Novo modelo amplia a base de contribuintes e simplifica a tributação; confira os principais pontos
Fernando Haddad e Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)Qual o grande objetivo do governo federal com a reforma
tributária do consumo? O objetivo é possibilitar o crescimento da economia
brasileira e a redução das desigualdades sociais e regionais.
Com a reforma tributária, todos ganharão. As empresas
brasileiras, porque poderão concorrer em pé de igualdade com as estrangeiras.
Os brasileiros, que vão ver seu poder de compra aumentar e vão ter acesso a
novas oportunidades de trabalho. E o Estado brasileiro, que terá mais recursos
para executar ações e programas em benefício da população.
Qual é o conceito básico da reforma da tributação sobre o
consumo? A base das PECs 45/2019 e 110/2019, que tramitam no Congresso e contam
com o apoio do Governo federal, é a substituição de cinco tributos extremamente
disfuncionais existentes hoje no Brasil: PIS, Cofins e IPI – tributos federais;
ICMS – estadual; e ISS – municipal.
Esses tributos serão substituídos por um ou dois impostos sobre o valor
adicionado (IVA). A reforma contempla também a criação de um imposto seletivo
(IS) para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio
ambiente.
Qual a principal diferença entre a PEC 45 e a PEC 110? A
grande diferença entre as duas propostas é que na PEC 45 a substituição é feita
por um único imposto sobre o valor adicionado (IVA Único) e, na PEC 110, por
dois (IVA Dual). O IVA Único proposto na PEC 45 tem o nome de Imposto sobre
Bens e Serviços (IBS) e é compartilhado por União, estados e municípios. Já o
IVA Dual proposto na PEC 110 é composto por uma Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS), federal, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), subnacional,
a ser gerido de forma compartilhada entre estados e municípios.
Quais são as principais características do IVA? O IVA permite
mais transparência e facilidade de tributação, por isso é utilizado por mais de
170 países dos 193 reconhecidos pela ONU.
⦁ Base ampla de incidência: alcança
todas as operações com bens, tangíveis e intangíveis, e serviços;
⦁ Tributação no destino: o imposto é
devido ao município e ao estado onde estão localizados os consumidores da
mercadoria ou do serviço;
⦁ Legislação uniforme: regras
harmônicas aplicáveis em todo o território nacional;
⦁ Não cumulatividade plena: os
impostos pagos ao longo da cadeia geram créditos, por isso são totalmente
recuperáveis, de forma que, na prática, a tributação recai apenas sobre o
consumo final da mercadoria ou serviço;
⦁ Cobrança “por fora”: o imposto não
compõe a base de cálculo dele mesmo;
⦁ Não incidência sobre exportações: no
caso das exportações, o país onde se localiza o comprador da mercadoria ou
serviço é considerado o destino, de forma que cabe a ele, e não ao Brasil,
tributá-los;
⦁ Incidência sobre importações: neste
caso, como o Brasil é o país de destino das mercadorias ou serviços importados,
esses serão tributados pelo IVA;
⦁ Rápida devolução dos créditos
acumulados: os créditos devidos aos contribuintes são ressarcidos de forma
muito ágil.
Como o IVA é cobrado? O IVA incide sobre cada operação com
mercadorias e serviços. O imposto pago a cada etapa gera um crédito para a
empresa que comprou a mercadoria ou o serviço. A empresa então transforma esse
insumo numa outra mercadoria ou serviço, que venderá a uma outra empresa. Ao
efetuar essa venda, a empresa descontará o crédito adquirido na etapa anterior
e recolherá o imposto sobre a diferença, ou seja, sobre o valor que adicionou
na sua etapa de produção. E assim sucessivamente, até chegar ao consumidor
final, a quem caberá, efetivamente, o pagamento do preço do produto, adicionado
do IVA.
EXEMPLO:
No processo de fabricação e comercialização de uma CAMISA
acontecem as seguintes etapas, supondo um IVA com alíquota de 10%:
1. PRODUTOR RURAL
O produtor rural vende o algodão por R$ 50,00 (sendo este o
próprio valor agregado), mais o IVA de R$ 5,00.
2. INDÚSTRIA DE TECELAGEM
Ao comprar do produtor do algodão, a indústria de tecelagem
paga R$ 55,00. A indústria então transforma o algodão em tecido, que vende por
R$ 60,00, mais o IVA de R$ 6,00. Entretanto, ao recolher o tributo, a tecelagem
desconta o valor de R$ 5,00 de IVA que pagou na aquisição do algodão, de modo a
somente pagar ao fisco a diferença de R$ 1,00.
