Almir Muniz da Silva lutava pelo direito à terra, território e meio ambiente e denunciou milícias rurais e violência no campo antes de desaparecer em 2002
(Foto: reprodução)A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou o Estado brasileiro internacionalmente responsável pelo desaparecimento forçado de Almir Muniz da Silva, trabalhador rural e defensor dos direitos dos trabalhadores no estado da Paraíba. O anúncio foi realizado nesta terça-feira (11). Ele lutava pelo direito à terra, território e meio ambiente e denunciou milícias rurais e violência no campo antes de desaparecer em 2002.
A Corte demarcou as inúmeras falhas na garantia de proteção à
vida de Muniz da Silva, nas investigações policiais e na busca pela vítima.
Além disso, o Tribunal condenou o Brasil por falhas na investigação do caso e
na busca pela vítima, bem como pela violação dos direitos à verdade, à defesa
dos direitos humanos, à integridade pessoal, à proteção familiar e aos direitos
da infância.
O Tribunal também reconheceu o impacto devastador do
desaparecimento forçado sobre os familiares da vítima, que enfrentaram ausência
de respostas, sofrimento psicológico e dificuldades socioeconômicas.
Apresentado pela Comissão Pastoral da Terra, Dignitatis e
pela Justiça Global, o caso foi admitido pela Comissão Interamericana em 2016,
chegou à Corte em 2022 e foi levado à audiência em 9 de fevereiro de 2024, em
São José da Costa Rica.
“É muito especial estar aqui hoje, no Assentamento Almir
Muniz, podendo compartilhar com a comunidade e os familiares um momento como
esse. A partir de agora, buscaremos o fortalecimento de todas as articulações
possíveis para que o processo de monitoramento e efetivação dos itens da
sentença possam caminhar o mais rápido possível. As duas sentenças, tanto de
Manoel, quanto a de Almir, são históricas para a realidade do Nordeste
brasileiro. São os dois primeiros casos envolvendo trabalhadores rurais que obtiveram
sentenças favoráveis à denúncia na Corte Interamericana de Direitos Humanos. E
isso é uma homenagem a toda a luta histórica, de um estado como o da Paraíba,
que tem uma trajetória tão importante desde as Ligas Camponesas, desde as lutas
de João Pedro e Elizabeth Teixeira, Margarida Maria Alves e tantos outros que
lutaram pela terra e pelos direitos dos trabalhadores durante todos esses. Que
assim seja e que abra uma nova agenda de possibilidades e de intervenções e
articulações para garantir efetivação das políticas públicas necessárias para
garantir reforma agrária e direito à terra no Brasil. Por Almir, por Manoel,
por todos os que tombaram na luta pela terra, nosso sempre e firme grito por
justiça”, declarou Hugo Belarmino, professor da Universidade Federal da Paraíba
e advogado da Dignitatis.
“Para nós da Comissão Pastoral da Terra, que acompanhamos de
perto o caso, é a concretização de um momento importante. É uma decisão que, de
certa forma, vai dar uma resposta às famílias, à comunidade e a sociedade como
um todo. E com isso, a gente poder dizer que, mesmo não tendo a justiça de
condenação de quem cometeu tal crime, o Estado brasileiro pode se
responsabilizar pela falta de justiça. Então, é um dia histórico”, destacou
João Muniz, agente pastoral da CPT e assentado do Assentamento Almir Muniz.
“Essa sentença é muito emblemática – além de determinar que o
país tipifique o crime de desaparecimento forçado, ela ainda determina a adoção
de um protocolo específico para a busca e investigação desses casos, que
continuam a ser uma ferida aberta em nossa democracia. Também é importante
ressaltar o avanço histórico que essa sentença representa para a proteção a
defensores de direitos humanos, estabelecendo que os defensores ambientais e da
terra devem contar com medidas diferenciais e específicas, e isto deve fazer
parte do fortalecimento desta política pública, complementando e ampliando as
determinações da sentença do caso Salles Pimenta”, lembrou Daniela Fichino,
advogada e diretora-adjunta da Justiça Global.
Proteção de defensores/as de direitos humanos em assuntos
ambientais
O Estado também foi responsabilizado por não garantir um
ambiente seguro para atuação de defensores/as de direitos humanos, condição que
deveria garantir-lhe proteção especial.
Outra condenação, também na Corte IDH, pelo assassinato do
advogado Gabriel Salles Pimenta, em Marabá–PA, em 2009, já determinava
que o país elaborasse uma política pública sobre o tema. Um dos desdobramentos
foi a criação do Grupo de Trabalho Técnico que leva seu nome, do qual a Justiça
Global faz parte.
