Uma troca de mensagens entre o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, exonerado no último dia 29, Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, e Marcelo Blanco, coronel da reserva e ex-assessor de Dias na pasta, mostram uma negociação informal e paralela antes mesmo da empresa apresentar uma proposta oficial ao governo Jair Bolsonaro para o fornecimento de vacinas contra a Covid-19.
As conversas foram obtidas pela Folha e, em uma delas, Blanco cita Luiz Pualo Dominguetti, intermediário da Davati nas negociações, que disse ao jornal ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina por parte de Dias, em 25 de fevereiro deste ano.
A proposta formal da Davati para o fornecimento de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, que nega ter dado autorização para a oferta, aconteceu em 26 de fevereiro, quando o CEO da empresa nos EUA, Herman Cardenas, enviou um email para Dias.
No entanto, já em 3 de fevereiro, Dias entrou em contato com Cristiano Carvalho por WhatsApp, apresentando-se como diretor de Logística do ministério, e fez ligações para o representante da Davati no Brasil, que não foram atendidas.
No dia seguinte, Carvalho encaminhou para o WhatsApp de Dias documentos sobre autorização para a venda de vacinas. E, logo após, outra mensagem falando sobre valores.
“Bom dia, Roberto. Desculpe, estava negociando para o MS Brasil. O preço ficou US$ 12,51 por dose FOB (Europa). Preciso da LOI e Gov Authorization”, justamente os dois documentos que havia mandado para o ex-diretor de Logística do ministério. Na sequência, ele encaminhou outro documento com o título “AstraZeneca_3E_Procedures_Price.pdf”.
Ainda de acordo com a Folha, Dias e Carvalho voltaram a trocar mensagens novamente em 9 de fevereiro. O então diretor do Ministério da Saúde ligou três vezes para Carvalho e não foi atendido. E escreveu: “Quando puder retorne. Obrigado”.
Também no mesmo dia, Carvalho enviou uma mensagem de áudio de 20 segundos a Dias que, mais tarde, telefona outras duas vezes para o representante da Davati no Brasil e não é atendido.
Dias disse à Folha que “os contatos com o senhor Cristiano já haviam sido confirmados e nunca omitidos. Inclusive, conforme os prints [das conversas] demonstram, me identifico formalmente com nome e cargo”.
O ex-diretor de Logística da Saúde diz que as ligações a Carvalho tinham o intuito de esclarecer sobre a existência do quantitativo de 400 milhões de doses que ele havia tomado conhecimento.
O jornal também teve acesso a mensagens entre o assessor de Roberto Ferreira Dias, o coronel da reserva Marcelo Branco que, segundo Dominguetti, estava presente no jantar de 25 de janeiro onde o valor de US$ 1 de propina lhe foi pedido por Dias.
Na primeira mensagem entre o coronel e Cristiano Carvalho, em 1º de março, Blanco se apresenta, diz que o contato do representante da Davati lhe foi passado por Dominguetti e que está aguardando um ok de Carvalho para realizarem uma ligação em conjunto com Dias.
O representante da Davati lhe envia um print com o email encaminhado pelo CEO da empresa a Dias, em 26 de fevereiro, com a proposta de vacinas e uma série de documentos da empresa.
No dia 3 de março, Carvalho envia mais documentos a Blanco, e diz que está em São Paulo, “caso o Dias queira conversar pessoalmente”. No dia seguinte, ele envia uma nota mensagem ao coronel: “Bom dia Blanco, fico no seu aguardo. Nesta FCO a pronta entrega, possuímos US$ 0,20 de comissionamento. Abraços”.
Blanco responde que estaria com Dias pela manhã. Mais tarde, o representante da Davati cobra um andamento por parte de Dias, e comenta: “que desânimo, Blanco!”. O militar responde: “Entendo, não é confortável essa demora, mas preciso aguardar um retorno. Tb gostaria muito que ocorresse uma solução mais rápida e positiva”.
Em nota, a Davati disse que “em relação à proposta de intermediação na venda de vacinas, consigna-se que não houve concretização de venda no país por não se ter recebido manifestação de interesse de compra por parte do Ministério da Saúde. A empresa estará à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos juridicamente necessários, certa de que não houve, de sua parte, qualquer procedimento indevido.”
Ainda de acordo com a Folha, o ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, disse que abriu uma investigação para apurar o caso e entender melhor o que aconteceu no encontro no shopping em que houve o jantar onde Dominguetti afirma ter recebido de Dias um pedido de US$ 1 por dose de vacina como propina para assinatura do contrato entre a Davati e o Ministério da Saúde.
Dias também foi o responsável por aprovar e autorizar a reserva de R$ 1,6 bilhão para o pagamento da vacina indiana Covaxin, que é investigado pela CPI da Covid no Senado.