Medida, que abre espaço para novo Auxílio Brasil, deve criar fila a perder de vista para quitar dívidas da União, inclusive com aposentados do INSS
PEC dos Precatórios vai à votação em segundo turno nesta terça-feira Foto: Michel Jesus / Agência O GloboA Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que foi aprovada em segundo turno nesta terça-feira na Câmara, é apontada como grande solução orçamentária para viabilizar o novo Auxílio Brasil de R$ 400. O texto ainda precisará passar pelo Senado.
No entanto, especialistas alertam que a proposta é negativa para a economia e pode gerar mais inflação e desemprego.
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E, com a decisão de postergar o pagamento de precatórios, dívidas da União reconhecidas pela Justiça, há o risco de se criar uma fila a perder de vista para quem tem recursos a receber, inclusive aposentados e pensionistas do INSS.
A aprovação pela Câmara da PEC dos Precatórios, que muda o teto de gastos para garantir um auxílio maior em ano eleitoral, ocorre em meio a uma melhora na arrecadação de impostos e nos resultados fiscais do governo que superaram as previsões do mercado.
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Mansueto: recuperação vira cenário de risco
Em relatório recente enviado a clientes, o economista-chefe do BTG Pactual Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, destacou que o governo tem “conseguido transformar um cenário de recuperação fiscal surpreendente em um cenário de maior risco”.
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Analistas têm apontado que a melhora recente nas contas públicas ocorreu por fatores atípicos, como uma base muito deprimida em 2020 e a alta da inflação.
E lembram que, como pontuou Mansueto em seu relatório, o mercado vê na mudança no teto de gastos o risco de um aumento nas despesas obrigatórias de forma permanente. Esse risco eliminaria toda a melhora recente nas contas públicas.
Mansueto alerta que “a crescente incerteza das ações do governo” aumentou a percepção de risco no mercado. E, se de fato houver um aumento permanente nas despesas públicas com as mudanças no teto de gastos, isso levará a altas de juros, comprometendo o resultado fiscal do governo.
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Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente (IFI), também antes da votação do segundo turno da PEC, avaliou que a proposta alterar regras no meio do jogo, o que amplia desconfiança dos agentes econômicos. O resultado, apontou, são juros futuros mais altos.
Fila vai aumentar
No caso dos precatórios, um acordo feito na semana passada para viabilizar a votação da PEC em primeiro turno na Câmara devem aumentar ainda mais esta “fila” dos que terão que esperar mais para receber.
Os precatórios são dívidas judicias para as quais o governo não pode mais recorrer. A PEC cria um teto para o pagamento dessas dívidas, basedo nos precatórios pagos em 2016.
Em 2022, esse teto será de R$ 44,5 bilhões. Mas o total de dívidas judiciais que deveriam ser quitadas no ano que vem é de R$ 89 bilhões.
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Assim, metade dos títulos ficará para ser pago no ano seguinte — quando novos precatórios também entrarão na conta e haverá novamente um teto, atualizado pelo IPCA.
Ordem de prioridades
A proposta estabelece uma fila de prioridades para pagamento. Na semana passada, um acordo costurado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou ainda uma nova preferência para o pagamento de dívidas da União com estados relativas ao Fundef (fundo da educação básica). Os precatórios do Fundef tentam a crescer nos próximos anos.
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Também estão entre prioritários os precatórios alimentares (como os relativos a salários de servidores e dívidas do INSS), de idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças graves, além de requisições de pequeno valor (até R$ 71,5 mil).
Na equipe econômica, a conta é que apenas esses precatórios cheguem a R$ 21 bilhões.
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Além disso, outros R$ 7 bilhões já estão carimbados para pagar o Fundef, já que o acordo negociado por Lira prevê que 40% da dívida com o fundo educacional seja paga em 2022.
No fim das contas, haverá pouco espaço para grande parte dos precatórios. E até os “prioritários” podem ficar sem receber.
Integrantes do governo reconhecem que mesmo precatórios alimentares, referentes a pensões, aposentadorias, salários ou indenizações por morte, não serão integralmente quitados, mesmo tendo prioridade em relação aos demais títulos.
Outros precatórios, como de empresas que venceram ações contra o governo, também serão adiados.
— Isso vai gerar um efeito bola de neve, porque o que não for pago em um ano, vai passar para o ano seguinte. O acúmulo vai ser absurdo e vai chegar num momento em que vai ser impagável. A lógica no mercado é de calote, e calote na coisa mais segura que existe, que é uma decisão transitado em julgado — disse Fernando Facury Scaff, sócio do Silveira Athias Advogados e professor de Direito da USP.
Controle sobre emissão
O presidente da comissão de precatórios da OAB, Eduardo Gouvêa, corrobora esta avaliação.
— Os precatórios comuns não vão ser pagos nunca — afirma Gouvêa, que também aponta problemas na execução da PEC, caso ela seja aprovada:
— Como vai ser possível controlar a emissão de precatórios, sem saber quanto vai ser e o que vai ser pago de fato no ano? Não vai ter dinheiro para pagar nem a totalidade dos precatórios alimentícios.
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A PEC ainda permite que um credor receba a vista, desde que aceite um desconto de 40% na sua dívida. Para especialista, muitos credores podem acabar aceitando receber um valor menor para evitar entrar nesta fila sem fim dos precatórios.
Além disso, o mercado de empresas que compram dos credores essas dívidas por um valor bem menor tende a crescer. Essas empresas podem usar o precatório para abater uma dívida junto ao governo.
— Hoje, as empresas buscam insistentemente os donos desses papéis para comprar os precatórios, muitas vezes induzindo os credores a acharem que nunca receberão, o que é uma inverdade. Com a aprovação da PEC, teremos, talvez, um movimento inverso: as pessoas procurando essas empresas para vender com medo de nunca receberem — avalia Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
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Segundo a advogada Cristiane Saredo, os mais afetados serão os precatórios relacionados às verbas alimentares, normalmente devido a servidores e a aposentados e pensionistas do INSS.
— Depois de anos para ter seu dinheiro reconhecido na Justiça, o cidadão ainda terá que esperar pela concretização do seu direito.