PUBLICIDADE

ECONOMIA

CUITEGI

FOTOS

EMPREGOS

 País chega à Cúpula do Clima, capitaneada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, com recordes históricos de devastação na Amazônia, denúncias contra o ministro Ricardo Salles e promessas de política ambiental séria. Mas a desconfiança é generalizada.

Foto (crédito: Evaristo Sá/AFP)

Pressionado pela comunidade internacional a melhorar a política ambiental, sobretudo para diminuir os índices de desflorestamento na Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro se reunirá, nesta semana, com as principais lideranças do mundo na Cúpula do Meio Ambiente promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Apesar de o mandatário brasileiro ter garantido ao chefe norte-americano, em carta enviada à Casa Branca na semana passada, os compromissos de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e reduzir gradativamente as emissões de gases de efeito estufa, a tendência é de que ele encare um ambiente hostil no evento, com muita desconfiança às promessas. Especialistas apontam que o Brasil chega ao encontro de forma vergonhosa.

Há razões para tanta descrença. Nos primeiros anos do governo Bolsonaro, o país registrou dois dos maiores índices de focos de incêndios florestais na última década — 197,6 mil em 2019 e 222,8 mil (o mais alto do período) em 2020, segundo números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — e um aumento no desmatamento da Amazônia. Além disso, o Brasil chega ao encontro mundial em meio a denúncias contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que ele estaria atendendo interesses de desmatadores ilegais na Floresta Amazônica.

Além do episódio recente com a derrubada em massa de árvores, outras acusações pesam sobre Salles. Ele é apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como o responsável pelo desmonte de instituições como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Salles também é conhecido por ser favorável à política de “passar a boiada” ao arrepio da legislação ambiental, como salientou na reunião ministerial de abril de 2020. O titular do meio ambiente sempre figurou entre os auxiliares mais criticados do governo, ao lado de Ernesto Araújo, ex-Itamaraty, e Eduardo Pazuello, ex-Saúde. A Cúpula do Meio Ambiente será, portanto, uma prova de fogo para Salles. Ele está na mira do Centrão e precisa trazer ao país algum resultado, por isso, tem se movimentado amplamente, com diversas reuniões com autoridades.

A situação delicada do Brasil na agenda ambiental vai muito além da permanência ou não de Ricardo Salles. O presidente Joe Biden, organizador do evento internacional, tem em mãos uma carta escrita por senadores norte-americanos condenando as políticas ambientais promovidas por Bolsonaro justamente porque elas “dão sinal verde para os criminosos que operam na Amazônia, permitindo-lhes expandir dramaticamente suas atividades”. “Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos devem fazer mais para desenvolver políticas fortes de gestão ambiental e florestal. Isso só poderá ser feito, no entanto, se o governo Bolsonaro começar a levar a sério os compromissos climáticos — e somente se proteger, apoiar e se envolver de maneira significativa com os muitos brasileiros que podem ajudar o país a cumprir esses compromissos”, diz o texto escrito pelos senadores.

Mais negociação

Entre defensores da causa ambiental, a expectativa é de que não haja um acordo entre os Estados Unidos e o Brasil, porque é necessário maior negociação. O que está claro é que o governo está desesperado por recursos de países estrangeiros. Salles tem condicionado o recebimento de verba ao controle do desmatamento no país. A Casa Branca já sinalizou, no entanto, que o Brasil precisa ir além do discurso. Na última sexta-feira, o enviado especial para o clima de Biden, John Kerry, afirmou que é importante o compromisso com o fim do desmatamento ilegal feito por Bolsonaro na carta enviada, mas que espera ansiosamente por “ações imediatas e o engajamento com as populações indígenas e a sociedade civil para que este anúncio possa gerar resultados tangíveis”.

