Generais ouvidos pela coluna avaliam que divulgação de informações incômodas para as Forças Armadas pode tensionar ambiente neste início de governo (Por Rafael Moraes Moura)
O então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, conversa com Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto em dezembro de 2020 Pablo Jacob/O GloboA sinalização do governo Lula de rever o sigilo sobre a
fabricação de cloroquina pelo Exército, os voos oficiais em aviões da FAB e o
processo disciplinar contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello vem
preocupando as Forças Armadas, que temem as consequências da divulgação de
informações com alto potencial de desgastar não só a imagem do governo
Bolsonaro, mas a dos próprios militares.
Na última terça-feira, o novo ministro da Controladoria-Geral
da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho, anunciou que já constituiu um
grupo de trabalho para analisar a revisão dos casos de sigilos de 100 anos
impostos pelo governo Bolsonaro, uma das principais promessas de campanha do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na ocasião, Carvalho acusou o governo Bolsonaro de fazer uso
“indiscriminado e indevido” do mecanismo sob o “falso pretexto da segurança
nacional”, fragilizando os órgãos de fiscalização para atender a interesses
pessoais. Os sigilos impostos sobre o processo disciplinar contra Pazuello e a
produção de cloroquina pelo Exército estão na mira do governo Lula, segundo o
blog da jornalista Andréia Sadi, no G1.
Comunicação: Licitação vencida pela FSB no fim da gestão
Bolsonaro é contestada por quebra de sigilo
“Não é só o governo
Bolsonaro que tem sigilo”, disse à equipe da coluna um ex-ministro da Defesa,
temendo o tensionamento das relações entre a caserna e o recém-inaugurado
governo Lula.
É a mesma avaliação de um outro general ouvido pela coluna,
que considera o levantamento do sigilo envolvendo a fabricação de cloroquina e
o processo disciplinar de Pazuello um “erro” neste momento, em que Lula ainda
tenta dissipar o clima de desconfiança entre os militares com o seu retorno ao
Planalto.
Revogação de sigilos: Aliados de Bolsonaro dizem temer
‘pacote de maldades’ com chegada de Lula ao Planalto
Além disso, o novo governo ainda é confrontado com dezenas de
manifestantes que insistem em protestar na frente de quartéis contra o
resultado das eleições, levantando acusações infundadas de fraude.
2022: o último ano do governo de Jair Bolsonaro teve tensão com STF e prisão de ex-ministro.
Aumenta tensão entre o presidente e o ministro do Supremo
Alexandre de Moraes — Foto: Chico Caruso
“Começar um período de
governo olhando o Brasil pelo retrovisor, quando há tantos desafios pela
frente, é amadorismo ou vingança. Mais adiante, se julgarem necessário,
poderiam rever esses temas”, disse esse segundo general.
Ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Comando do Exército
alegou que é "um assunto interno" a decisão de colocar em sigilo de
100 anos o processo administrativo envolvendo a participação do ex-ministro da
Saúde Eduardo Pazuello em uma manifestação ao lado do presidente Jair
Bolsonaro.
A manifestação do Exército foi enviada ao Supremo após PT,
PCdoB, PSOL e PDT entrarem com uma ação no STF para derrubar o sigilo
centenário sobre o processo de Pazuello.
Apesar de o regulamento interno da Força vedar a participação
de militares da ativa em manifestações políticas, Pazuello não foi punido, o
que irritou petistas.
“Não existe
absolutamente interesse público patente a motivar acesso às informações
extraídas de referido processo administrativo disciplinar, o qual regulam
unicamente uma relação personalíssima entre um militar e seu comandante, em que
se analisa se o subordinado transgrediu ou não uma norma castrense”, alegou o
Exército em junho de 2021.
O novo ministro-chefe da CGU já avisou que o novo governo
pretende adotar a transparência como "regra" e o sigilo como
“exceção”. Conforme mostrou O GLOBO, a decisão do Exército de decretar o sigilo
centenário ignora entendimentos já firmados pela CGU, que já definiu que
apuração disciplinar encerrada é de acesso público tanto para militares quanto
para civis.
Durante a transição, oficiais das Forças Armadas enviaram a
emissários de Lula uma série de conselhos e dicas sobre como o presidente
eleito poderia se aproximar dos militares e tentar desconstruir o legado bolsonarista.
Embora a relação seja de desconfiança mútua e até de
hostilidade em alguns segmentos, a indicação do ex-presidente do Tribunal de
Contas da União (TCU) José Múcio para chefiar o Ministério da Defesa agradou a
caserna e deu a Lula algum crédito.
Antes da eleição, o petista já tinha enviado aos militares um
sinal de que não mexeria nas regras aprovadas pelo Congresso em 2019 para a
aposentadoria dos militares, conforme informou a coluna em outubro.
Outras questões surgiram nas conversas, como a de que os
petistas não promovam e nem defendam qualquer alteração no Estatuto dos
Militares, em vigor desde 1980.
A mensagem é clara: as Forças Armadas não querem intromissões
do novo governo em assuntos considerados de natureza interna.
Pelo visto, os militares e uma ala do governo Lula discordam da extensão do escopo “natureza interna” quando se trata de manter sob sigilo informações de interesse público.