Volume perdido ainda no armazém do Ministério da Saúde vale cerca de R$ 2 bilhões
O volume perdido ainda no armazém do Ministério da Saúde vale
cerca de R$ 2 bilhões. Parte do prejuízo foi amenizada pela troca de 4,2
milhões de doses da Moderna, avaliadas em cerca de R$ 240 milhões.
O número de doses que deixaram o estoque do ministério e
foram perdidas nos estados e municípios é incerto, devido às divergências entre
os dados federais e os das secretarias de saúde locais.
O cruzamento de informações do ministério aponta uma
diferença superior a 175 milhões entre as doses distribuídas e aplicadas. Mas
os dados dos estados sinalizam uma perda menor, ainda que muito superior àquela
registrada no estoque federal.
"Os sistemas distintos e não integrados de logística e
movimentação de imunobiológicos também podem contribuir para que esse dado não
seja preciso", diz o Ministério da Saúde, que não estima publicamente o
número de doses perdidas fora do seu estoque.
O governo de São Paulo, por exemplo, diz que aplicou 144
milhões de vacinas da Covid. Já o portal do Ministério da Saúde aponta 131
milhões de imunizantes utilizados no estado.
Ainda há divergências sobre quantas doses foram entregues
pelo ministério ao SUS. O órgão federal afirma que mandou cerca de 20 milhões
de vacinas ao Maranhão, que diz ter recebido 17 milhões. As diferenças se
repetem, em escalas diferentes, nas 15 unidades da federação que responderam à
reportagem.
O ministério afirma que entregou aos Estados cerca de 700
milhões de vacinas da Covid, segundo dados divulgados pela pasta à Folha após
pedido baseado na Lei de Acesso à Informação. O mesmo número não é atualizado
há mais de um ano no site da pasta comandada por Nísia Trindade.
O governo Jair Bolsonaro (PL) comprou mais de 70% das vacinas
que venceram no estoque da Saúde, ou seja, que não chegaram aos estados e
municípios. Esses lotes são principalmente da AstraZeneca/Fiocruz e venceram
ainda na gestão passada ou foram herdados com validade curta pelo governo Lula
(PT).
A atuação negacionista e o desdém de Bolsonaro na pandemia
foram temas da campanha de Lula em 2022, mas o Ministério da Saúde ainda patina
para organizar a imunização da Covid. O atraso na compra dos imunizantes e a
escassez de doses neste ano atraiu críticas ao governo petista feitas por
integrantes da comunidade científica e profissionais de saúde.
A conta de vacinas vencidas no estoque da Saúde ainda inclui
ao menos 80% de um lote de 10 milhões de doses da Coronavac comprados no fim de
2023, quando o imunizante estava em desuso no SUS. O desperdício apenas com
estas vacinas superou R$ 260 milhões.
O TCU (Tribunal de Contas da União) já afirmou que há
obstáculos para levantar o número de doses perdidas nos estados, municípios e
no estoque da Saúde.
Em levantamento preliminar, o tribunal estimou que 54,2
milhões de vacinas estavam vencidas nos estados e municípios em setembro de
2022. Essas doses valeriam cerca de R$ 2,1 bilhões.
O órgão ainda apontou risco de perda de outras 128 milhões de
unidades que apresentavam validade curta à época.
O TCU também detectou lacunas nos dados, como atraso no
registro das doses aplicadas, e disse que a soma não considerou vacinas que,
por exemplo, foram descartadas por falhas técnicas.
Em outubro de 2023, o tribunal determinou que o ministério
fizesse uma busca mais robusta sobre as doses perdidas fora do seu estoque,
além de uma série de correções sobre as entregas de vacinas ao SUS. O resultado
deste trabalho ainda não foi divulgado e avaliado pela corte.
A entrada das vacinas da Covid nas campanhas de imunização do
SUS, em momento de crise sanitária, fez o número de imunizantes perdidos e
descartados pelo governo federal escalar. Como mostrou o jornal O Globo, o
volume incinerado na gestão Lula supera os 4 anos de Bolsonaro.
Os dados sobre todo o estoque do ministério passaram a ser
sigilosos por decisão do governo Michel Temer (MDB) e foram mantidos desta
forma sob o governo Bolsonaro. No começo de 2023, quando os dados voltaram a
ser divulgados, a Folha revelou que já havia cerca de 40 milhões de vacinas da
Covid perdidas no estoque.
À época, os lotes vencidos foram avaliados em cerca de R$ 2
bilhões pelo ministério, valor que estava superestimado e foi recalculado em
respostas mais recentes da pasta. Esta cifra só foi atingida com o estoque
atualmente perdido.
Integrantes do ministério apontam que diversos fatores levam
a perda das vacinas. Entre eles, a atualização dos modelos de imunizantes para
enfrentar novas variantes da Covid.
Em determinados momentos, a Saúde restringiu o uso de doses
da Janssen e AstraZeneca, para privilegiar aquelas de mRNA, como da Pfizer e da
Moderna. Por este tipo de escolha, algumas vacinas que estavam em estoque
acabaram não sendo utilizadas, diz a pasta.
Desafios
Gestores estaduais ainda dizem que há desafios para gerir as
vacinas, como as baixíssimas temperaturas das doses de mRNA, que exigem uso de
ultrafreezers.
Em geral, os municípios não possuem estes equipamentos. Então
as vacinas ficam armazenadas em centrais estaduais e são distribuídas a pedido
das prefeituras, que passam a armazená-las em congeladores convencionais.
Quando são descongeladas, porém, as validades caem e as vacinas precisam ser
aplicadas em poucas semanas.
"A perda de vacinas Covid-19 está intimamente ligada a
diversos fatores, como adesão da população, resistência à vacinação devido as
notícias falsas, mudança rápida na composição e na plataforma tecnológica de
produção da vacina, que impacta na adesão da população, bem como validades e
condições de armazenamento e transporte diversas", afirma o ministério.
Da Redação