Em um fim de ano qualquer, escrevi esta croniqueta no meu blog Toca do Leão:
Neste blogue não falo de assuntos privados. Se falasse, diria
que tomei uma atitude para o próximo ano: vou repetir a agenda. Explico: usarei
a mesma agenda deste ano, percorrendo os mesmos dias, revendo as anotações, os
compromissos, aniversários de amigos, pseudos vitórias e derrotas, ganhos e
perdas, contas a pagar e compromissos.
Talvez seja este o último dia da criação. Temos que provar
por A mais B, o que mesmo? “Você está preparado pra morrer?”, perguntou o
Testemunha de Jeová na manhã ensolarada e materialista. Devido a causas
misteriosas e não ao subdesenvolvimento, milhares de crianças estão morrendo
nestes últimos meses do ano, e eu só quero saber do que pode dar certo. Num
clima de angústia e embuste, milhões fingirão alegria e comemorarão a passagem
do ano. Não vou abafar minha sensação de culpa, porque culpa temos no cartório.
Minha agenda mostra anotações de muitos erros, alguns acertos. Vou repetir a
agenda para não repetir os erros, as hipocrisias. Acha que vai dar certo? Eu
penso que não. Porém, querendo ou não, temos que continuar, no erro ou no
acerto.
A verdade gritante: “Todo mundo sabe que nada vai mudar! A
política é a mesma, o poder é o mesmo, a polícia é a mesma, a mentira é a
mesma, a traição é a mesma, a putaria é a mesma! Ano novo é apenas mais uma
brincadeira capitalista” – Pedro Osmar.
Nas derradeiras crônicas do ano, anotar que homens astutos e
mulheres mecânicas estão planejando seus podres projetos. Lá no fundo, uma voz grita que não estamos
completamente perdidos. Somos todos amadores, sem planejamento sofisticado.
Melhor seguir o trajeto anterior, remarcar a agenda, para continuar sendo a
fina flor da ética e do saber na sociedade, sem o perigo de marcar novidades
numa folhinha nova. Refazer a vida, trilhar os mesmos caminhos, apagar as
anotações chocantes, na nossa missão de vermes insignificantes que somos.
Também lembrar de rasgar os pedacinhos de papel, jogar no
lixo uma partícula de bosta, alguns pedaços de miolos de cérebro, sinal de vida
coagulada, um riso partido, um santinho, um talo de capim, uma pena de pavão,
uma prece, uma conta a quitar, um chiclete, uns fios de cabelo, uma asa de
inseto não identificado, uma foto do amigo que morreu e um fio de pensamento à
procura de Deus.
No final, escrevi um poema com gosto de jiló de fim de ano:
Magro Menino-Deus bateu em minha porta
Vestido de algodão e sapatinho Conga.
Encabulado, foi dizendo sem delonga
A forte humilhação que a infância suporta
Na época do Natal, sem pai que dê esteio
Aos pueris desejos de um menino pobre.
Com exasperação e desprazer descobre
Ser o Papai Noel um mero devaneio.
A essência do Natal, enfim, homenageio
Em cima dessa casca, embaixo desse lodo:
Mercantilização e consumo sem freio.
Olhando-me nos olhos, o guri conclui:
O homem que sou hoje está o tempo todo
Ao lado da criança que um dia eu fui.