Conheça os "príncipes da Igreja" mais cotados como futuro pontífice na liderança dos 1,4 bilhão de católicos no mundo, dos quais 182 milhões estão no Brasil
Cardeais se reúnem antes do conclave e reforçam apelo do papa Francisco com pedido de cessar-fogo na Ucrânia e em Gaza - (crédito: Vatican News)Jogo de cintura é uma das características necessárias agora,
destaca o sociólogo da Universidade de Rice, nos Estados Unidos, Craig
Considine, autor de diversos livros sobre o cristianismo. “O próximo papa
herdará uma Igreja global navegando em um mundo em rápida mudança, lutando com
debates internos e pressões externas”, lembra.
Os chamados “príncipes da Igreja” insistem que, dentro da
Cúria, não há divisão entre conservadores e progressistas, mas o posicionamento
dos próprios cardeais em relação a temas eclesiásticos ou seculares faz
transparecer essas diferenças. Para Vicente Paulo Alves, doutor em Ciências da
Religião e professor do curso de Teologia da Universidade Católica de Brasília
(UCB), hoje, a capacidade de obter consenso entre as diferentes alas é um ponto
a favor de um papável. “Outras características são forte experiência
pastoral e diplomática; equilíbrio entre doutrina e abertura pastoral; boa
saúde física e mental; capacidade de diálogo inter-religioso e intercultural; e
liderança comprovada em dioceses ou em cargos na Cúria Romana”, enumera Alves
Desde a morte de Francisco, em 21 de abril, vários nomes têm
sido destacados como o potencial pontífice. Ao longo dos últimos dias, alguns
se mantêm, enquanto outros entram ou saem da lista. Conheça alguns deles.
Jean-Marc Aveline, arcebispo de Marselha, franco-argelino, 66
anos
Nascido na Argélia e de origem andaluz, Aveline passou a
maior parte da vida em Marselha. O nome do religioso aparecia, discretamente,
nas primeiras listas de papáveis, mas nos últimos dias começou a ganhar mais
força entre a imprensa italiana e especializada. Ele é um defensor ferrenho da
acolhida à migração e do diálogo inter-religioso, dois pontos que compartilha
com o papa Francisco. Aveline foi feito cardeal em 2022 e integra os
Dicastérios para os Bispos e para o Diálogo Inter-religioso, funções que exigem
que viaje a Roma com frequência. É descrito como afetuoso, focado e aberto.
Tinha a amizade de Francisco e defende uma Igreja menos eurocêntrica e mais
voltada às chamadas “periferias”.
Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, italiano,
70 anos
Durante quase todo o pontificado de Francisco, foi o segundo
nome mais importante na hierarquia do Vaticano e, de acordo com o jornal
italiano La Stampa, lidera a “boca de urna” no conclave, embora não tenha os
dois terços dos votos, necessários para se tornar papa. Parolin é diplomata,
participou das negociações que retomaram as relações entre o Vaticano e o
México, atuou como núncio na Venezuela e mediou o diálogo entre os Estados
Unidos e Cuba. Representa a continuidade, ao mesmo tempo em que sua postura
moderada abre a porta para consertar fraturas dentro da Igreja. O cardeal é bem
conhecido por líderes mundiais e diplomatas e também conhece os meandros da
Cúria romana, o aparato administrativo da Santa Sé.
Pierbattista Pizzaballa, patriarca latino de Jerusalém,
italiano, 60 anos
Conhecedor do Oriente Médio, o franciscano e teólogo italiano
fala hebraico e inglês e chegou em Jerusalém em 1999. Em setembro de 2023,
tornou-se o primeiro patriarca de Jerusalém em exercício — a principal
autoridade católica do Oriente — a ser nomeado cardeal. Um mês depois, eclodiu
a guerra entre o movimento islamista palestino Hamas e Israel. Seus repetidos
apelos por paz o colocaram em destaque. Alguns de seus colaboradores o veem
como um possível sucessor do jesuíta argentino, já que a Ordem Franciscana
também defende um estilo de vida austero. O cardeal fez uma visita surpresa a
Gaza em 22 de dezembro de 2024, onde presidiu uma missa pré-natalina.
