Por: Carlos José Marques
A perversidade do capitão do Planalto não encontra limites,
nem parâmetros morais, de nenhuma natureza. O veto do presidente Bolsonaro ao
projeto que garante absorventes grátis a mulheres de baixa renda, tentando
eliminar uma das grandes chagas sociais que é a pobreza menstrual, não tem
qualquer relação com a responsabilidade fiscal, como ele quis fazer crer. Muito
menos se trata de mero equívoco por falta de conhecimento apurado sobre o
assunto. É fruto, isso sim, de seu patológico déficit de compaixão e comiseração
pelo sofrimento alheio. Misógino típico, Bolsonaro despreza ideias – venham
elas de onde for – que favoreçam as mulheres em especial e aos mais humildes,
no varejo ou no atacado. Alguém classificou como misantropia a tal ojeriza do
mandatário, tantas vezes demonstrada, por causas sociais. Vai além, bem além.
Alcança o padrão típico dos genocidas. A ciência demonstrou: É da natureza
deles o comportamento sistemático de ataque e sabotagem ao interesse coletivo.
Atitudes como essa resvalam no mórbido impulso que alimentam de exterminar
parte da humanidade. Como diz o Messias dos trópicos: “morreu, e daí? Faz
parte”. Dias atrás, reiterando o mesmo sentimento ao ser indagado sobre o País
ter atingido a terrível marca de 600 mil óbitos pela Covid, o presidente reagiu
de bate-pronto, repisando o baixo grau de preocupação com o drama nacional:
“não vim aqui me aborrecer”. Atender às carências da população? Esquece, não é
com ele. Causa horror e choca qualquer um, decerto, a ausência de sentimento
humanitário. Mas é assim mesmo. Feijão, vacina, absorvente, coloque o problema
que for e despertará no “mito” a mesma repulsa e lacrações típicas,
invariavelmente lançadas como gracejos: “nada está tão ruim que não possa
piorar”, disse outro dia. No lugar de feijão, fuzil, sugeriu também. No plano
da pobreza menstrual, Bolsonaro capricha na maldade. Mais de quatro milhões de
jovens, entre pré-adolescentes e adolescentes, enfrentam diariamente a vergonha
da ausência desse item mínimo para a higiene pessoal, chegando inclusive a
faltar à escola no período menstrual para evitar o constrangimento da situação.
O presidente exibe uma monstruosidade inominável dada a realidade do quadro e
considerando que a proposta exigiria custos mínimos – estimados em algo da
ordem de R$ 85 milhões ao ano – para o atendimento a essa camada de jovens na
rede pública. Com a desculpa padrão da ausência de verba para a “despesa extra”
foi que ele tratou de sustentar o veto. Na verdade, não quer mesmo
disponibilizar a proteção íntima às camadas desassistidas. Entre os
interlocutores mais próximos alegou que é “coisa de esquerdista”. Não pegou
bem. Foi bombardeado inclusive pelos apoiadores. A decisão pode ser revista,
mas Jair Bolsonaro faz questão de expor seu sadismo implacável, chegando aos píncaros
da ameaça, apontando que, caso contrariado, cortará recursos da Educação e da
Saúde para bancar o projeto. Naturalmente, não é uma questão meramente
financeira que está em jogo. Ele não usa do mesmo argumento, por exemplo,
quando constrói um orçamento secreto, fora do teto, na casa de mais de R$ 15
bilhões, em gritante pedalagem, para distribuir verbas a rodo e atender ao
apetite insaciável de emendas parlamentares dos aliados. O tratoraço está aí,
às fuças de todo mundo, para quem quiser ver. Os números, de todo risíveis para
o tamanho do benefício embutido no tocante aos absorventes, demonstram que cada
menina beneficiada custaria por mês algo em torno de R$ 18 a R$ 24. No total, o
gasto com um programa social do tipo é bem inferior ao dispendido em kits Covid
sem eficácia, ao de compra de leite condensado e picanha para refestelar os
convivas do poder e outra penca de atos notórios de desperdício de dinheiro
público, para os quais não há o mesmo tipo de zelo oficial. Uma mera motociata
eleitoreira do capitão – e foram inúmeras pelo País – saiu pela bagatela de R$
3 milhões. Dinheiro lançado no aparato que o cerca, enquanto ele se exibe como
débil Arlequim pelas ruas. Os bônus e aumentos salariais concedidos a
servidores nos últimos tempos, para angariar voto e apoio (inclusive da
caserna), não foram menores. O desfile de tanques pela Esplanada, às vésperas
do Sete de Setembro, para deleite e exibição de força de um caudilho alucinado,
queimou mais alguns milhões. E qual o benefício? A troco do quê? Em nenhum
desses casos o mandatário hesitou ou mostrou-se preocupado e atento no controle
das despesas sem lastro. Mas para absorventes íntimos a jovens carentes, sim.
Não há como resolver. O presidente, como de hábito, joga às favas os
escrúpulos. No fundo, um detalhe político pesou. Foi uma partidária da
oposição, logo do PT, a deputada Marília Arraes (de Pernambuco), quem
encaminhou a proposta. O capitão de imediato imaginou o quanto a adversária
poderia angariar por levantar bandeira tão socialmente justa e vital. Diga-se
de passagem, a ideia, na verdade, surgiu de meninas de uma comunidade
nordestina que se articularam e mobilizaram as demais para dar corpo e formato
final ao projeto. Elas mesmas carentes desse item essencial. Insensível, o
pimposo sociopata, numa monstruosidade imensurável, nem quis saber. Enxergou
apenas a cor partidária da iniciativa e não o seu caráter meritório que vincula
inclusão, saúde e educação. Quem em sã consciência poderia se colocar contra
algo assim? A pobreza menstrual é uma das maiores causas de evasão escolar. O
poder público tem o dever constitucional de zelar pelo acesso permanente a
necessidades sanitárias básicas de qualquer natureza. Estudantes de baixa renda
em situação de vulnerabilidade, e mesmo detentas do sistema carcerário, são
afrontadas diariamente no direito elementar do uso de absorventes e, no seu
lugar, recorrem a panos e papel higiênico por não ter acesso e condições de
adquirir o produto. O governo, ao se postar contra a medida que repara tamanha
injustiça, caminha cada vez mais rumo à ignorância e à insensatez. Promove um
desserviço e, enquanto resiste, de maneira obtusa e deplorável, estados como
São Paulo, Pernambuco e Maranhão tomam a dianteira e criam políticas próprias
para garantir a distribuição dos absorventes. É fato: cada vez mais os entes da
Federação estão percebendo que não podem ficar a reboque, na espera de decisões
sensatas, do Planalto. No ciclo de cuidados vitais à população e em meio à
tragicomédia da gestão federal, melhor mesmo é agir de costas para as loucuras
de Brasília. Não fosse tão desumano, negacionista e indiferente aos anseios do
cidadão, o mandatário estaria cumprindo o dever solidário que lhe é cabido. Não
há margens para dúvidas. Os fatos são acachapantes. Estamos diante de um cruel
e doentio líder que flerta com a barbárie e constrói o caos. As pessoas estão
nas ruas “esmolando” ossos para a sopa de seus filhos e Bolsonaro,
sintomaticamente, brinca de arminha, chama de “idiotas” quem prefere feijão,
vende cloroquina às emas, ignora a vacinação e promove outras bizarrices,
incitando o ódio e as fake news, enquanto o povo sofre de maneira implacável.
Já chega. É caso de internação. Numa jaula, de preferência, como cabe aos
monstros.