O colegiado entregou ao governo federal em novembro uma
proposta de Plano Nacional de Proteção e um anteprojeto de lei sobre a Política
Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e
Ambientalistas.
A nova decisão, entretanto, acrescenta aprimoramentos, com
medidas para:
- Descentralizar
e reforçar, em áreas de alto risco, unidades especializadas nas regiões
rurais e na Amazônia, bem como em áreas onde o risco para os defensores
seja mais elevado, as quais devem contar com pessoal capacitado e recursos
logísticos que possibilitem uma intervenção rápida e adequada diante de
ameaças;
- Adotar
um enfoque diferenciado para defensores em zonas rurais e de conflito
agrário e garantir proteção coletiva a comunidades rurais, indígenas e
quilombolas, considerando os riscos específicos que essas pessoas
enfrentam;
- Estabelecer
protocolos de resposta imediata para defensores sob ameaça, incluindo a
criação de abrigos temporários, o acesso a mecanismos de proteção, como o
estatuto de testemunha protegida, e o uso de ferramentas tecnológicas que
permitam aos defensores alertar sobre emergências em tempo real;
- Fortalecer
o orçamento e a provisão dos recursos necessários e suficientes para o
funcionamento do programa, considerando a necessidade de oferecer proteção
a defensores em territórios isolados; e
- Reforçar
a coordenação interinstitucional ao nível federal e estadual.
Desaparecimento forçado pós-redemocratização do Brasil
Para a Corte, o direito à verdade foi agravado pela falta de
tipificação do crime de desaparecimento forçado na legislação brasileira. Vale
destacar que o assunto também foi observado na sentença da Corte, de dezembro
do ano passado, que condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado de 11 jovens
moradores da favela de Acari, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, em
1990 – caso que deu origem ao grupo de ativistas Mães de Acari.
Medidas de reparação determinadas pela Corte Interamericana
– Continuação das investigações e ações imediatas para
localizar o paradeiro de Muniz da Silva.
– Realização de um ato público de reconhecimento da
responsabilidade do Estado e pedido de desculpas.
– Adaptação da legislação brasileira para incluir o crime de
desaparecimento forçado.
– Criação e implementação de um protocolo para busca de
desaparecidos e investigação desses casos.
– Revisão e fortalecimento do Programa de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos ao nível federal e estadual.
– Elaboração de um diagnóstico sobre defensores de direitos
humanos no contexto dos conflitos agrários.
Saiba mais sobre o caso
Almir Muniz da Silva tinha 40 anos, era trabalhador rural,
casado e pai de três filhos. Além disso, também atuava como líder comunitário e
era diretor da associação dos trabalhadores rurais da terra comunitária de
Itabaiana, Paraíba.
Pouco mais de um ano antes, em 9 de maio de 2001, Muniz da
Silva testemunhou perante a Comissão Parlamentar de Inquérito da Paraíba sobre
a violência no campo e a formação de milícias rurais no estado, apontando a
atuação de policiais em supostos atos de violência contra trabalhadores rurais
da região. Em 23 de dezembro de 2000, Almir Muniz da Silva foi ameaçado de
morte por um dos policiais que havia denunciado.
Somente em 2008, a delegada responsável concluiu que havia
fortes indícios de crime contra Muniz da Silva e envolvimento do policial
denunciado, mas alegou insuficiência de provas para responsabilizá-lo.
A CPI do Extermínio no Nordeste, em 2005, também identificou
o policial como suspeito de crimes na região e recomendou sua investigação por
associação criminosa, além da apuração de possível prevaricação do delegado
inicial do caso. Em abril de 2009, o caso foi arquivado e seus parentes ficaram
sem qualquer explicação. Acesse mais aqui.
Sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos
O Sistema Interamericano de proteção dos direitos
humanos (SIDH) foi criado a partir da Declaração Americana de Direitos e
Deveres do Homem na 9ª Conferência Internacional Americana
realizada em Bogotá em 1948, onde
também foi adotada a própria Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), que
afirma os “direitos fundamentais da pessoa
humana” como um dos princípios fundadores da Organização. Ele é composto por dois órgãos:
- A
Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que é uma
instituição judicial autônoma da que tem o objetivo de aplicar e
interpretar a Convenção Americana (Pacto de San José da Costa Rica), um
tratado que prevê direitos e liberdades adotado em 1969 e em vigor desde
1978. O Brasil é um dos 20 países da região que reconhecem sua
competência;
- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é um órgão de natureza executiva, composta por sete juristas de diferentes nacionalidades do continente americano, que visa a promoção, observância e defesa dos Direitos Humanos. Além do Sistema de Petição Individual, a CIDH monitora a situação dos direitos humanos nos Estados Membros e dá a atenção a linhas temáticas prioritárias.
Da Redação