Matteo Maria Zuppi, arcebispo de Bolonha, italiano, 69 anos
Membro da Comunidade Romana de Santo Egídio, braço
diplomático não oficial da Santa Sé, o discreto e experiente diplomata foi
mediador em Moçambique e enviado especial do papa Francisco para a paz na
Ucrânia. Representaria uma certa continuidade de Francisco, especialmente na
defesa dos mais desfavorecidos, embora seu estilo seja mais moderado que o de
Jorge Mario Bergoglio. Nomeado cardeal pelo papa argentino em 2019, Zuppi goza
de grande popularidade na Itália, onde é conhecido por viver em uma residência
para sacerdotes idosos e se locomover de bicicleta. Defende a acolhida de
migrantes e da comunidade LBGTQIAP+ dentro da
Igreja.
Mario Grech, bispo de Gozo, maltês, 68 anos
É secretário-geral do sínodo: ele chefia o órgão que reúne
informações das igrejas locais sobre questões cruciais, como o lugar das
mulheres na Igreja ou o casamento de pessoas divorciadas, e o repassa ao papa.
Neste papel, em 2020, conseguiu realizar um delicado ato de equilíbrio,
seguindo a liderança de Francisco na criação de uma Igreja aberta e atenta e,
ao mesmo tempo, levando em conta as preocupações dos conservadores. Tentar
criar mais corresponsabilidade na governança da Igreja e torná-la relevante para
os fiéis de hoje alarmaram as correntes mais tradicionais, que defendem uma
hierarquia de clérigos totalmente masculina. O papa Bento XVI o nomeou bispo de
Gozo em 2005 e Francisco o designou cardeal em 2020.
Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo, luxemburguês,
66 anos
Este cardeal jesuíta, como Francisco, é um apaixonado pela
literatura alemã e pela cultura japonesa. Também é membro dos dicastérios de
Cultura e Educação, bem como do Diálogo Inter-religioso. Especialista em
relações culturais entre Europa e o Extremo Oriente, Hollerich é conhecido como
um teólogo firme no dogma, mas aberto a mudanças sociais, assim como o papa
argentino. Já demonstrou desdém por aqueles apegados ao antigo rito e ao
catolicismo conservado, embora ele diga que gosta da missa em latim e permite
que ela continue sendo celebrada em sua diocese, até mesmo em sua catedral.Tem
tendência claramente progressista, defendendo mulheres diaconisas e
colocando-se aberto à ordenação de sacerdotes do sexo feminino. Também apoia a
bênção de uniões homossexuais.
Péter Erdö, arcebispo de Budapeste, húngaro, 72 anos
É admirado por seus conhecimentos teológicos e sua abertura a
outras religiões. Fervoroso defensor do diálogo com os cristãos ortodoxos,
também direciona atenção especial à comunidade judaica. Tem opiniões muito
conservadoras sobre os casamentos de divorciados e casais homoafetivos.
Intelectual que fala sete línguas, autor de mais de 250 artigos e 20 livros,
foi nomeado bispo pelo papa João Paulo II em 2000, arcebispo de Budapeste em
2002 e cardeal um ano depois. Há duas décadas figura na lista dos papáveis e,
recentemente, foi criticado pela proximidade com o primeiro-ministro húngaro de
extrema-direita Viktor Orban. Se eleito papa, será o segundo pontífice oriundo
de um país do antigo bloco comunista.
