Balanço desta terça (17) aponta cerca de 1.400 pessoas presas no sistema penitenciário do Distrito Federal por participação nos ataques.
O gigantismo das apurações sobre os ataques golpistas aos
prédios dos três Poderes no domingo (8) em Brasília impõe desafios aos órgãos
de investigação e uma série de percalços para julgamento e efetiva punição dos
autores dos crimes.
A responsabilização dos envolvidos esbarra na própria
quantidade de suspeitos que poderão ser alvo de processos (incluindo
manifestantes golpistas, financiadores e autoridades), além do volume de
material a ser analisado e na estrutura do Judiciário para dar conta da demanda
e evitar prescrições.
Balanço desta terça (17) aponta cerca de 1.400 pessoas presas
no sistema penitenciário do Distrito Federal por participação nos ataques.
Na segunda-feira (16), a PGR (Procuradoria-Geral da República)
apresentou as primeiras denúncias do caso, contra 39 acusados de envolvimento
em depredação no prédio do Senado.
A Polícia Federal e a Polícia Civil do Distrito Federal
estavam trabalhando em sistema de mutirão, adotando formulários padrão para
interrogar os suspeitos. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre
de Moraes também arregimentou juízes federais e distritais e delegou para eles
a tarefa de realizar audiências de custódia para a fiscalização da regularidade
das detenções.
Porém, quando os casos chegarem ao Poder Judiciário para
julgamento, várias medidas já adotadas terão que ser repetidas em juízo, como a
colheita de depoimento dos presos, para que seja cumprido todo o roteiro
previsto na legislação penal.
Entraves comuns nas causas judiciais, como dificuldades para
fazer a intimação pessoal de testemunhas, tendem a se repetir. E como cada
acusado em processo criminal tem direito a no mínimo cinco testemunhas (número
que pode chegar a oito por fato investigado), poderá haver milhares de
convocados pela Justiça.
Outro problema ocorrerá com as perícias a serem levadas ao
Judiciário. Elas incluem, por exemplo, a análise das câmeras dos saguões de
mais de 200 hotéis e pousadas do Distrito Federal, conforme decisão de Moraes.
Quando uma perícia da polícia é levada à Justiça ou é
produzida no decorrer das causas, os réus têm direito de indicar profissionais
para contestar os laudos (assistentes técnicos, na linguagem jurídica).
Assim, em geral, essa fase consome uma boa parte da linha do
tempo dos processos, e nas ações penais dos ataques golpistas essa etapa deverá
levar a uma grande demora.
O principal temor nas situações de grande número de delitos e
suspeitos é que ocorra impunidade em razão da prescrição dos crimes.
Na atual fase de apurações, esse prazo prescricional é
calculado com base na pena máxima dos delitos.
Na decisão do STF, Moraes indicou a possível prática dos
crimes de associação criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado
democrático de Direito, golpe de Estado, incitação ao crime, ameaça e dano ao
patrimônio público, além de delitos previstos na Lei Antiterrorismo.
O crime de ameaça previsto no artigo 147 do Código Penal, por
exemplo, tem pena máxima de seis meses de detenção. Pela regra da lei, o fato
de essa punição ser inferior a um ano faz com que o prazo de prescrição seja de
três anos.
Já o delito de dano ao patrimônio público tem pena máxima de
três anos de detenção, e a prescrição ocorre em oito anos.
Segundo a lei, a contagem do prazo prescricional é
interrompida quando o Ministério Público apresenta a denúncia criminal contra
os suspeitos.
Deste modo, finalizar os inquéritos para entregá-los aos
procuradores é a prioridade das autoridades policiais nas próximas semanas.
Depois que o Ministério Público apresentar as denúncias, a
velocidade das causas dependerá de onde os processos terão andamento.
Para Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da
Faculdade de Direito da USP, os processos deverão tramitar de forma mais célere
se não ficarem concentrados no STF, o que pode acontecer caso o Supremo faça
uma interpretação mais ampla do que diz o regimento da corte.
O texto dá ao tribunal a competência para cuidar das
investigações contra ataques à sede do STF, mas não para a ação judicial.
Nesse caso, diz Badaró, os ministros do STF poderiam julgar
apenas eventuais casos de autoridades com foro especial.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu e o STF aceitou
que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também seja incluído no inquérito que
apura a instigação e autoria intelectual dos ataques golpistas.
Em relação ao governador afastado do DF, Ibaneis Rocha (MDB),
a atribuição para julgar chefes de Executivo estaduais é do STJ (Superior
Tribunal de Justiça).
Para processos contra o ex-secretário de Segurança do
Distrito Federal Anderson Torres e participantes das invasões, Badaró afirma
que o julgamento deve ser feito pela Justiça Federal no Distrito Federal.
Atualmente esse setor do Judiciário no DF conta com apenas 27
varas, que podem ter um juiz titular e um substituto.
A advogada Marina Coelho Araújo, conselheira do IASP
(Instituto dos Advogados de São Paulo), entende que o caso poderá ser
desmembrado para acelerar a realização dos julgamentos.
Segundo a criminalista, essa é a estratégia que vem sendo
usada nas últimas décadas nas grandes operações policiais.
O método é o de abrir um "inquérito-mãe" e depois
ir dividindo em vários outros menores.
A separação pode ocorrer por grupos de fatos e de pessoas,
afirma Coelho. Um dos processos poderá tratar da depredação do STF, outro do
grupo que esteve no plenário do Congresso, exemplifica a advogada.
Já o professor da FGV Direito-SP e coordenador do projeto
Supremo em Pauta, Rubens Glezer, afirma que, pelo peso político dos ataques, a
melhor alternativa seria concentrar o julgamento das ações no STF.
Se esse for o caminho adotado, o tribunal pode ter sua
imparcialidade criticada, por ser vítima dos ataques e também julgador, avalia.
Na hipótese de o julgamento ficar concentrado no STF, haverá
a necessidade de criar uma estratégia extraordinária para a tramitação, como
ocorreu no caso do mensalão.
Em 2009, o STF determinou que a apresentação de alguns tipos
de recurso não causasse a interrupção do andamento da causa sobre o escândalo,
por exemplo. No começo daquele ano, a principal dificuldade era a de
providenciar os depoimentos de 641 testemunhas de defesa.
Em relação à celeridade dos processos, Glezer afirma que a
realidade da corte hoje é diferente, pois, após cuidar dos casos mensalão e
Lava Jato, o tribunal acumulou experiência na tramitação de grandes casos
criminais com dezenas de réus.
Professora sênior da USP (Universidade de São Paulo) e
especialista em questões do sistema de Justiça, a cientista política Maria
Tereza Sadek acrescenta que tanto no mensalão quanto na Lava Jato os casos
começaram na primeira instância e foram ganhando a atenção das autoridades com
o decorrer do tempo.
Agora, desde já há uma união de esforços entre a Polícia
Federal, o Ministério Público e o Judiciário diante da ameaça inédita às
instituições democráticas.
Para a pesquisadora, esse componente político não permite uma
comparação direta com outros casos e deve levar a uma responsabilização mais
rápida.