3. FÁBRICA DE ROUPAS
Ao comprar o tecido, a fábrica de roupas paga R$ 66,00. A
fábrica então transforma o tecido numa camisa, pela qual cobrará R$ 100,00,
mais o IVA de R$ 10. Entretanto, ao recolher o imposto, a fábrica de roupas
desconta o valor de R$ 6,00 de IVA pago na aquisição do tecido, de modo a
somente pagar ao fisco o valor de R$ 4,00.
4. LOJA DE ROUPAS
A loja de roupas compra a camisa da fábrica por R$ 110,00 e a
coloca à venda por R$ 200,00, mais o IVA de R$ 20,00. Entretanto, ao recolher o
imposto, o dono da loja desconta o valor de R$ 10,00 de IVA pago na aquisição
da camisa, de modo a somente pagar ao fisco a diferença de R$ 10,00.
5. CONSUMIDOR
Por fim, o consumidor final pagará à loja o valor total de R$
220,00, que corresponde justamente ao preço de R$ 200,00 mais o IVA de R$
20,00.
T: note-se que o valor do IVA pago
pelo consumidor equivale à soma do recolhido em todas as etapas (R$ 5,00
recolhidos pelo produtor rural + R$ 1,00 recolhido pela tecelagem + R$ 4,00
recolhidos pela fábrica de roupas + R$ 10,00 recolhidos pela loja).
Quais serão os principais impactos do IVA?
Estudos demonstram que a reforma tributária terá impactos
positivos sob as perspectivas econômica, social e federativa:
⦁ Econômica: mesmo num cenário
conservador, aponta-se que a reforma tributária gerará um crescimento adicional
da economia de 12% ou mais em 15 anos. Hoje, isso representaria R$ 1,2 trilhão
a mais no PIB de 2022. Ou seja, se a Reforma tivesse sido aprovada há 15 anos,
cada brasileiro teria hoje mais R$ 470,00 por mês de renda.
⦁ Setorial: mesmo nesse cenário
conservador, todos os setores serão beneficiados: agro (+11%), serviços (+10%)
e indústria (+17%).
⦁ Social: projeta-se que a reforma
gerará 12 milhões de novos empregos. Ademais, a introdução do cashback –
mecanismo de devolução de parte dos impostos pagos – deve beneficiar sobretudo
as famílias mais pobres, contribuindo para a redução das desigualdades sociais,
de raça e de gênero. Simulação de impacto do cashback, usando como hipótese o
atendimento ao público do CadÚnico, demonstra que 72% dos beneficiários seriam
pessoas negras e 57%, mulheres.
⦁ Federativa: a passagem da origem
para o destino beneficiará os estados e municípios mais pobres da Federação,
que passarão a ter mais recursos para atender a seus cidadãos. Com o modelo de
transição federativa proposto na reforma, mesmo supondo um impacto pequeno da
reforma sobre o crescimento, praticamente todos os entes serão beneficiados ao
final da transição.
O que é o cashback do povo e como ele funcionará? O cashback
é a devolução, para as famílias, de parte do imposto pago, beneficiando
sobretudo as famílias de menor renda. Esse mecanismo já vem sendo utilizado por
países como o Canadá, o Uruguai e Colômbia para tornar a tributação sobre o
consumo mais progressiva – ou seja, para possibilitar que os pobres paguem
menos impostos do que os ricos.
O modelo de cashback a ser adotado ainda será detalhado:
beneficiários, limite para devolução, vinculação ou não a um tipo de consumo
específico e também a forma como se dará a devolução. O mais importante neste
momento é incluir na Constituição a previsão desse mecanismo.
Quais os principais problemas do sistema tributário atual? Os
problemas são muitos. Entre eles, destacam-se a base fragmentada e imperfeita,
com um imposto para mercadorias e outro para serviços num mundo em que é cada
vez mais difícil distinguir uma coisa da outra. A cumulatividade, também
conhecida como “impostos em cascata”, também é outro grave problema, pois gera
o pagamento de impostos sem recuperação via créditos e onera os investimentos e
a produção do Brasil, deixando o produto nacional em desvantagem em relação ao
produto importado, tanto no mercado interno quanto no exterior.
A complexidade é outra característica perversa do sistema
tributário atual. Só o ICMS tem 27 legislações estaduais, cada qual com uma
enorme quantidade de alíquotas e regimes especiais. O ISS tem mais de 5.500,
uma para cada município. O PIS e a Cofins têm hoje mais de 100 hipóteses de
alíquota zero, além de 20 regimes especiais. Esse cipoal de normas torna
altíssimo o custo burocrático de pagamento dos impostos no Brasil e gera
diversas distorções na economia. Uma distorção, por exemplo, é a concessão de benefícios
fiscais que induzem o “passeio” de mercadorias, que saem de um estado vão a
outro e voltam ao estado de onde saíram. Além do aumento do custo logístico,
esse tipo de distorção tem impacto negativo para o meio ambiente.