Presidente mudou discurso como a troca das críticas ao inchaço da máquina pelo projeto de mais ministérios
Por Daniel Gullino — Brasília
O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Evaristo Sa / AFPO Jair Bolsonaro que concorrerá à reeleição é bem diferente
daquele que disputou o pleito em 2018: durante os três anos e meio de governo,
o presidente adotou medidas contrárias ao que prometeu durante a campanha
eleitoral. Práticas antes criticadas, como o aumento no número de ministérios e
a entrega de cargos em troca de apoio político, passaram a ser abertamente
defendidas.
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Há duas semanas, por exemplo, ele anunciou que pode recriar
até três ministérios caso seja reeleito — ficando cada vez mais distante da
promessa feita há quatro anos de reduzir o número de pastas para 15.
Em 2018, o programa de governo afirmava que “o país
funcionará melhor com menos ministérios”. Na época, Bolsonaro também disse que
seu governo teria “no máximo 15 ministros”. Entretanto, ele começou o governo
com 22 pastas e recriou outra em 2020. Na declaração mais recente, disse que a
possível nova expansão terá o efeito de “administrar melhor o país”. No governo
Michel Temer, eram 29 pastas.
O programa de governo também dizia que o número elevado de
estruturas no primeiro escalão era reflexo da “forma perniciosa e corrupta de
se fazer política nas últimas décadas, caracterizada pelo loteamento do Estado,
o popular ‘toma lá, dá cá’”.
Bolsonaro, contudo, também abandonou suas críticas ao “toma
lá, dá cá” e passou a receber indicações de políticos do Centrão em troca de
uma base de apoio no Congresso.
Em 2018, o discurso era outro: ele disse que iria por “fim
nas indicações políticas do governo em troca de apoio”. Na campanha eleitoral,
o candidato também chegou a se referir ao Centrão como “alta nata de tudo que
não presta”.
Na campanha, Bolsonaro também disse que pretendia conversar
com o Congresso para a realização de uma reforma política, que envolvesse tanto
o fim da reeleição quanto a diminuição do número de parlamentares. No governo,
jogou toda a responsabilidade para os congressistas e não tratou mais do
assunto. Além disso, deixou claro desde o primeiro ano de governo que pretendia
concorrer a outro mandato.
Depois de eleito, Bolsonaro mudou o discurso sobre outro tema
do qual sempre foi crítico: os gastos com cartão corporativo da Presidência. Em
2008, ainda como deputado, Bolsonaro cobrou o governo de Luiz Inácio Lula da
Silva por se opor a investigações sobre os cartões.
No início do seu governo, chegou até mesmo prometer que iria
“abrir o sigilo” de suas despesas. Desde então, contudo, o governo tem mantido
em segredo o conteúdo dos gastos, alegando questões de segurança.
Para o cientista político Adriano Oliveira, professor da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), alguns gestos de Bolsonaro, como a
declaração sobre a recriação de ministérios, funcionam como aceno à classe
política, que poderia ter um maior espaço em um segundo governo. Ele também
aponta que o presidente pode perder alguns eleitores, que votaram nele em 2018
devido ao discurso liberal, mas ressalta que há uma base fiel que manterá o
apoio a todo custo.
São as pesquisas eleitorais que vão ditar o discurso do
presidente da República. Há o eleitor fiel, radical, que segue o presidente
independentemente do que ele diga. E existe o bolsonarismo estratégico, que é
aquele eleitor que vota em Bolsonaro, que pode até concordar com seu jeito de
ser, mas acima de tudo é porque enxerga o presidente como único capaz de
derrotar o PT.