Cardeal arcebispo do Rio de Janeiro ouviu ainda quando criança, de uma professora, que teria posição de liderança na Igreja Católica
Filho caçula de uma família de nove irmãos, em São José do Rio Pardo (SP), o adolescente Orani chegou a resistir a seguir a vida religiosa. Afinal, a família, muito humilde, poderia precisar de seu apoio mais presente. No entanto, uma professora, alfabetizadora e religiosa chamada Maria de Lourdes Benedita Nogueira Fontão, mais conhecida como Lourdinha, fez a diferença.
Ela estimulou o rapaz e disse que apoiaria os pais, que ainda
ouviram dela (ainda no início da vida religiosa, quando ele não era nem padre)
que o “menino” seria bispo e papa. Orani hoje é cardeal arcebispo
do Rio de Janeiro, apto a votar no próximo conclave (e a ser votado).
No entanto, pessoas ouvidas pela Agência
Brasil garantem que o religioso nunca cogitou a possibilidade de ser
escolhido, mas sempre faz questão de falar de suas raízes e da amizade com a
família de Lourdinha, que teve cinco filhos.
“Orani falou que queria estudar para padre, mas que não ia
por causa dos pais idosos. MInha mãe falou: ‘vá e eu cuido deles. Eu prometo ir
lá todo dia levar a comunhão para eles”, diz a filha de Lourdinha, a xará dela
e também professora Maria de Lourdes Fontão, de 66 anos.
Vínculos
“Dom Orani nunca deixou de ter um vínculo com a comunidade de
onde ele saiu. E nunca deixou de ter um vínculo com a minha família”, diz o
filho de Lourdinha, Paulo Celso Fontão, de 61 anos, que é médico na zona leste
de São Paulo e autor do livro “Um coração para amar”. A obra traz a
história da professora que pode ser santificada pelo Vaticano.
Ela morreu em um acidente de carro em julho de 1988, aos 57
anos. O marido de Lourdinha, o dentista Héber, também estava no carro, mas
sobreviveu a uma colisão na estrada de Mariápolis, em São Paulo.
Orani não tinha como esquecer do apoio da mulher que ajudava
os monges, a paróquia e os mais pobres diuturnamente. “Minha mãe começou a
fazer visitas, para ajudar pessoas doentes e humildes. Os pais de dom
Orani estavam entre as pessoas que recebiam a visita dela”.
“Vai ser o papa”
O médico recorda que a mãe tinha um carinho muito grande
pelos pais de Orani.
“Quando Orani foi se tornar sacerdote (em 1974), ele era
monge do mosteiro, convidou a minha mãe para ser madrinha de ordenação
sacerdotal”. Foi nesse cenário que ela disse, antes de se tornar sacerdote, que
ele iria, um dia, virar bispo e papa.
Em São José do Rio Pardo e região, a história ficou famosa e
chegou a gerar expectativas a cada nova evolução na carreira, como nos momentos
em que foi ordenado bispo (em 1997), arcebispo de Belém (2004), do Rio de
Janeiro (em 2009) e depois cardeal (em 2014).
Essa proximidade, segundo avalia a família de Lourdinha,
contribuiu para a abertura do processo de beatificação dela. “Orani veio
de uma família extremamente humilde, mas pareceu desde sempre muito preparado,
sóbrio, sereno, tranquilo, focado, estudioso e de paz”.
A filha de Lourdinha, Maria de Lourdes, testemunha que,
em sua região, a história da família e a proximidade com dom Orani têm chamado
mais a atenção dos vizinhos. “Orani é um irmãozão em todas as nossas lutas. Ele
está sempre muito presente em nossa vida”.
As famílias moravam próximas. Depois que a religião foi dando
novos altares para Orani, a amizade não diminuiu. Ela guarda na lembrança o
fato de o então padre celebrar o casamento dela e batizar os três filhos. “A
gente sempre se fala por mensagens, dividimos as experiências e lembramos das
lutas”.
Quando Tempesta foi nomeado cardeal, filhos de Lourdinha,
inclusive Maria de Lourdes, foram a Roma para prestigiar e se emocionar com o
momento. “No evento, não tinha somente católicos porque ele gosta muito de
unir as religiões”, testemunha a amiga do cardeal.
Inspirações
O filho de Lourdinha, Paulo Fontão, acredita que os passos
dele como médico, que incluem atendimento a pessoas em situação de rua, têm
relação com os ideais que recebeu da mãe. “Eu sempre procurei entender que
seria essa a maneira de fazer o meu trabalho como médico, iluminado
pela realidade dessa relação com Deus”.
Como pesquisador, procurou compreender como o pensamento do
papa Francisco poderia integrar a ciência e a vida profissional na prática. “Eu
assumi a bandeira de defendê-lo”.
De acordo com o médico, o pensamento de Francisco representa
material riquíssimo, que o inspirou para o mestrado e doutorado em que
estudou a conexão entre saúde e espiritualidade.Os dois temas, para
ele, são complementares e não excludentes.
“Quando comecei a fazer o mestrado e a estudar os
textos do papa Francisco, vi que ele fala das periferias existenciais e
geográficas. A gente deve se deixar tocar pela realidade.
“Devo a ela a minha vocação”
No mosteiro em que o atual cardeal dedicou a vida, em São
José do Rio Pardo, dom abade Paulo Demartini, de 60 anos, diz que os legados
desses dois personagens da cidade são bastante representativos.
“Ela era uma mulher muito piedosa e hoje em processo de
beatificação. Eu devo a ela a minha vocação. Foi ela que levou dom Orani para
rezar as missas no sítio do meu pai. E, por meio deles, conheci o
mosteiro”, conta.
O religioso acrescenta que tinha 10 anos de idade e
recorda que a mãe fazia doces sob encomenda para Lourdinha, que doava para os
mais pobres. “Ela era muito generosa”. Inclusive usava o salário de
aposentada para ajudar as pessoas.
Orani foi também inspiração diária para o atual abade no mosteiro em mais de 20 anos de convivência. “Ele tem o dom da escuta e da humildade”, diz Demartini que conversa diariamente com o cardeal, pelo menos até antes do conclave, quando Tempesta deverá ficar isolado das comunicações externas até o próximo para ser eleito.
Da Redação