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 Maria Teresa Mantoan, uma das principais defensoras da educação inclusiva no Brasil, fala sobre os desafios na área

"A questão é fazer as pessoas entenderem o que significa a educação inclusiva", afirma pesquisadora - Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Um ao lado do outro, na mesma sala de aula, aprendendo juntos. A máxima é referendada por Maria Teresa Mantoan, professora da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e um dos principais nomes da educação inclusiva no Brasil. 

Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, Mantoan fala sobre os avanços e desafios dentro das unidades de ensino.

Crítica das escolas especiais, ela ressalta que a inclusão consiste na convivência mútua e conjunta entre crianças e adolescentes.

“Mais do que estarmos juntos, temos que estar uns com os outros para que possamos viver melhor e para que possamos evoluir na nossa compreensão do que é participar da sociedade humana”, afirma Mantoan.

A educadora esclarece que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prevê que todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos têm que, obrigatoriamente, estar matriculadas na escola comum de ensino regular, e que as consideradas “escola especiais” não são legalizadas.

Segundo ela, a prática de uma educação inclusiva avançou significativamente após a Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, mas ainda encontra percalços em sua plena efetivação.
 
Ela cita, por exemplo, o Decreto 10.502/2020, apresentado pelo governo Jair Bolsonaro e suspenso por decisão judicial, que entre outros pontos incentiva a separação de salas nos ambientes escolares para crianças com deficiência e desobriga que as escolas matriculem esses estudantes.

"Simboliza o momento que estamos passando. Um retrocesso total. Um desconhecimento que é proposital de todo e qualquer avanço que tivemos e temos em termos de educação, de organização social".

Recentemente, a docente lançou o livro Educação e inclusão - entendimento, proposições e práticas, organizado por ela e pela também doutora em Educação Rosângela Machado. A edição faz parte da coleção Saberes em Prática, da Editora da Universidade Regional de Blumenau (Edifurb).

Dividido em 10 capítulos, o livro apresenta textos de profissionais de diversas áreas do conhecimento que compartilham reflexões, propostas e práticas para o ensino inclusivo.

“A escola continua sendo uma escola que busca a homogeneidade dos alunos. Aqueles que não correspondem ao modelo não têm lugar nas escolas a não ser em um local à parte. O ensino brasileiro é naturalmente um ensino excludente. O modo de organização do ensino, as avaliações, sejam de larga escala ou em pequena escala, têm essa conotação: excludência”, critica.

Leia e ouça a entrevista na íntegra

Brasil de Fato - Quais são as bases da educação inclusiva e importância desse modelo de ensino?

Maria Teresa Mantoan - A educação inclusiva é, antes de tudo, consequência de uma mudança de concepção de sociedade. Tem haver com a participação incondicional de todos em tudo o que acontece na vida cidadã, de estudante, na família, no trabalho, nos esportes.

A inclusão é um grande avanço civilizatório. Mais do que estarmos juntos, temos que estar uns com os outros para que possamos viver melhor e para que possamos evoluir na nossa compreensão do que é participar da sociedade humana.

Estar junto não é estar com. E estar com é o que a inclusão propõe como uma visão de vida social mais evoluída.

Quais foram os avanços conquistados na área da educação inclusiva no Brasil?

Os avanços são enormes. De 2008 para cá, do ponto de vista escolar, tivemos um grande aumento no número de alunos que estariam excluídos em escolas especiais, frequentando as escolas comuns. O último Censo de Educação nos informa que 90% desses alunos estão matriculados em escolas comuns.

De um estado para outro do Brasil, há grandes diferenças, mas no escopo geral, significa muito. É uma adesão que implica na compreensão das famílias, que deixam de matricular os filhos em escolas que os diferenciam, que os excluem e matriculam onde o ensino obrigatório pode ser cumprido, que é nas escolas comuns.

:: BdF Explica: Quais as consequências do decreto de Bolsonaro sobre educação especial? :: 

O avanço foi muito grande, mas sempre entrecortado por uma ou outra dificuldade que temos encontrado na política do Ministério da Educação (MEC) que a partir do governo Temer, insiste em querer voltar para um modelo de educação que não é inclusivo.

E agora com o decreto do presidente Bolsonaro, mais ainda. Querem fazer das escolas especiais a grande salvação da educação dos alunos do ensino especial.

