Estudo aponta que avanço de facções é exemplo da capacidade de adaptação do banditismo às evoluções tecnológicas
Associado ao tráfico de drogas, o crime organizado no Brasil ganhou R$ 186 bilhões com golpes virtuais e furtos de celulares de julho de 2023 a julho do ano passado, segundo um relatório divulgado na quarta-feira pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O estudo mostra também que as facções passaram a lucrar mais com atividades comerciais praticadas de forma ilegal, golpes pela internet e furto de celulares. A receita estimada com o comércio paralelo de combustíveis, ouro, cigarro e bebidas em 2022 foi de R$ 147 bilhões, enquanto que a venda de cocaína teria gerado R$ 15 bilhões.
Em relação ao campo virtual, os pesquisadores avaliam que o
avanço das facções é um exemplo da capacidade de adaptação do crime às
evoluções tecnológicas. “A alta taxa de furtos de celulares facilita essas
mudanças, uma vez que os equipamentos eletrônicos, e os celulares em especial,
se tornaram portões de entrada para crimes digitais”, diz o documento do FBSP.
Já entre os quatro outros mercados explorados por
organizações criminosas, o setor de combustíveis e lubrificantes está à frente,
com um total estimado de R$ 61,5 bilhões — 41,8% da receita deste grupo de
atividades. O de bebidas aparece em seguida, com uma receita de R$ 56,9
bilhões. Na sequência, estão os mercados de extração e produção de ouro, com R$
18,2 bilhões, e de tabaco e cigarros, com R$ 10,3 bilhões.
— A alta circulação e a demanda destes setores, atrelado ao
baixo controle estatal e de circulação, explica o interesse das facções em
atuar neles. Mas os mercados de drogas e armas continuam sendo atividades
centrais para o crime organizado — ressalva Nívio Nascimento, assessor de
relações internacionais do FBSP.
Segundo o pesquisador, o interesse dos criminosos nos quatro
mercados se explica pelas penas mais brandas pelo envolvimento nestes crimes,
na comparação com o tráfico de drogas. Este cenário propicia a atuação das
facções nestes setores de “alta rentabilidade”, avaliou.
“Apesar de avanços, o setor de combustíveis carece de um
sistema nacional integrado de rastreamento, dificultando o combate à
ilegalidade. Práticas como adulteração, contrabando, sonegação fiscal e lavagem
de dinheiro são amplamente utilizadas por organizações criminosas, exigindo uma
resposta integrada do Estado e do setor produtivo para enfrentar os amplos
impactos econômicos, sociais e ambientais dessas atividades ilícitas”, aponta o
relatório do Fórum de Segurança.
A entidade afirma que cerca de 38% da produção nacional de
ouro entre 2015 e 2020 têm indícios de ilegalidade, com a movimentação de R$ 40
bilhões e um forte impacto na Amazônia. Em relação aos combustíveis, a
comercialização ilegal de 13 bilhões de litros anuais resulta em perdas fiscais
de R$ 23 bilhões, estima o FBSP.
O relatório acrescenta que o mercado ilegal de tabaco no
Brasil representa 40% do consumo nacional, significando R$ 94,4 bilhões em
perdas de receita com impostos nos últimos 11 anos. No caso da falsificação e
do contrabando de bebidas, as perdas tributárias foram de R$ 72 bilhões somente
em 2022, segundo o Fórum de Segurança Pública.
Ecossistema ilegal
O relatório destaca como as atividades ilícitas se entrelaçam
e “formam um ecossistema que ultrapassa o narcotráfico e contrabando
tradicionais”. Os grupos criminosos exploram brechas institucionais e
regulatórias para lavar dinheiro e ocultar ganhos de fontes como o tráfico e
extorsões, diz a entidade.
Os pesquisadores afirmam que a falta de integração de dados e
de informações sobre produção, rastreamento, tributação e segurança entre
órgãos como Receita Federal, Polícia Federal e agências reguladoras prejudica o
enfrentamento ao crime organizado. Para combater o crescimento destes mercados
clandestinos, o Fórum aponta a necessidade de incorporação de dados sobre
controle de produção e rastreamento às iniciativas de inteligência financeira,
como as conduzidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O objetivo da proposta da entidade é fortalecer a capacidade
do Estado e dos órgãos de segurança de mapear fluxos financeiros ilícitos e
redes de comércio ilegal de produtos.
— É necessário complementar a dinâmica de atuação das forças
de segurança para frear estas potencialidades de novas fronteiras do crime
organizado. Para além de monitorar o dinheiro, é preciso complementar a
estratégia aumentando o nível de controle e rastreamento de produtos — aponta
Eduardo Pazinato, coordenador do estudo.
Mercados regulados
O estudo ressalta que as organizações criminosas têm
concentrado suas operações não apenas em mercadorias ilegais, mas também em
mercados regulados. Entre os exemplos citados estão as investigações que
revelaram conexão de empresas de transporte público de São Paulo com o Primeiro
Comando da Capital (PCC). “ Com um faturamento anual estimado em R$ 6,7
bilhões, o PCC estaria explorando o sistema de transporte público para
legitimar seus ganhos ilegais”, diz o FBSP.
O relatório sugere a promoção de campanhas de
conscientização, envolvendo tanto a sociedade civil quanto profissionais de
setores estratégicos, para o enfrentamento do crime organizado.
“Ao educar a população sobre os impactos negativos desses mercados ilícitos e promover práticas como o ‘conheça seu cliente’, é possível incentivar comportamentos que minimizam o risco de envolvimento em atividades ilegais”, recomenda o Fórum de Segurança. “Esse engajamento colaborativo fortalece a cultura de responsabilidade, conformidade e integridade”.
Da Redação