O líder evangélico R. R. Soares é um dos pastores que já não apoiam mais Bolsonaro (Crédito: Carolina Antunes/PR)
Pastores que apoiaram a eleição do presidente Jair Bolsonaro,
em 2018, começaram a rever suas posições e a preparar terreno para conversas
com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa de outubro.
Movimentações recentes de líderes evangélicos dão sinais de que Bolsonaro não
terá o mesmo engajamento massivo desse segmento para se reeleger.
A tendência de figuras proeminentes de igrejas pentecostais e
neopentecostais é a de adotar uma posição mais reservada, diferente da campanha
escancarada de quatro anos atrás. Líderes dessas instituições mantêm
interlocução com o Planalto, levando demandas por isenções tributárias, perdão
de dívidas e maior espaço no governo, mas estão dispostos a negociar com quem
for eleito em outubro. Ainda nesta quinta-feira, 17, o Congresso promulgou a
emenda constitucional que estende a templos religiosos alugados a isenção de
pagamento do IPTU.
O pastor José Wellington Bezerra da Costa, líder da
Assembleia de Deus do Belém, a mais tradicional dessa denominação, afirmou ter
simpatia por Bolsonaro, mas indicou que não pedirá votos para ele neste ano.
Além disso, disse estar aberto para um diálogo com o vencedor, mesmo se for
Lula. O pastor já foi próximo dos governos do PT, mas apoiou Bolsonaro em 2018.
A reaproximação de Lula com o segmento tem sido promovida em
várias frentes e conta com a ajuda do pastor Paulo Marcelo – que faz parte da
ramificação liderada por José Wellington – e do ex-governador Geraldo Alckmin,
nome cotado para vice na chapa (mais informações nesta página).
A Assembleia de Deus tem 12 milhões de fiéis no Brasil,
segundo o IBGE, divididos entre diferentes alas que foram se separando ao longo
dos últimos anos. “Nós nunca tivemos problema pessoal. O presidente Lula é uma
pessoa nordestina como eu, e a mim não interessa falar mal dele e de nenhum
deles. Política é muito mutável, muito dinâmica. Hoje você entende uma coisa e
amanhã pode entender outra. Estamos caminhando e pedindo para que Deus dê o
melhor para o Brasil”, afirmou José Wellington.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, o pastor admitiu que a Assembleia de Deus faz a intermediação de emendas para três de seus filhos, que são parlamentares. A declaração causou mal-estar entre líderes evangélicos, mas mostrou a prioridade das igrejas em 2022, que é a de aumentar a bancada no Congresso. A Frente Evangélica quer ter pelo menos 30% das vagas na Câmara e no Senado. “Para os meus deputados, faço isso (peço voto). Para presidente, não precisa. Eles têm uma mídia tremenda e dinheiro. Não há necessidade de a igreja se envolver nessa altura”, afirmou José Wellington.
Em dezembro, pesquisa Ipec mostrou empate entre Bolsonaro e
Lula nas intenções de votos entre os evangélicos: o petista com 34% e o atual
presidente, com 33%.
Desgaste
A atuação de Bolsonaro na pandemia de covid-19 provocou perda
de apoio em diferentes segmentos. “Já existe uma migração. Bolsonaro faz uso
político da ideia de família tradicional, mas isso se desgastou porque você não
tem ações que sejam diferentes de governos anteriores”, disse o reverendo
Valdinei Ferreira, da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.
Frequentador do Planalto, o missionário R.R. Soares, da
Igreja Internacional da Graça de Deus, também tem filhos na política. Um deles
é o deputado David Soares (DEM-SP), autor de um projeto que perdoou dívidas de
igrejas. O missionário é um dos pioneiros entre os pastores televangelistas. A
igreja tem programas diários na TV aberta, um canal próprio e mais de 3 mil
templos. “Faz tempo que não falo com ele (Bolsonaro). O País está nessa crise
da pandemia, fecharam as coisas, o povo ficou desempregado”, disse Soares.
Ex-bolsonarista, o pastor Carlito Paes, da Igreja da Cidade,
de São José dos Campos (SP), puxa agora críticas ao governo e ao PT e se
aproxima do presidenciável do Podemos, Sérgio Moro. “Quando a política vira
religião, a crítica consciente desaparece e cede lugar à alienação”, escreveu
Paes.