A inclusão perpassa uma questão estrutural das escolas mas também a pedagogia? Como a inclusão se dá dentro dos muros das unidades de ensino?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que no Brasil a escolaridade é obrigatória de 4 a 17 anos. O pai é obrigado a matricular seu filho na escola comum.

Escola especial não é escola regular. Isso eles estão entendendo. Mas muitas redes de ensino não querem entender isso, como também, muitas instituições especializadas que se fazem de desentendidas, aceitando alunos na idade de escolaridade obrigatória em escolas especiais que eles sustentam.

Não está sendo respeitado o que é previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que prevê que todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos têm que, obrigatoriamente, estar matriculadas na escola comum de ensino regular. A escola especial não é uma escola legalizada, não substitui a escola comum.

No entanto, temos estados como o Paraná que tem um número considerável de escolas públicas e particulares.

Em relação à estrutura física, temos uma legislação que apoia as escolas e secretarias no sentido de fazer todas as adequações necessárias.

Mas isso tem a ver com cada escola em particular e a cada grupo de alunos que ela tem naquele momento. Isso vai sendo feito conforme os alunos vão necessitando, conforme são descobertas barreiras do meio físico para que a escola se transforme em um ambiente acessível a todos.

Do ponto de vista da organização do ensino, temos muitos problemas. O ensino brasileiro é naturalmente um ensino excludente. O modo de organização do ensino, as avaliações, sejam de larga escala ou em pequena escala, têm essa conotação: excludência. A escola é para alguns, não para todos.

Mas obrigatoriamente as escolas têm que receber todos e tem recebido, mas precisa, ainda, de muitas adequações e transformações.

Isso não se consegue de um dia para outro e muito menos em uma ambiente em que tudo que a Inclusão propõe é barrado por decretos, pelo desentendimento das autoridades educacionais dos municípios e dos estados.

É uma luta constante. Não é simplesmente a questão de ter a política e a coisa funcionar. É uma questão de fazer as pessoas entenderem o que significa a educação inclusiva.

No contexto da pandemia, quais foram e quais são as consequências sentidas pelos alunos?

Esses alunos são tão alunos quantos os demais e todos sofreram e continuam sofrendo bastante com essa pandemia. A escola, de fato, não é uma escola que atende ao que é fundamental, acompanhar os avanços da sociedade.

A escola continua sendo uma escola que busca a homogeneidade dos alunos. Aqueles que não correspondem ao modelo não têm lugar nas escolas a não ser em um local à parte. A escola insiste em ter um modelo transmissivo, insiste que o bom aluno é aquele que reproduz o conteúdo e não que o recria.

É difícil mas estamos avançando. O fundamental é que todos estivessem na escola e grande parte já está, a maioria. Agora é uma questão de conquista de ideais educacionais que têm a ver com nosso tempo.

Retomando a questão do Decreto 10.502/2020, suspenso por decisão judicial, mas que entre outros pontos incentiva a separação de salas nos ambientes escolares para crianças com deficiência e desobriga que as escolas matriculem esses estudantes. O que esse decreto, essa política, significa?

Simboliza o momento que estamos passando. Um retrocesso total. Um desconhecimento que é proposital de todo e qualquer avanço que tivemos e temos em termos de educação, de organização social. Estamos vivendo neste momento, no Brasil, um retrocesso proposital em vários aspectos da vida social.

Esse decreto, em termos de educação é, para mim, o retrato mais claro que se pode ter de uma busca para voltar atrás. Sem motivo claramente explicitado. É voltar por voltar.

Neste contexto, a perspectiva para a educação inclusiva é de retrocesso?

De forma alguma. A supressão do decreto já é uma resposta de que ninguém vai voltar para trás. Quando temos um avanço do ponto de vista dos direitos fundamentais, como a inclusão, a Constituição não admite retrocessos.

O livro que está sendo lançado é uma obra dividida em dez capítulos com textos de profissionais de diversas áreas do conhecimento. O que podemos encontrar nessa leitura? Como o livro foi elaborado?

Esse livro eu organizei com uma ex-aluna de doutorado, Professora Drª Rosângela Machado, da rede municipal de ensino de Florianópolis.

Reunimos pessoas que têm um entendimento da inclusão escolar avançado e compatível com o que a inclusão propõe, que é estar um com os outros na mesma sala de aula, aprendendo juntos. E não estar sentado junto, como a maior parte dos alunos, sejam com deficiência ou não, mas cada um se virando e competindo com o outro na sala de aula. 

Edição: Leandro Melito




Brasil de Fato | São Paulo (SP) |




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