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Lucas Arroxelas tem vinte e cinco anos. Poeta de João Pessoa, faz História na UFPB e escreve crônicas. Em uma delas, confessa que se sentiu perdido quando sentou para escrever e seus livros não estavam ali. Viajou para outra cidade, deixou sua biblioteca e teve problemas de concentração. Sem as estantes com seus livros, o jovem cronista experimentou a solidão. “Os livros são a casa da pessoa. Longe, só sobra a saudade e a incompletude, a certeza de que não se é sem eles. Sigo com o sentimento de exílio, na esperança contínua de regressar a eles, aos meus livros e, consequentemente, a mim”.

Sou consciente de que contribuí muito para aumentar o rombo da Previdência. Aposentado há mais de vinte anos, dedico meus dias ociosos a ler, colecionar, restaurar, publicar e distribuir livros. Os que considero mais interessantes e de referência, guardo em estante especial. São poucos, cerca de 200 exemplares. Em outras quatro estantes, conservo os demais do meu acervo, classificados como “filosofia e psicologia”, “ciências sociais”, “teatro”, “poesia”, “literatura paraibana”, “literatura brasileira”, “literatura internacional” e “história”. Todos disponíveis para rodízio. Meus livros são drogas para várias mazelas. Alguns, tipo Stanislaw Ponte Preta, Millor Fernandes e Woody Allen, servem como xarope contra mau humor. Levantam o astral e, de quebra, oferecem conteúdo reciclado para meu programa “Rádio Barata no Ar”. Para acidez produzida por esses dias bizarros em que se vive, a beberagem é Paulo Freire, Steven Levitsky e, mais recentemente, “O crepúsculo da democracia: como o autoritarismo seduz e as amizades são desfeitas em nome da política”, de Anne Applebaum e “A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro”, escrito por Bruno Paes Manso. Poções que incomodam, desarmonizam nossa zona de conforto, porque contém altas doses de emoção e empatia, tipo cápsulas sintéticas da poesia de Lau Siqueira. Essas e outras mezinhas que recomendo usar várias vezes ao dia, sem contraindicações, a não ser leve perigo de dependência, como bem confidenciou nosso cronista Lucas Arroxelas.

Fui obrigado a me esconder do coronavírus na aba da serra da Borborema, e cá estou há mais de dois anos. Não pude trazer todos os meus livros. Mesmo com poucos exemplares, continuo levando essas obras para conhecer pessoas, novos leitores, como esboço mal resolvido de um sonho: despertar nos indivíduos o gosto pela leitura. Já tenho estantes de troca de livros em Mari, Solânea e Bananeiras. São raras as visitas aos livros. A culpa é da internet, diriam alguns. Os amantes da literatura escasseiam cada dia. Raros os casos do Lucas Arroxelas. Além de leitor, escritor. As novas gerações formam seu universo intelectual na internet, em meio a uma expressividade confusa, muitas vezes inconveniente e carente de ideias robustas. Penso nesses jovens e sua solidão cibernética. Falta argumentação e paciência para lidar com esses garotos e garotas e seus celulares. As raras visitas que recebo aqui nunca vistoriam meus livros. Passam pelas estantes com apatia, insensíveis e frios. Geralmente mexendo nos seus celulares.

Tenho uma estimada amiga que pratica o amável procedimento de mandar diariamente o relatório de suas leituras. Fiéis aos nossos propósitos de compartilhar nossas impressões de leitura, sem nenhum views, fora das redes sociais, formamos assim uma espécie de clube de leitores composto por duas pessoas. A partir do solitário ato de ler, vem a reconhecença e a partilha de gostos comuns. Leitura une pessoas, faz amigos, promove troca de experiências e muda olhares.

A leitura da crônica de Lucas Arroxelas sobre o desprovimento livresco evocou minha própria instabilidade por privação literária. Sua crise de abstinência dos livros assemelha-se às circunstâncias em volta deste velho escriba, meio sem inspiração por esses tempos nebulosos e sentindo falta dos velhos parceiros para fins estéticos, os livros. Chama-se carência afetiva literária, uma dependência estranha porque você sente que precisa de ter livros à disposição para ser pleno e suprir seu completo alheamento social. Prefiro o sossego e a serenidade dos livros.

Concluo citando o indiano Rabindranath Tagore (1861-1941), poeta, romancista e prêmio Nobel de Literatura (1913): “Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera; esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora”.

Por Fábio Mozart

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