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 Estrategistas de campanha estão preocupados com a raiva e o descontrole de Jair Bolsonaro quando sofre a mínima contrariedade ou tem que lidar com mulheres que não pensam como ele. Não se conectar com o poder e a inteligência femininos, em um evidente menosprezo de gênero, poderá ser a causa de sua derrota eleitoral. ISTOÉ reúne algumas agressões e ofensas despropositadas proferidas por ele ao longo do tempo

GABRIELA RÖLKE, VICENTE VILARDAGA

O esforço permanente de rebaixamento das mulheres faz parte da genética bolsonarista. E pode ser uma das principais causas do derretimento da candidatura de Jair Bolsonaro (PL) daqui para frente. A cada dia que passa fica mais claro que o presidente e seus seguidores têm algo contra o crescente poder feminino em todas as esferas da vida em sociedade. Sempre que uma mulher demonstra qualidade profissional ou lhe faz uma crítica, ele lança algum tipo de ironia machista ou age com agressividade extrema. Em poucas semanas de campanha, Bolsonaro já mostrou a que veio. Agrediu com um empurrão na cara uma opositora, artista plástica de 32 anos, em Juiz de Fora, no seu primeiro ato público, porque foi chamado de fascista. Além disso, foi grosseiro com adversárias na corrida presidencial, classificando a senadora Simone Tebet (MDB) de “vergonha do Senado” e destratando a jornalista Vera Magalhães ao falar que ela sonhava com ele, no primeiro debate realizado domingo, 28, pela Band TV. Esse destempero tem sido sua marca registrada desde a década de 1990, quando, depois de criticado por um grupo de mulheres, atacou uma delas, Conceição Aparecida Aguiar, pelas costas diante de uma agência do Banco do Brasil, no bairro de Deo­doro, no Rio. Entre outras acusações contra o presidente, uma das mais aterrorizantes é a de ameaça de morte feita pela ex-mulher Ana Cristina Valle, em 2011.

“Bolsonaro vê uma hierarquia em que o gênero feminino está sempre em desvantagem social ou intelectual” Carolina Botelho, cientista política



Mas o caso que melhor define a sua personalidade política e mais expõe seus sentimentos conflitantes em relação às mulheres é o que envolveu a deputada Maria do Rosário (PT-RS), xingada por ele de “vagabunda” em 2014. Numa fala ultrajante, que escandalizou todos os brasileiros decentes, Bolsonaro afirmou que não a estupraria porque ela era muito feia e não merecia. Os impropérios lhe valeram uma derrota judicial inapelável e escancaram a sua masculinidade tóxica. Em 2003, 11 anos antes, ele havia agredido a deputada verbalmente com o mesmo xingamento e com empurrões, mostrando que se trata de uma obsessão doentia. O atual presidente também espalha boçalidades e frases de duplo sentido contra jornalistas dizendo que elas querem dar “um furo”, como fez com a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, e defende a desigualdade salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função com argumentos machistas. Costuma chamar aquelas mulheres que não concordam com ele de “incompetentes” ou “mentirosas” e considera que ter filhas em vez de filhos é uma fraqueza. Desde a juventude, dá demonstrações de aversão ao sexo feminino, demonstrando a chamada misoginia. Em embate com Lula (PT), ao longo da semana, em que foi acusado de odiar mulheres, Bolsonaro retrucou que a prova de que ele tem uma boa relação com o sexo oposto era “o semblante da primeira-dama”. Mas sua intimidade com a pragmática Michelle mal esconde o desprezo pela alma feminina e a dificuldade em ter uma convivência equilibrada e cordial com suas semelhantes.

