POR DOUGLAS GAVRAS E ISABELA BOLZANI
O risco de um descontrole fiscal com aumento de gastos e
perspectivas cada vez mais duras para a economia no ano que vem encontraram eco
em uma piora do cenário externo, e o mercado já começa a falar em desembarque
do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Para ficar em uma figura de linguagem cara ao presidente, é
como se o casamento do governo com os investidores estivesse mais próximo do
divórcio do que da lua de mel.
Não é de hoje que os analistas têm precificado as
dificuldades impostas pelo risco de uma deterioração do quadro fiscal, com a
PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos precatórios, e a inflação mais alta
do que se antecipava.
Também pesa a crise política gerada pela tentativa de
reeleição do presidente, que tem colocado em descrédito o processo eleitoral e
confrontado ministros do Supremo Tribunal Federal.
As preocupações dos investidores já se refletem na Bolsa de
Valores brasileira e na cotação do dólar.
Nos mercados de renda variável, o Ibovespa, principal índice
acionário do país, que até a última sexta-feira (13) acumulava um ganho de
1,83%, reverteu o sinal ao longo desta semana, apesar da alta registrada nesta
quinta-feira (19). Agora, o índice acumula uma perda de 1,56% desde o início do
ano. Só nesta semana, o Ibovespa acumula uma queda de 3,32%.
O dólar encerrou a sessão desta quinta em alta de 0,87%, a
R$ 5,4220. Na semana a moeda americana sobe 3,4%. No ano a alta é de 4,5%.
No exterior, parte da explicação para a piora das
expectativas em relação à retomada da economia em um cenário pós-pandemia veio
de dados fracos da China e dos Estados Unidos, desde a última segunda-feira
(16).
O temor de um retrocesso econômico ganhou ainda mais força
na terça (17), quando os Estados Unidos também reportaram dados aquém das
expectativas: uma queda de 1,1% nas vendas do varejo em julho, ante a
estabilidade esperada pelo mercado.
Outro ponto de influência nos mercados foi a ata da última
reunião de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central
americano). Nela, a autoridade monetária sinalizou que o patamar de desemprego
para que o suporte à economia seja reduzido pode ser atingido neste ano.
Essa desaceleração no ritmo dos estímulos dados pelo Fed à
economia americana, na prática, também pode refletir em um aumento das taxas de
juros nos Estados Unidos o que, para o Brasil e os
mercados emergentes, pode significar menos investimento.
No cenário interno, a percepção é de incerteza e
insegurança, que tendem a aumentar caso o governo não sinalize um
comprometimento com as regras fiscais, aumente gastos e mantenha um ambiente de
confronto com as instituições até a eleição de 2022.
Um sintoma disso é que as curvas de juros futuros para cinco
e nove anos voltaram a atingir os dois dígitos nesta semana, recuperando
patamares de três anos atrás.
A deterioração da confiança do mercado no governo é visível
e muitos já compreendem que a busca por uma reeleição por parte do presidente
seria bastante preocupante do ponto de vista da agenda econômica, avalia a
economista Zeina Latif.
"Às vezes, há um acúmulo de notícias negativas, mas o
mercado demora a reagir por falta de um gatilho. Agora, esse gatilho veio lá de
fora, com o Fed e um cenário externo não tão confortável, com a China
desacelerando e o impacto nos preços de commodities. Isso acaba forçando o
mercado a reavaliar o cenário interno", explica.
Segundo ela, cada vez mais o Brasil será afetado por ondas
de volatilidade e, se antes o mercado apostava muito no governo Bolsonaro, hoje
certamente não é assim. "É difícil falar sobre o mercado como uma entidade
de opinião única, mas eu diria que antes havia mais unanimidade, como em 2018,
e isso não existe agora."
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é ainda
mais enfático ao afirmar que o mercado já não espera que o governo entregue
algo de relevante até as eleições do ano que vem.
Ele considera que o governo perdeu as condições de colocar
em prática a política econômica às vésperas de uma disputa eleitoral que deve
ser muito tensa. Essa combinação é ruim para o mercado, diz, e a taxa de câmbio
deve continuar subindo, colocando pressão sobre a inflação e os juros.
