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 Bolsonaro usa recursos públicos de forma desenfreada para garantir a reeleição. Vale tudo: PEC de até R$ 50 bilhões para subsidiar combustíveis, decretação de estado de calamidade que dribla o teto de gastos, aumentos para servidores e orçamento secreto para atrair apoiadores. Uma das principais estratégias é promover showmícios com sertanejos que estão dilapidando os cofres de pobres prefeituras do interior do Brasil. O presidente perdeu os escrúpulos

VALE TUDO Especialistas apontam que benefícios eleitorais de Jair Bolsonaro são “bomba fiscal” (Crédito: Kiko Sierich/Getty Images) Por- Marcos Strecker e Ana Viriato

À medida que as eleições se aproximam, cresce o desespero do presidente para encontrar soluções mágicas quem consigam reverter um cenário que fica cada vez mais desfavorável. O truque mais recente foi sacado na última segunda-feira, quando o presidente e seus aliados do Centrão eparedaram o ministro Paulo Guedes para criar uma medida capaz de abaixar imediatamente os preços dos combustíveis, que vêm se tornando um símbolo da inflação e do caos na administração federal.
Em um evento tenso no Palácio do Planalto que contou com a presença do seu advogado Frederick Wassef, o presidente anunciou que o governo patrocinaria uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC dos Combustíveis, para compensar os estados que precisarão zerar as alíquotas do ICMS sobre o diesel e o gás de cozinha até o final do ano. Enquanto isso, o governo quer zerar as taxas federais (PIS e Cofins) sobre a gasolina e o etanol. A conta, calculada por Paulo Guedes no mesmo dia, seria de até R$ 50 bilhões. Os recursos ainda não existem, e viriam possivelmente da privatização da Eletrobras. É espantoso que o governo tenha corrido para lançar uma proposta de tamanho impacto sem nem ter dados concretos. Pior, a mudança na Constituição é necessária porque o mandatário pretende mais uma vez driblar o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal, além da própria legislação eleitoral.

Esse truque eleitoral tem a vantagem, para Bolsonaro, de jogar a conta da crise econômica para os governadores, uma obsessão que demonstra desde a pandemia. Essa PEC funciona de forma complementar a uma lei (PLP 18) já aprovada na Câmara que derrubará a arrecadação dos estados com o ICMS sobre combustíveis e energia, telecomunicações e transportes, impondo um teto de 17% a 18%. Parece confuso? É mesmo, por isso especialistas ainda tentam estimar o novo rombo que será criado nas contas públicas, além de novas crises que serão contratadas para os administradores regionais e municipais (as cidades também recebem recursos do ICMS, que vão encolher). Apenas com o projeto de lei, os governadores perderão R$ 115 bilhões por ano. A primeira vítima, já ficou claro, serão investimentos para Educação e Saúde.
Truque eleitoral tem a vantagem, para Bolsonaro, de jogar a conta da crise econômica para os governadores, uma obsessão desde a pandemiaSERTANEJOS Um dos artistas mais tocados do País, Gusttavo Lima é apoiador do presidente e fatura com shows financiados com verba pública de prefeituras (Crédito:Divulgação)

O despropósito da iniciativa é ainda mais grave porque até agora todos os planos açodados do presidente para a reeleição naufragaram. O principal deles foi a conversão do Bolsa Família em Auxílio Brasil, que custará um extra de R$ 56 bilhões este ano. O novo programa custou caro, foi feito sem planejamento e deixou de atender os extratos mais carentes, segundo os especialistas. Além disso, a inflação, que está em dois dígitos já corroeu boa parte do aumento do benefício. Resultado: não trouxe dividendos eleitorais. Segundo o último Datafolha, os beneficiários do Auxílio Brasil continuam preferindo o ex-presidente Lula (48%) a Bolsonaro (21%).

O mesmo deve acontecer com a gambiarra nos combustíveis. A diminuição prevista nas bombas, segundo o governo, é de R$ 1,65 para a gasolina e de R$ R$ 0,76 para o diesel. Segundo os especialistas, pode ser de apenas R$ 0,70 (gasolina) e de R$ 0,20 (etanol). Há razões para ceticismo com os cálculos oficiais. Como os preços dos combustíveis estão defasados em relação ao mercado internacional (15% para a gasolina e 30% no caso do diesel), se a Petrobras recompor os valores para evitar o colapso nas importações toda a renúncia fiscal será em vão e o consumidor vai pagar ainda mais caro para abastecer. No caso do diesel, que está em falta no mercado internacional, o risco é de desabastecimento em plena reta final da campanha. Por isso, um dos líderes dos caminhoneiros, Wallace Landim, conhecido como Chorão, apelidou as medidas de “solução Tabajara”. Artifícios como esse já tinham se mostrado inúteis. As alíquotas do ICMS incidentes sobre gasolina, etanol e gás de cozinha haviam sido congeladas em novembro de 2021. Isso não impediu a escalada nas bombas. Até o próprio relator das duas medidas no Congresso, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), admite que o esforço pode ser em vão. “É uma tentativa. Vai dar certo? Não sei, mas torço”, declarou.