Luis Antonio Tagle, arcebispo emérito de Manilla, 67 anos
Como o papa argentino, é um defensor dos pobres, migrantes e
pessoas marginalizadas, a ponto de ser chamado de "Francisco
asiático". Apelidado de "Chito", foi designado cardeal por Bento
XVI em 2012 e já estava entre os papáveis no conclave de 2013. Sempre manteve
um estreito laço com Francisco, que lhe encarregou em 2019 a Congregação para a
Evangelização dos Povos, que supervisiona as atividades de difusão do
catolicismo no mundo. Orador eloquente de voz calma, Tagle ri de suas próprias
piadas e injeta humor autocrítico em suas homilias. Mas também é conhecido por
ser franco. Em uma cúpula do Vaticano em 2019 sobre combate ao abuso sexual
infantil, apontou os escalões superiores da Igreja católica.
Peter Turkson, chanceler da Academia de Ciências e da
Academia de Ciências Sociais do Vaticano, ganês, 76 anos
É considerado uma das figuras mais influentes da Igreja na
África, onde o catolicismo cresce rapidamente e de onde poderia sair o próximo
papa e foi designado cardeal por João Paulo II. Encarregado dos assuntos
econômicos e sociais, considerados prioritários por Francisco, Turkson, que
fala seis idiomas, viajou várias vezes para o Fórum de Davos. Lá, alertou
líderes empresariais e políticos contra os riscos e os limites das teorias
neoliberais que defendem o favorecimento fiscal dos mais ricos. Embora tenha
criticado as leis homofóbica em países africanos, defende a posição da Igreja
sobre o assunto, rejeitando a ideia de que a homossexualidade é uma questão de
direitos humanos.
Fridolin Ambongo, arcebispo de Kinshasa, congolês, 65 anos
Importante voz do movimento pacifista em seu país natal,
marcado por décadas de violência, Ambongo pode receber votos dos cardeais
conservadores. Ele assinou uma carta em 2024 contra a autorização de Francisco
à bênção de casais homoafetivos. É cardeal desde 2019, designado pelo papa
argentino, e faz parte do C9, grupo de nove cardeais encarregado de aconselhar
o papa sobre a reforma da Igreja. É considerado um grande promotor da Justiça
social e que se envolve destemidamente na política em nome dos pobres. Na
República Democrática do Congo, é visto como um líder da oposição ao presidente
Félix-Antoine Tshisekedi Tshilombo.
Robert Sarah, prefeito-emérito da Congregação para o Culto
Divino, guineense 79 anos
Com posições muito conservadoras sobre a homossexualidade e a
imigração, é uma figura de destaque entre os cardeais tradicionalistas críticos
ao papa Francisco. Em janeiro de 2024, falou em nome de muitos bispos africanos
ao qualificar de heresia o texto da Santa Sé que busca o caminho para a bênção
de casais do mesmo sexo. Também foi um dos cinco cardeais conservadores que, em
outubro de 2023, pediram publicamente a Francisco que reafirmasse a doutrina
católica sobre os casais do mesmo sexo e a ordenação de mulheres. Quanto à
imigração, criticou a onda migratória da África subsaariana para a Europa.
Segundo os especialistas, suas posições radicais comprometem suas
possibilidades para o conclave.
Robert Prevost, arcebispo emérito de Chiclayo,
norte-americano, 69 anos
Dos cardeais das Américas, é o que tem mais chances devido à
sua inclinação pastoral, perspectiva global e capacidade de governar a Cúria
Romana, segundo os especialistas. Também tem cidadania peruana desde 2015.
Prevost chegou ao país andino como um jovem missionário agostiniano e, de lá,
partiu como bispo para o Vaticano, para se tornar uma figura central na
administração do papa Francisco, com quem compartilhava o desejo por reformas
na Igreja. Após a morte do argentino, afirmou que ainda “há muito a fazer” na
transformação do catolicismo. É considerado discreto e enfrenta resistência nos
setores mais conservadores do Vaticano. Tem sólida formação em direito
canônico, uma vantagem nos círculos que buscam uma abordagem mais focada em
teologia.