Especialistas ouvidos pelo Correio analisam as possibilidades e os entraves para um acordo entre Brasil e Estados Unidos nesse contexto de desconfiança. Titular sênior do Instituto de Energia e Ambiente (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Roberto Jacobi considera improvável o governo Biden “dar algum crédito de confiança a uma gestão ambiental desastrosa”. Coordenadora de Clima do Greenpeace, Fabiana Alves, também faz ressalvas. “(Está em curso) uma negociação com um país que esteja entregando uma proteção da sua maior floresta tropical, e o Brasil não está entregando isso, assim como está violando de forma sistemática direitos humanos. É bastante sério os EUA negociarem com um governo assim”, ressalta.
Desmatamento

Fabiana Alves ressalta que o Brasil chega à cúpula bastante enfraquecido, sem planos e com políticas públicas esvaziadas, para negociar com um país que já não é comandado por Donald Trump, mas sim por Biden, que se preocupa com a crise do clima. A integrante do Greenpeace pontua que o governo nunca teve como prioridade as mudanças climáticas e o presidente brasileiro sempre foi “cético em relação à ciência e não deu o devido valor para a contenção do desmatamento da Amazônia”.

Na avaliação de Jacobi, o país chega à cúpula “de uma forma vergonhosa”. “O que nós observamos é que o processo de desmonte e de falseamento das informações colocam o Brasil numa posição extremamente frágil. Essa mensagem que o presidente mandou ao Biden é vergonhosa, é quase que uma mensagem pedindo esmola. O país está na contramão do que propõe essa reunião do clima”, diz.

Apesar do compromisso do governo brasileiro em preservar o meio ambiente, são evidentes as marcas da tragédia no país. Em 2020, a Floresta Amazônica brasileira registrou um desmatamento de 1,5 milhão de hectares, 13% mais do que no ano anterior, segundo dados do Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina. Apenas em 2019, 10,5 mil hectares de florestas foram desmatadas na Amazônia por garimpos — aumento de 28% em relação aos 8,5 mil hectares de 2018. Os dados são do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No mesmo período, o país também aumentou 9,6% a emissão de gases de efeito estufa: foi de 1,98 bilhão de toneladas brutas de carbono equivalente (CO2) em 2018 para 2,17 bilhões de toneladas em 2019.

A intensidade das agressões ambientais também pode ser percebida pelo trabalho das forças de fiscalização. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu quase o dobro de madeira ilegal no intervalo de dois anos. A quantidade recolhida saltou de 18,945 mil metros cúbicos em 2019 para 36,997 mil metros cúbicos em 2020. Os valores confiscados pela Polícia Federal (PF), originados de grupos ou pessoas flagradas em crime ambiental, acompanharam o crescimento. No ano passado, a instituição confiscou R$ 427,7 milhões, um aumento de 81% em relação a 2018.

Na semana passada, a atuação da Polícia Federal provocou um desgaste com a pasta comandada por Ricardo Salles. Um dia após encaminhar uma queixa-crime contra o ministro por organização criminosa e favorecimento a madeireiros, o superintendente da PF no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, foi afastado do cargo.

(Colaborou Maíra Nunes)

"É preciso mostrar resultados em 2021"

(crédito:                                     )
Congressistas brasileiros acreditam que o governo Bolsonaro precisa dar provas mais consistentes aos líderes internacionais de que a política ambiental do país será corrigida. O deputado Nilto Tatto (PT-SP), integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, reclama que o governo, na comunidade internacional, tem adotado uma postura negacionista em relação à crise climática e não debate saídas para amenizar o problema. Ele lembra, ainda, que o Executivo não cumpriu nenhum dos compromissos que assumiu em encontros anteriores.

“O Brasil deveria adotar a política que historicamente adotou com relação ao meio ambiente, de participar de debates sobre mudanças climáticas para ter metas mais ambiciosas, sobretudo para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Além disso, precisa ir lá e mostrar claramente que quer reestruturar as suas instituições e programas, adotar políticas de reconhecimento dos povos tradicionais, que são parceiros da conservação, e mostrar a vocação de retomar projetos de desenvolvimento sustentável”, opina.

“A cúpula é um momento decisivo para Bolsonaro. Não adianta fazer promessas para 2030, é preciso mostrar resultados em 2021. Haverá pressão de outros países porque o que está em jogo não é a soberania do Brasil, como diz o presidente, mas sim, o futuro do planeta. Portanto, o governo precisa apresentar alguma coisa muito concreta para melhorar a sua posição”, acrescenta o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), que também compõe a Comissão de Meio Ambiente.

Foto Ilustrativa




3
0 Comentários

Postar um comentário