Três desembargadores também foram atingidos e são acusados de prevaricar e violar decisões do STF
Quase um ano após abrir uma reclamação disciplinar sobre a
Lava-Jato, em Curitiba, o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão,
decidiu afastar do Poder Judiciário a juíza Gabriela Hardt, ex-titular da 13ª
Vara Federal da capital paranaense, dois desembargadores do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4) e um juiz federal do Paraná. Eles são acusados de
burlar a ordem processual, violar o código da magistratura, prevaricar e violar
decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além de Gabriela, Salomão decidiu afastar das funções os
desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores, Loraci Flores de Lima e o atual
juiz da Lava-Jato, Danilo Pereira Júnior. De acordo com investigação feita pela
corregedoria do CNJ, a juíza teria cometido irregularidades ao homologar um
contrato que permitia a criação de uma entidade privada, do terceiro setor,
para gerir recursos recuperados pela operação. A entidade teria procuradores do
Ministério Público Federal (MPF) entre seus gestores.
O acordo previa o envio de R$ 2 bilhões a um fundo que seria
gerido pelos procuradores envolvidos na operação. Os recursos tinham origem em
acordos firmados com os investigados pela operação entre 2015 e 2019. No
entanto, o repasse foi suspenso pelo STF ainda em 2019. Na ocasião, o ministro
Gilmar Mendes lançou diversas críticas contra a intenção, chegando a chamar o
grupo do MPF no Paraná de "Orcrim (organização criminosa) da
Lava-Jato". E afirmou que o projeto se tratava de uma ação de
"Criança Esperança", referência a uma ação da TV Globo.
Para Salomão, os fatos descobertos durante o trabalho da
corregedoria são graves e exigem intervenção imediata.
"Os atos atribuídos à magistrada Gabriela se amoldam
também a infrações administrativas graves, constituindo fortes indícios de
faltas disciplinares e violações a deveres funcionais da magistrada, o que
justifica a intervenção desta Corregedoria Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional de Justiça", afirmou Salomão na decisão.
O parecer do corregedor aponta que Hardt admitiu ter
discutido previamente decisões com integrantes da Lava-Jato antes que os
despachos fossem proferidos, gerando violação "ao dever funcional de
prudência, de separação dos Poderes, e ao código de ética da magistratura".
As discussões teriam ocorrido fora do autos, em aplicativos como o WhatsApp.
"A decisão da magistrada (homologação do acordo) foi
baseada exclusivamente nas informações incompletas (e até mesmo informais,
fornecidas fora dos autos e sem qualquer registro processual) dos procuradores
da força-tarefa da Operação Lava-Jato, sem qualquer tipo de contraditório ou
intimação da União Federal", completou o corregedor.
Descumprimento de
ordens do STF
Sobre os desembargadores, a acusação é de que descumpriram
determinações do Supremo. Uma dessas ordens não respeitadas pelos magistrados
seria a que suspendeu os processos contra o ex-juiz da Lava Jato Eduardo Appio.
Ele foi alvo de uma ação após ser acusado de ligar para o filho de um
desembargador, em uma ligação não oficial, e que teria como intuito gerar
pressão sobre a corte de segunda instância.
Na época, os desembargadores faziam parte da 8ª turma do TRF.
O colegiado deliberou sobre o caso e afastou Appio do cargo mesmo após a
decisão da Suprema Corte já ter sido tomada, o que, para Salomão, gerou desequilíbrio
no sistema de Justiça.
"O comportamento deliberado de descumprimento de ordem
emanada da Suprema Corte contribui para um estado de coisas que atua contra a
institucionalidade do país, tornando, por isso, gravíssimas as condutas em
análise, frontalmente incompatíveis com a dignidade das funções de
magistrado", afirmou o corregedor. A decisão do corregedor deve ser levada
ao colegiado do conselho para avaliação.
O ex-deputado federal Deltan Dallagnol, que foi o chefe da
força-tarefa da Lava-Jato, criticou a decisão de Salomão e afirmou que o CNJ
tenta dar aparente seriedade para fatos simples. "A decisão do corregedor
nacional de justiça de afastar cautelarmente a juíza Gabriela Hardt, que
condenou Lula a mais de 12 anos de prisão pelo caso do sítio de Atibaia, é
absolutamente constrangedora. Apesar da tentativa de dar ares de gravidade e
seriedade à decisão, a simples leitura do documento mostra se tratar de uma
decisão frágil", disse Deltan.