A fatura eleitoral pelo estranhamento com as mulheres está sendo cobrada de Bolsonaro. Ele enfrenta uma rejeição mais expressiva entre elas do que entre os homens em quase todas as classes sociais, idades e religiões, o que pode sacramentar sua derrota na disputa. As eleitoras percebem que ele só se sente à vontade na companhia de sujeitos armados e truculentos contando piadas grosseiras e falando baixarias. O presidente é incapaz de passar uma mensagem de empatia ou solidariedade, como se viu durante toda a pandemia, que ceifou a vida de 684 mil brasileiros, enquanto ele fazia imitações grotescas de pessoas asfixiadas e promovia o negacionismo. Quando as mulheres reclamam de sua postura, ele diz que se tratam de reclamações infundadas de esquerdistas. Mas a pesquisa Ipesp divulgada há um mês, por exemplo, mostrou que Bolsonaro tem apenas 30% do eleitorado feminino, contra 48% de Lula. Levantamento do Datafolha mostrou também que embora tenha diminuído, a rejeição ao presidente entre as mulheres é de 54%. Já a do adversário direto é de 44%. A empresa de pesquisa PoderData, que realiza levantamentos de intenções de voto a cada duas semanas, mostra que o desempenho de Bolsonaro nesse público tem ficado sempre, nos últimos 90 dias, numericamente abaixo do registrado entre a população em geral, com uma diferença que oscila entre 4 e 6 pontos percentuais.

PROTESTO Mulheres reagem ao machismo desavergonhado de Bolsonaro em manifestação em Belo Horizonte: presidente despreza pautas femininas (Crédito:Divulgação)

Michelle tem ajudado a recuperar parte das perdas sofridas pelo marido nesse eleitorado, principalmente entre mulheres evangélicas. Mas muitos grupos resistem ao proselitismo da primeira-dama, que tenta transformar a eleição numa ridícula guerra santa. É o caso das religiosas mais pobres, que captam e resistem à cultura do ódio de Bolsonaro. Além disso, sabe-se pelas pesquisas que as mulheres bolsonaristas são as eleitoras mais voláteis e 36% delas admitiam mudar de candidato no início da campanha. “Bolsonaro tem uma ligação com o meio evangélico popular, mas é uma ligação com ressalvas. A conduta dele não é aquela que se espera de um cristão, principalmente pela questão do destempero”, diz o cientista político Vinícius do Valle, diretor do Observatório Evangélico. Diante disso, as situações vividas no debate podem ter tido efeitos bastante negativos e causado ainda mais desgaste para o presidente entre o público feminino, principalmente porque não se trataram de episódios isolados mas de uma repetição de atitudes cristalizadas. Para muitas eleitoras, afirma Valle, seu comportamento durante a pandemia foi inaceitável e desalmado e o que ele faz atualmente é repetir esse padrão. “O voto masculino rejeita menos Bolsonaro porque o homem está inserido em uma cultura machista que minimiza comportamentos como os dele”, diz. “Já as mulheres veem essas atitudes criticamente e não as relativizam.”

Para a cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do Doxa/Iesp/UERJ e do Mackenzie, o comportamento agressivo de Bolsonaro com mulheres atrapalha sua tentativa de alcançar grupos distintos do eleitorado. “Bolsonaro já tem um eleitorado fiel que gosta desse tipo de declaração misógina e que se identifica com ele, seja homem ou mulher”, diz. “Numa eleição, a ideia é buscar votos e ampliar o eleitorado para além do próprio grupo”. Ela explica que, no cálculo eleitoral, o presidente precisaria ir atrás do eleitor que não se identifica com esse tipo de declaração. Mas ele faz o trabalho contrário: se mantém com a base dele e não ganha nada eleitoralmente. “E pode até perder: pessoas que estão indecisas podem acabar se decidindo contra ele porque o presidente age de forma totalmente radical, com um comportamento beligerante e misógino”, afirma.

Quanto ao desprezo de Bolsonaro pelas mulheres, a cientista política avalia que, do ponto de vista pessoal, “é o que ele acha mesmo, a gente não tem mais dúvida, ele pensa exatamente isso das mulheres”, destaca. “Vê uma hierarquia segundo a qual o grupo feminino está sempre, de certa forma, em desvantagem — seja intelectual, social ou sei lá o que se passa na cabeça dele”. Já do ponto de vista da ação política do presidente, Carolina ressalta que o comportamento dele demonstra desprezo por todas as transformações da sociedade nas últimas décadas em relação a políticas identitárias a partir da Constituição de 1988. “Ele se nega, portanto, a respeitar os direitos consagrados na Carta Magna”. As últimas declarações misóginas do presidente, portanto, são bastante simbólicas. “O que ele diz é o seguinte: ‘Eu não reconheço você, senadora, jornalista respeitada, como uma pessoa a quem eu deva respeito. Eu me nego a enxergar as evidências da transformação do mundo e sigo ligado ao mundo atrasado, pré 1988’”, resume a pesquisadora.

