Bioma enfrenta avanço da ocupação humana com pecuária, agricultura e mineração, enquanto especialistas alertam para risco de ponto de não retorno da maior floresta tropical do planeta
A Amazônia brasileira atravessa um processo de transformação acelerada que ameaça comprometer de forma irreversível sua capacidade de sustentar a biodiversidade, regular o clima e manter os ciclos de água do continente. Entre 1985 e 2024, o bioma perdeu 52 milhões de hectares de vegetação nativa uma área equivalente ao território da França convertida em pastagens, lavouras, áreas de mineração e silvicultura. O dado faz parte da análise histórica sobre uso e cobertura do solo realizada pelo MapBiomas, que aponta uma mudança estrutural no perfil da floresta.
A magnitude do desmatamento impressiona não apenas pela extensão, mas também pela velocidade. Nos últimos 40 anos, 83% da vegetação retirada deu lugar a atividades humanas intensivas, demonstrando a força do avanço agropecuário e mineral sobre a maior floresta tropical do planeta. A floresta amazônica, que já perdeu 18,7% de sua área original, aproxima-se de um limiar crítico entre 20% e 25% de perda, apontado pela ciência como o ponto de não retorno — quando o bioma deixaria de se regenerar e passaria a funcionar como uma savana degradada, incapaz de cumprir seu papel ecológico.
O avanço da ocupação humana
A ocupação da Amazônia nas últimas quatro décadas seguiu um padrão claro: a substituição das florestas por pastagens e lavouras. Em 1985, havia 12,3 milhões de hectares destinados a pastagens; em 2024, esse número saltou para 56,1 milhões. A agricultura também avançou de forma agressiva: de apenas 180 mil hectares em 1985 para 7,9 milhões em 2024 — um aumento de 44 vezes.
O cultivo da soja tornou-se a principal atividade agrícola da região, respondendo por 74,4% da área plantada no bioma, com 5,9 milhões de hectares em 2024. Grande parte desse crescimento ocorreu após 2008, ano que marcou o início da Moratória da Soja, acordo firmado para restringir a compra de grãos cultivados em áreas desmatadas. Embora a maior parte do avanço tenha se concentrado sobre áreas já convertidas em pastagens, ainda assim, 769 mil hectares de florestas foram diretamente transformados em lavouras de soja.
A silvicultura e a mineração, embora em proporções menores, também contribuíram para a transformação. A silvicultura cresceu 110 vezes no período, passando de 3,2 mil hectares para 352 mil hectares. Já a mineração aumentou de 26 mil hectares para 444 mil, impulsionada sobretudo pela exploração de ouro e outros minérios de alto valor no mercado global.
Consequências ambientais e sociais
A perda florestal desencadeia uma série de impactos que vão além da própria Amazônia. Os ciclos hídricos estão entre os mais afetados: o desmatamento reduziu em 2,6 milhões de hectares as áreas de água no bioma, incluindo florestas alagadas, apicuns, mangues e campos úmidos. O fenômeno foi intensificado nos últimos dez anos, considerados os mais secos da história recente da região.
Com menos árvores, há menor evapotranspiração, o que compromete a formação de chuvas não apenas na Amazônia, mas em todo o Brasil e até em países vizinhos. A seca severa impacta a produção agrícola, a geração de energia hidrelétrica e o abastecimento urbano.
A perda da floresta também ameaça a biodiversidade, colocando em risco espécies endêmicas e comunidades tradicionais que dependem diretamente da floresta para sobrevivência. Povos indígenas, ribeirinhos e extrativistas veem suas terras e modos de vida pressionados pelo avanço das frentes econômicas.
Regeneração e resistência da floresta
Apesar do cenário crítico, há sinais de regeneração em parte da área degradada. Em 2024, 2% da cobertura verde da Amazônia já correspondia a vegetação secundária, totalizando 6,9 milhões de hectares. Esses espaços representam áreas convertidas anteriormente que não foram desmatadas novamente e entraram em processo de recomposição natural.
Mesmo assim, a vegetação secundária permanece mais vulnerável. Dados recentes mostram que, apenas no último ano, 12% do desmatamento ocorreu em áreas de regeneração. Ainda que esse tipo de vegetação tenha papel fundamental na recuperação da floresta, ela não substitui integralmente as funções da cobertura primária perdida.
Um alerta para o futuro
Os números reforçam a urgência em adotar políticas mais firmes de preservação e recuperação da Amazônia. A continuidade da destruição coloca em risco não apenas a biodiversidade, mas também o equilíbrio climático global.
Pesquisadores alertam que, ao atingir o ponto de não retorno, o bioma pode desencadear uma transformação irreversível, com a substituição gradual da floresta por uma vegetação mais seca, semelhante a uma savana. Esse processo comprometeria o regime de chuvas, agravaria secas e afetaria a vida de milhões de pessoas em todo o continente.
A Amazônia é um patrimônio natural insubstituível. Sua preservação exige ação coordenada entre governos, setor privado, sociedade civil e comunidade internacional. O tempo para agir está se esgotando.