialidade”;
Segunda (3/2)
- Reuniu-se
com Lula ao lado de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e disse que a Câmara
está à disposição para construir uma “pauta positiva para o
país”.
Terça-feira
- Em
entrevista à CNN, disse que oito anos de inelegibilidade
é um “tempo extenso” e que poderá discutir a Lei da Ficha Limpa
(isso beneficiaria Bolsonaro) se houver interesse dos
parlamentares.
Quarta-feira
- Criticou
as manifestações da oposição e do governo usando bonés em
referência ao boné “Make America Great Again.” No mesmo dia,
recebeu de Fernando Haddad (Fazenda) uma lista de prioridades
para a
economia.
Sexta-feira
- Disse
que não houve tentativa de golpe no 8 de Janeiro e
defendeu penas mais brandas a alguns dos condenados. Também
criticou os “vacilos” do governo na economia e disse que não se
pode ficar refém de posicionamentos ideológicos. “Não adianta
Lula fazer o que Bolsonaro fez e ficar o tempo todo falando para
uma bolha que o fez errar”, disse ao jornal O Globo.
Da Redação