As bondades eleitorais de Bolsonaro já chegam a R$ 335 bilhões. São R$ 150 bilhões apenas este ano, incluindo a implementação do vale-gás. É uma vez e meia o que o governo terá para gastos não-obrigatórios, ou seja, para investimentos. Outras medidas para agradar o eleitor, como a antecipação do 13° salário dos aposentados, o saque extraordinário do FTGS e o acesso a empréstimos com juros mais baixos para beneficiários de programas sociais somam R$ 184 bilhões também em 2022. O presidente partiu para o vale-tudo e está superando as piores práticas de governos anteriores para tentar garantir a reeleição, criando desequilíbrios nas contas públicas que vão alimentar a inflação, pressionar os juros e frear o crescimento nos próximos anos.

A “bala de canhão eleitoral”, como os próprios aliados do Centrão estão chamando a PEC dos Combustíveis, é o exemplo mais extremo desse descalabro. Vai subsidiar o combustível dos mais ricos, estimular o consumo dos combustíveis fósseis e aumentar o risco fiscal. Pela dimensão, superam todo o ganho obtido com mudanças que levaram anos para serem negociadas, como a Reforma da Previdência. O pacote de bondades é classificado por economistas como uma “bomba fiscal”. “O que mais chama a atenção é a obviedade do que está sendo feito. Não me lembro de ter visto movimentos tão escandalosos ao mesmo tempo nos 30 anos em que acompanho o cenário econômico brasileiro. A mensagem é: nossos compromissos fiscais são reduzidos em relação ao nosso desejo de continuar no poder”, afirma o professor Roberto de Goes Ellery Junior, da Universidade de Brasília.
Bondades eleitorais de Bolsonaro já alcançam R$ 335 bilhões. Vão piorar o desequilíbrio federativo, alimentar a inflação futura e frear o crescimento

O economista se diz espantado com a letargia do mercado diante dos avanços de Bolsonaro. “Sempre fui crítico a governos petistas e devo dizer que, se fosse Dilma fazendo tudo isso, com Guido Mantega ou Nelson Barbosa, haveria um escândalo — e com toda a razão. Os projetos têm tudo para levar o Brasil ao abismo em várias dimensões e não apenas no quesito fiscal. Há, por exemplo, problema na interferência nos preços e no pacto federativo, o que cria um precedente perigoso”, alerta.

Isso não conteve os aliados do governo. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, correm para negociar a aprovação dos dois projetos. Ainda não conseguiram driblar a resistência de governadores, que se mobilizaram nos últimos dias e argumentam que a compensação será inferior ao dinheiro perdido pelos estados e frisam que as propostas nem sequer garantem a redução dos preços nos postos de gasolina. “Estamos pedindo ao Senado e à Câmara lucidez e sensatez para que o momento eleitoral não contamine o País e não tomemos uma decisão precipitada. Precisamos de medidas estruturantes pra conter a inflação, e não de medidas de oportunidade que soam como música mas não produzem resultados”, criticou o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes.

As propostas fazem parte de um longo jogo de cena de Bolsonaro para terceirizar a culpa pela alta dos combustíveis. Além de jogar no colo dos adversários o problema, o presidente responsabiliza a Petrobras pelas altas, por isso já demitiu três presidentes da companhia, além de seu ministro das Minas e Energia. Mas o troca-troca não vai alterar a política de preços da estatal e, de quebra, provocou ainda mais instabilidade. Caso não tenha as pretensões avalizadas, Bolsonaro sinalizou que pode decretar estado de calamidade pública. Esse seria um atalho para criar benefícios sociais em ano eleitoral, o que é vedado. E mesmo com o alto comprometimento das contas públicas, não desistiu da concessão de reajustes salariais ao funcionalismo. Ele recuou em encorpar os contracheques este ano, mas antecipou que incluirá os aumentos na Lei Orçamentária Anual de 2023.

Para sua estratégia eleitoral o presidente também patrocinou o orçamento secreto. Com isso, ele garante o apoio de parlamentares, constrói palanques e amplia a vitrine de obras da própria gestão. E essa rede de benefícios funciona ainda abaixo do radar dos órgãos de controle, pois apenas R$ 6,2 bilhões de um total de R$ 16,5 bilhões tiveram suas origens identificadas. O braço cultural também começa a aparecer, com a identificação de um esquema milionário de shows de sertanejos aliados do presidente, remunerados por pequenas prefeituras sem licitação, usando uma brecha da legislação. O esquema foi exposto com a revelação de grandes cachês de artistas como Gusttavo Lima. Tudo vale pela lógica de Bolsonaro. Enquanto promove pedaladas fiscais e cortinas de fumaça, ele ignora a crise que atinge a população. Pesquisa realizada pelo Instituto Vox Popoli indica que 33,1 milhões de pessoas passam fome, mostrando que o País regrediu ao patamar de 30 anos atrás. São 14 milhões a mais pouco mais de um ano. Para isso, não há gestão.

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