Segundo o projeto Mapbiomas, mais de um terço dos aeródromos clandestinos dentro de áreas protegidas ficam a menos de 5 km de um garimpo (Por Rafael Garcia
Pista de pouso clandestina em terra ianomâmi usada pelo garimpo ilegal na Amazônia
O projeto MapBiomas, que mapeia a cobertura terrestre do Brasil, identificou 2.869 pistas de pouso na Amazônia, mais do que o dobro daquelas que constam nos registros da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), sendo que 804 delas (28%) estão dentro de alguma área protegida. A área Yanomami é a que mais abriga essas instalações irregulares: são 75 pistas dentro da terra indígena ou junto a seus limites.
Em um relatório divulgado hoje pelos cientistas do projeto, mais de um terço das linhas de pouso que ficam dentro de terras indígenas ou unidades de conservação aparecem perto (a menos de 5 km) de áreas de garimpo, um indício forte de que a maior parte das pistas clandestinas foram criadas para dar apoio logístico a essa atividade.
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Das pistas que ficam áreas protegidas, 520 estão em terras indígenas e 498 estão em unidades de conservação, como parques ou reservas. As regiões onde o garimpo mais alimentou a construção de linhas de pouso irregulares foram o sudoeste do Pará, o norte de Mato Grosso e o nordeste de Roraima, onde ficam os Yanomami. A região é alvo de uma operação especial do governo federal neste ano, que busca agora fazer a desintrusão da terra indígena começando por um fechamento do espaço aéreo.
Para o geólogo César Diniz, que liderou o trabalho de mapeamento, é "inequívoca" a ligação entre as atividades ilegais de mineração e a proliferação de pistas de pouso sem registro na Amazônia, a região que abriga 90% da atividade de garimpo do país.
O garimpo na Amazônia, especialmente dentro de terras indígenas e unidades de conservação, ocorre em áreas densamente povoada por árvores, onde não há rodovias, ferrovias e o acesso fluvial não é tão fácil — explica. — Nessas condições, sem rota de entrada e saída, a via aérea é quase sempre é mais rápida, a mais eficiente e até a mais barata. É por isso que aviões de pequeno porte e helicópteros são a base do escoamento garimpeiro.
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Diniz afirma que não tem como afirmar ainda, que todas as pistas encontradas pelos satélites sem registro da ANAC são irregulares. Caberia à própria agência fazer esse cruzamento de dados. A disparidade no número de registros e aquilo que o satélite mostra não deixam dúvida que a extensão da clandestinidade é grande.
Com relação às terras indígenas e unidades de conservação com categoria de proteção integral, contudo, é possível afirmar que as pistas sem registro encontradas ali são de fato ilegais, e dão suporte a operações bem financiadas.
A quantidade de pistas e, consequentemente, de aeronaves em uso pelo garimpo, bem como o maquinário pesado empregado na atividade, indicam que o garimpo amazônico não é mais artesanal — diz Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.
Para o cientista, paralisar o uso dessas pistas de pouso é uma medida estratégica necessária para combater o garimpo ilegal na floresta.
É preciso ir além, sofisticando a capacidade de rastrear a cadeia produtiva do ouro, geolocalizando o maquinário pesado, que é sempre utilizado pela atividade garimpeira, monitorando em tempo real os sinais de expansão garimpeira em TIs e UCs restritas explica Azevedo.
Depois da área Yanomami, as terras indígenas Raposa Serra do Sol, Kayapó, Munduruku e o Parque do Xingu, são aquelas que mais abrigam pistas de pouso. O MapBiomas também mapeia áreas de garimpo e afirma que essas são as áreas indígenas que mais abrigam atividade ilegal de garimpo também.
O relatório sobre pistas divulgado pelo MapBiomas é o primeiro mapeamento público localizando essas informações. Instituições de governo, como a Aeronáutica e a própria ANAC, não haviam publicado ainda um conjunto de dados semelhante.
Segundo Diniz, o trabalho de mapeamento das pistas começou a ser feito no final de 2021, com uma equipe de cinco pessoas da empresa de geoinformação Solved, que é parceira do MapBiomas.
O método por trás da contagem da detecção é absolutamente tradicional e não usa mecanismos sofisticados ou algoritmos complexos diz.
Segundo ele, o Estado brasileiro tem capacidade de sobra para fazer o trabalho de identificação das pistas, mas precisa se organizar para fazê-lo.
O Brasil tem, pulverizadas por vários institutos, alguns deles entes oficiais do governo, as informações sobre pista de pouso, só que essas informações estão ainda muito mal organizadas e muito mal distribuídas — afirma.