Costinha sofreu uma mutação incrível. Antes, tratava-se
de um simplório zé ruela semianalfabeto e militante do movimento religioso
inimigo da cultura e da ciência. Graças à contrarrevolução política, religiosa,
econômica e científica, foi alçado à categoria dos grandes mestres da nova
ordem. Anteriormente não passava de um elemento repugnante, escondendo-se nos
buracos e fossas do fascismo, segregacionismo e da tirania mascarada com
palavras de ordem tiradas a fórceps da Bíblia. Após a metamorfose, tornou-se um
inseto poderoso e maligno como a barata fazendeira de “MIB - Homens de preto”.
Costinha acaba sendo autor da lei que institui o voto telepático,
extrassensorial. O crente ora a Deus, recebe orientação e encaminha seu voto
metafísico para o Diretor Geral Eleitoral da Nova Ordem, o pastor Malafalsa.
Tudo na mais absoluta segurança e paz de necrópole.
Mundo
de Franz Kafka virado ao contrário, a ocorrência validou a crônica de Luiz
Fernando Veríssimo: “Uma barata acordou um dia e viu que
tinha se transformado num ser humano. Pensar, para a ex-barata, era uma
novidade. Antigamente ela seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar”. As
almas das baratas transformadas em seres humanos são, geralmente, bobas e insensatas,
descobrindo-se miraculosamente capazes de explicar o sentido da vida e de como
estancar o progresso da humanidade. O deus da nova ordem manda olhar somente
para seu próprio umbigo e se preocupar apenas com o
individualismo, o narcisismo e a inquietação consigo mesmo. Tudo o mais é
comunismo. Enxotados pela nova ordem das baratas alucinadas de verde e amarelo,
os cientistas, professores e artistas foram se refugiar no que restou da
floresta esturricada, onde a cultura, a ética, as flores e frutos começam por
milagre a rebrotar.
Feliz porque enterrou
a aurora e abateu a soberania popular, Costinha dá de garra de sua Bíblia e do
seu fuzil AR 15 refrigerado a ar e alimentado com o gás que falta na cozinha, disposto
a disparar 30 tiros entre uma oração e outra, enquanto sua mente semiautomática
repete mantras sobre Estado mínimo, combate à corrupção e liberdade individual.
Em estado contemplativo, repete o plano para que Estado intervenha no Estado,
assim o Estado dá o golpe militar no Estado, desconstruindo o Estado e
fortalecendo o Estado para introduzir o voto auditável, que é uma espécie de
salvação do Estado em estado puro de Velho Testamento, segundo prescrições da
Nova Ordem Cavernista Baratazeira, uma seita cujo líder supremo tem o tecido
cerebral e sistema nervoso semelhante ao da barata.
Deitado eternamente
em berço bolorento, o povaréu apenas assiste à caravana das baratas irrompendo
pelas ruas perversas e arruinadas, em cujas frestas de batentes das portas
deterioradas se esconde meia dúzia de humanos que ainda não se converteram ao
mundo dos insetos e insistem em não aceitar a resolução oficial de que o estado
de barata não degenera o homem: o homem é que deteriora e perverte o inseto. E
a verdade é o que sai da boca da barata líder. Todo aquele que não acolher tais
crenças é pecador. No caso, comunista.
POR FÁBIO MOZART