Com um discurso golpista, o presidente acaba prejudicando a
imagem do país e a capacidade do investidor de fazer negócios, diz Vale.
"O governo Bolsonaro, nesse sentido, acaba sendo pior que o da
ex-presidente Dilma Rousseff. As dificuldades econômicas de agora são similares
ao que havia no fim do governo da petista, só que com riscos institucionais que
não existiam", afirma.
"Hoje, com Bolsonaro criando crises, trazendo riscos
fiscais crescentes e com a falta de equilíbrio na política, o mercado
gradativamente vai abandonar o governo, o que já está acontecendo."
Ele ressalta que a perda de paciência com Bolsonaro não
significa um embarque na candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), que hoje lidera as pesquisas eleitorais. O mercado, na verdade, deve
manter a expectativa por uma terceira via em 2022, aponta.
Há também um desconforto entre os analistas, ao avaliarem
que muitas das medidas propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não
avançaram ou tiveram dificuldades para sair do papel. A reforma mais relevante
até agora, a da Previdência, é vista como um esforço do ex-presidente da Câmara
Rodrigo Maia (sem partido-RJ).
"Com Arthur Lira [PP-AL], só temos tido bola fora, do
ponto de vista fiscal. A reforma tributária que está se discutindo agora, por
exemplo, é muito ruim. O mercado percebe que o governo e o ministro da Economia
não são funcionais e esse elemento ajuda no desembarque", diz Vale.
O economista avalia que só ocorreria um reembarque do
mercado se houvesse sinal por parte do Executivo de mudança da trajetória de
gastos. "Talvez não tenha mais volta."
Para o ex-diretor do Banco Central e consultor da
Schwartsman e Associados, Alexandre Schwartsman, apesar de vários alertas, o
mercado ignorou os riscos domésticos, por estar surfando na onda de uma enorme
liquidez mundial, que elevava o preço dos ativos. "Agora que há risco de o
cenário mudar lá fora, os problemas domésticos ficaram à vista."
Ele acrescenta que é preciso diferenciar o mercado das
pessoas que atuam nele, ao medir as chances de uma retirada do suporte dado ao
governo.
"O mercado, em si, vende ativos sem dó e, portanto,
pode-se dizer que já desembarcou. Sobre as pessoas, algumas já soltaram a mão
do governo, como os manifestos recentes sugerem; outras, porém, há pouco
erigiam estátuas em homenagem ao ministro Paulo Guedes."
Sob condição de anonimato, o economista de uma grande gestora
de investimentos lembra que o mercado sempre espera que o governo proponha boas
reformas. O fato, diz esse economista, é que hoje os investidores estão céticos
com a aprovação de medidas importantes até o final deste mandato, e agora
começam a sentir os efeitos dos ruídos eleitorais e fiscais.
Ele também avalia que não havia como prever a proposta de
adiamento no pagamento dos precatórios, por exemplo, nem o tamanho exato da
pressão que haveria do Executivo para aumentar os gastos no ano que vem. Ainda
segundo esse economista, o que o mercado vê hoje é que essa pressão é muito
maior do que se imaginava.
Os precatórios são dívidas do governo reconhecidas pela
Justiça. O ministro Paulo Guedes e sua equipe têm elevado a pressão no
Congresso sobre os efeitos no Orçamento do ano que vem, caso o parcelamento das
dívidas de precatórios não seja autorizado.
Estávamos vindo de uma situação
fiscal que trazia notícias positivas para o curto prazo, com uma redução da
dívida pública, uma arrecadação mais forte e a volta da atividade. Mas todo o
bom humor virou quando surgiu a questão do aumento da provisão de pagamento dos
precatórios para o ano que vem, diz a
chefe de economia da Rico, Rachel de Sá.
Para o economista-chefe da Necton, André Perfeito, se o Banco
Central conseguir ajustar a curva de juros para algo mais razoável, isso pode
resolver parte dos problemas. "Mas o mercado já entende que as
necessidades políticas e eleitorais do presidente estão cobrando um preço alto
demais na disciplina fiscal."