Há indicações fortes de que Bolsonaro perde votos entre mulheres conservadoras que são atraídas por suas pautas de costumes mas percebem que o presidente se lixa para a vida do próximo e para as questões femininas. Vetou recentemente, por exemplo, o projeto que garantia absorventes íntimos para as mulheres de baixa renda. Sua visão ultramachista — ele se tornou conhecido se opondo a pautas de gênero e sexualidade — cria os mesmos entraves já detectados nas eleições de 2018. Na ocasião, como lembra a antropóloga Isabela Oliveira, coordenadora do curso de Sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Bolsonaro contou com a facada para se humanizar e se tornar mais palatável para o público feminino. “Sua imagem menos viril e fragilizada atraiu parte desse público”, diz. Em 2022, até agora, não houve nenhum fato capaz de criar o mesmo efeito eleitoral e reverter a tendência desfavorável entre as mulheres. “O que vemos agora é que o estímulo ao uso de armas e o desrespeito ao luto das pessoas durante a pandemia está causando prejuízos políticos”, afirma.

A masculinidade tóxica envolve um espírito de enfrentamento permanente contra adversários imaginários que desafiam uma virilidade claudicante. Há comportamentos específicos e traços exagerados do sexo masculino que acabam trazendo mais malefícios do que benefícios para si e para os próximos. É um tipo de masculinidade que promove estereótipos nocivos, preconceituosos e associados ao machismo que representam uma regressão social. Na folha corrida de Bolsonaro contra as mulheres entra também sua agressão à ex-presidente Dilma Rousseff, Em 2016, ao declarar o voto favorável ao impeachment da ex-presidente, Bolsonaro o dedicou à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, “o pavor de Dilma Rousseff”, elogiando a tortura e fazendo chacota das vítimas da ditadura. Dilma foi barbaramente torturada por Ustra. A masculinidade bolsonarista inclui a apologia da tortura e a promoção da violência. Outro excesso do deputado Bolsonaro foi cometido contra a senadora Marinor Brito (PSol-PA), em 2011. Ele quase chegou às vias de fato contra ela depois de uma reunião da Comissão de Direitos Humanos do Senado em que se debatia a criminalização das manifestações homofóbicas.

No debate de domingo, onde chegou acompanhado de um grupo composto basicamente por homens, Bolsonaro foi questionado pela senadora Simone Tebet sobre o motivo de sua raiva das mulheres. Diante da pergunta, disse para a candidata deixar de fazer “joguinhos de mimimi” e falou para ela parar com o “vitimismo”. Após mencionar o atraso da vacinação e criticar a postura de Bolsonaro durante a pandemia em uma pergunta a Ciro Gomes (PDT) durante o debate, a jornalista Vera Magalhães também foi ofendida e chamada de mentirosa e de vergonha. “Vera, não podia esperar outra coisa de você, você dorme pensando em mim. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”, disse o presidente. Sem sombra de dúvida, a masculinidade doentia de Bolsonaro está associada a algum distúrbio psíquico e o leva a perder o controle em situações de diálogo. Na sua psicologia política, ele não perde uma oportunidade de achincalhar mulheres e se mostrar superior. Com homens ele não mostra a mesma agressividade e leva desaforo para casa. Um sujeito que arruma tantas brigas com mulheres é porque não está entendendo nada e, provavelmente, tem algum defeito genético.

ACINTE Manifestantes na Cinelândia, no Rio de Janeiro, lembram de ofensa dita por Bolsonaro: para ele, ter uma filha em vez de um filho é fraquejar (Crédito:Divulgação)

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