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Presidente Jair Bolsonaro trata o caso do desaparecimento e morte de Bruno Pereira e Dom Phillips com certo desdém (Foto: Isac Nóbrega/PR)

MANAUS – Desde que veio a público a notícia do desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, na região de fronteira com o Peru e a Colômbia, no Estado do Amazonas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem demonstrado uma insensibilidade pouco vista por uma autoridade ao longo da história.

Primeiro, tentou culpar os dois pelo ocorrido, afirmando que estavam em uma “aventura” na Amazônia, sem autorização dos órgãos oficiais. Depois, afirmou que o jornalista britânico Dom Phillips era “malvisto na região” porque fazia reportagens contra garimpeiros e não teve a devida atenção e cuidado “consigo próprio”.

Por fim, ao criticar uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que determinava o empenho do governo nas buscas pelos desaparecidos, minimizou a importância do caso e disse que no Brasil mais de 60 mil pessoas desaparecem todos os anos.

Essas manifestações, sem qualquer preocupação com as famílias dos desaparecidos que sofrem a dor da perda inesperada, são também combustível para uma legião de incendiários que defendem a reeleição de Bolsonaro a qualquer custo, e passaram a usar o desaparecimento (e agora as mortes – depois da confissão de um dos suspeitos presos) em discurso ideológico do bolsonarismo contra “a esquerda”.

Bolsonaro sabe mais do que qualquer brasileiro que Bruno e Dom não estavam realizando uma atividade de aventura, mas trabalhavam por uma causa que muito desagrada o presidente da República: a defesa da Amazônia e dos povos originários.

Bruno Pereira trabalhava para uma ONG (Organização Não-Governamental) – Bolsonaro faz questão de demonizar o trabalho das ONGs –, a Univaja (União das Organizações Indígenas do Vale do Javari), e atuava na defesa desses povos, de suas terras e de seus lagos.

Dom Phillips buscava informações para um livro que escrevia sobre a preservação da Amazônia, e acompanhava Bruno Pereira em visita a uma base da Funai (Fundação Nacional do Índio), na localidade Lago do Jaburu.

Para realizar esse trabalho, não precisavam de autorização. No entanto, Bruno Pereira se cercava de cuidados quando viajava pelos rios da região, porque sofria constantes ameaças de garimpeiros, pescadores ilegais, madeireiros, traficantes de drogas e outros criminosos. Uma equipe da Univaja monitorava a viagem naquele domingo, 5 de junho, e foi a primeira a comunicar as autoridades sobre o desaparecimento.

Os membros da entidade sabiam a hora exata que Bruno e Dom deveriam chegar a Atalaia do Norte. Como não chegaram no horário previsto, duas horas depois os indígenas ligados à Univaja iniciaram as buscas.

Dizer que viviam uma aventura é brincar com a dor alheia, desmerecer um trabalho que entidades fazem para tentar minimizar a ausência do Estado.

Dom Phillips, realmente, não era bem-visto pelos criminosos e nem pelo presidente Jair Bolsonaro. Em julho de 2019, durante um café da manhã no Palácio do Planalto com jornalistas estrangeiros, o britânico Dom Phillips perguntou ao presidente da República o seguinte:

Os números de desmatamento estão mostrando um crescimento assustador, Ibama tá dando menos multas, menos operações. Os sinais que o governo tá dando para a Europa não são positivos no sentido da proteção do meio ambiente. Por exemplo, o ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles, na época) estava na Rondônia, nesta semana, com uma galera das madeireiras. Como o senhor presidente entende e pretende convencer e mostrar para o mundo que realmente o governo tem uma preocupação séria com a preservação da Amazônia?”

 

A resposta de Bolsonaro:

Primeiro você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês. A primeira resposta é essa daí (…). Nós preservamos mais do que todo mundo. Nenhum país do mundo tem moral para falar sobre a Amazônia. Porque vocês destruíram seu ecossistema praticamente e nós não estamos no mesmo caminho de vocês”.

Desde 2019, como é de amplo conhecimento público, o governo brasileiro incentiva o avanço das práticas criminosas na Amazônia. Os resultados logo apareceram: aumento do desmatamento e queimadas, aumento da retirada de madeira ilegal, avanço do garimpo ilegal sobre terras indígenas. Nenhum palmo de terra indígena demarcada no Governo Bolsonaro. Desmantelamento dos órgãos de fiscalização e controle, como Ibama e Funai.

Bruno Pereira é servidor da Funai e foi exonerado de um cargo de chefia depois de participar, em 2019, junto com o Ibama e a Polícia Federal, de uma operação na Amazônia que queimou 60 balsas de garimpeiros. Isolado na entidade onde trabalhava, ele se licenciou da Funai e passou a trabalhar com os indígenas na Univaja.

Por fim, ao tratar o desaparecimento de Bruno e Dom como um desaparecimento comum, Bolsonaro quer jogar para debaixo do tapete uma realidade que só pode ser mudada com ações do Estado brasileiro.

Qualquer um que estivesse na Presidência da República seria culpado pela violência do crime organizado na região onde os dois foram mortos. Mas Bolsonaro acumula outros atributos que o torna mais responsável: desde o primeiro dia de governo, ele incentiva, com seu discurso, a entrada de criminosos nas terras indígenas e em regiões preservadas da Amazônia para a exploração mineral e a retirada de madeira e outros bens da floresta sem qualquer controle.

Anunciou com pompa que não faria novas demarcações de terras indígenas; minimiza as queimadas e o desmatamento ilegal na Amazônia e repudia qualquer crítica interna e externa sobre a política ambiental predatória do governo central.

Repete à exaustão que o mundo cobiça a Amazônia e que o Brasil é o país que mais preserva suas florestas, como se todos os países do mundo tivessem florestas tropicais semelhantes ao bioama amazônico. Mas o presidente aposta na ignorância da maioria dos brasileiros para vender seu discurso, que, no fundo, promove a destruição e a morte na região.

Depois de a Polícia Federal revelar que um pescador preso confessou ter participado do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, depois de ter levado a polícia ao local onde disse que os restos mortais foram enterrados e depois de a polícia desenterrar restos humanos em uma área de difícil acesso na Amazônia, Bolsonaro e o governo não fizeram qualquer manifestação a respeito do crime.

É assustador como uma pessoa pode ser tão insensível e como ainda consegue arregimentar seguidores para reproduzir esse comportamento.

 Com

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