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Meu considerado amigo de infância, Joacir Avelino envia congratulações pela minha nova morada em Bananeiras, terra onde residiu por muitos anos o professor Dr. Almeida, esposo da também professora Gilka. Essas pessoas fizeram parte de nossas vidas, marcaram época, como se diz, no velho Ginásio Estadual de Itabaiana, agora Colégio Estadual Dr. Antonio Batista Santiago. Joacir lembra as ridículas ou sublimes narrativas de nossas vidas de estudantes nos anos setenta, que esse pessoal sessentão encontra-se naquele estágio de avaliação do nosso presente a partir da pesquisa do memorial do passado. 

 Joacir aproveita para retomar suas memórias do tempo em que viveu em Itabaiana, “de menino a rapazinho, de rapazinho a rapaz”. Registro suas reminiscências no afã de (re)construir a história da terra de Abelardo Jurema. Ele traz à relembrança as aulas de música com a professora Gilka no Colégio Estadual. Considera que a música nas escolas diminui a violência, muito mais do que outras manifestações culturais ou esportivas.

 Lembro das aulas de música “como quem ouve uma sinfonia” gostosa do passado, no compasso da mansidão, beleza e charme de nossa mestra dona Gilka. Acho que me apaixonei por ela, porque se desenha bem distante uma sensação de interação psicológica quando participava de suas aulas. Havia um velho piano desafinado onde nossa mestra tentava passar as notas musicais primárias. Essa sutil influência deve ter marcado muitos de minha geração, além de Joacir Avelino. Sei que ficava fascinado com as aulas de música. A linha do tempo se confundindo com as linhas da pauta onde garatujávamos os acordes. 

 Se a maior parte do que ouço hoje é ruído, se me perturba a canalhice e pobreza da atual música popular brasileira, essa sensibilidade devo muito às aulas de música que tive no Colégio Estadual de Itabaiana. Mas procuro entender as mudanças do meu tempo, sem deixar de fazer um paralelo com o pretérito. 

 Os sons da minha adolescência têm gosto de pecado original.  Eu tinha apenas 14 anos, era virgem e inocente, sentia um arrepio quando ela segurava em minha mão para espalhar meus dedos trêmulos no teclado do velho Essenfelder consumido pelo tempo. Acho que nunca cheguei a cobiçá-la ou desejá-la conscientemente. Meu mundo musical escolar foi um território sem culpa. Os valores morais da sociedade visível tinham um certo filtro de censura que moralizava o desejo. Se sonhei algumas vezes, é culpa do superego, e só Freud explica.

 

Jamais vou terminar os compassos daquelas aulas. Depois passei a ler Jorge Amado, e vim a conhecer o cravo, a canela e outros encantos. Mas o “cravo bem temperado” daquelas lições de dona Gilka era uma química absolutamente maior do que todas as experiências que provocaram minha comoção de adolescente tímido.  

Meus reflexos na apreensão dos parâmetros sonoros permanecem os mesmos. Até melhorei a habilidade na atenção aos detalhes melódicos, rítmicos ou mesmo extra-musicais. O que decaiu foi a destreza na execução do velho violão que deixei de arranhar depois de ter os dedos entortados pela artrose, as cartilagens desgastadas pela idade. Ficou no cérebro as notas musicais libertadas pela professora Gilka no obsoleto piano, mais do que o raciocínio lógico da matemática que nunca consegui apreender. Fui um estudante regular, e hoje penso que o pouco aprendizado acumulado na minha mente se deve muito às aulas de música de dona Gilka. Diz-se que a música estimula a capacidade lógica e chega a ser muito mais produtiva, por exemplo, do que o estudo da matemática.

Eu e Joacir Avelino não somos músicos. Sou apenas um tocador de violão de mesa de bar, e Avelino sabe distinguir um forró de plástico de uma música de qualidade. Temos certa cognição musical e a certeza de que foi com dona Gilka que iniciamos nosso desenvolvimento dessa faculdade junto com respeito e veneração por uma mestra inesquecível. A música auxilia o desenvolvimento da percepção integral do ser humano.

FÁBIO MOZART

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