Após denunciar interferência em investigação, Bruno Calandrini pode acabar punido em sindicância interna
Rodrigo Rangel
O delegado Bruno Calandrini, que prendeu o ex-ministro da
Educação Milton Ribeiro, passará por dissabores com a sindicância aberta para
apurar as suspeitas de interferência na investigação. É mais um péssimo sinal
do estado em que se encontra a corporação.
A sindicância foi instaurada depois que o próprio Calandrini
afirmou, em um grupo de WhatsApp, que a investigação foi prejudicada porque a
direção da Polícia Federal teria garantido tratamento especial a Ribeiro.
A mensagem do delegado fez barulho e, naturalmente, reacendeu
a discussão sobre a maneira como a cúpula da PF tem agido nas investigações
capazes de atingir o governo.
Teoricamente, o procedimento aberto a partir da denúncia
deveria servir para esquadrinhar as suspeitas. Mas, na prática, deve se voltar
contra o delegado.
Para se contrapor à acusação, a direção da PF vem reunindo
elementos que devem ser apresentados em desfavor de Caladrini — e, em última
instância, podem até ser usados para puni-lo.
É o caso, por exemplo, de testemunhos de policiais baseados
no estado de São Paulo que dizem ter ouvido do delegado a sugestão de conduzir
Milton Ribeiro para uma cela do sistema prisional — e não para a carceragem da
própria Polícia Federal — logo após ele ser detido.
Na manhã de 22 de junho, a Polícia Federal prendeu
preventivamente o ex-ministro da Educação durante a Operação Acesso Pago, que
investiga esquema de corrupção durante a gestão dele à frente do MEC. No
mandado de prisão, o juiz elencou ao menos quatro crimes que teriam sido
cometidos por Ribeiro: corrupção passiva, prevaricação, advocacia
administrativa e tráfico de influênciaVinicius Schmidt/Metrópoles
Antes de virar ministro, Milton Ribeiro já colecionava uma série de polêmicas. Em uma delas, postou no canal que tinha no YouTube palestra em uma Igreja Presbiteriana, em 2016. À época, afirmou apoiar o castigo físico em criançasRafaela Felicciano/Metrópoles
“Essa ideia que muitos
têm de que a criança é inocente é relativa. Um bom resultado não vai ser obtido
por meios justos e métodos suaves”, disse. Segundo ele, as crianças “devem
sentir dor”. Um dia após tomar posse no Ministério da Educação, no entanto,
retirou o vídeo da plataforma e, mais tarde, afirmou nunca ter falado sobre o
assuntoReprodução/YouTube
Em 2018, o ex-ministro afirmou que universidades incentivavam
alunos a fazerem “sexo sem limites”. “Para contribuir ainda mais, em termos
negativos, para o sexo veio a questão do existencialismo. Não importa se é com
homem ou mulher”, disse. “É isso que eles estão ensinando para os nossos filhos
na universidade”, completouReprodução/Redes Sociais
Além disso, Ribeiro afirmou que universidades devem ser para
poucos e que reitores de federais não podem ser “esquerdistas” ou “lulistas”.
“Eu acho que reitor tem que cuidar da educação e ponto final, e respeitar quem
pensa diferente. As universidades federais não podem se tornar comitê político
de um partido A, de direita, e muito menos de esquerda”, relatouRafaela
Felicciano/Metrópoles
Durante a pandemia, Milton também criticou professores que
defendiam a vacinação de crianças para o retorno das aulas. “Infelizmente,
alguns maus professores fomentam a vacinação deles, que foi conseguida. Agora,
querem a imunização das crianças. Depois, com todo o respeito, para o cachorro,
para o gato. Querem vacinação de todo jeito. O assunto é: querem manter escola
fechada”, disseIsac Nóbrega/PR
No fim de 2020, Ribeiro alegou que a nota do Enem de 2021 não
poderia ser utilizada para o Sisu, Prouni ou Fies. Segundo ele, para ter acesso
aos programas, era necessário utilizar notas de exames anteriores. Após
manifestações contrárias, o Ministério da Educação negou as falas do chefeFábio
Rodrigues/Agência Brasil
Durante uma entrevista, Milton Ribeiro relacionou a
homossexualidade a “famílias desajeitadas”. “Acho que o adolescente, que muitas
vezes opta por andar no caminho do 'homossexualismo' (SIC), tem um contexto
familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas,
algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe”, afirmouIsac Nóbrega/PR
Em 2021, quando ainda era ministro, declarou que a inclusão
de alunos com deficiências na mesma turma que alunos sem deficiências
“atrapalhava o aprendizado dos outros, porque a professora não tem equipe e não
tem conhecimento para dar atenção especial”. Segundo ele, “existem crianças com
um grau de deficiência que é impossível a convivência”Reprodução/Tv Brasil
No início de 2022, um áudio onde Milton Ribeiro afirma
priorizar repasses da Educação a determinadas prefeituras e a pedidos do
presidente Bolsonaro ganhou o noticiário. Apesar de, logo em seguida, negar a
existência de irregularidades, bem como o envolvimento de Bolsonaro, Ribeiro
passou a ser objeto de pedidos de investigaçãoVinícius Schmidt/Metrópoles
“Foi um pedido
especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor]
Gilmar”, afirma Ribeiro em conversa gravada. “A minha prioridade é atender
primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que
são amigos do pastor Gilmar”, declarou o então ministroArthur Menescal/Especial
Metrópoles
Na manhã de 22 de junho, a Polícia Federal prendeu
preventivamente o ex-ministro da Educação durante a Operação Acesso Pago, que
investiga esquema de corrupção durante a gestão dele à frente do MEC. No
mandado de prisão, o juiz elencou ao menos quatro crimes que teriam sido
cometidos por Ribeiro: corrupção passiva, prevaricação, advocacia
administrativa e tráfico de influênciaVinicius Schmidt/Metrópoles
Milton Ribeiro, nascido em 1958, é advogado, pastor,
professor e teólogo brasileiro. Natural de São Vicente, em São Paulo, é
ex-ministro da Educação do governo BolsonaroIsac Nóbrega/PR
A orientação, não cumprida pelos policiais destacados para
executar o mandado, foi entendida pela direção como uma tentativa de Calandrini
de expor o ex-ministro a condições degradantes e, assim, ampliar as chances de
ele prestar um depoimento explosivo ao ser interrogado.
Além desse ponto, a cúpula da PF deve explorar na sindicância
o fato de o delegado não ter avisado seus superiores antecipadamente sobre a
necessidade de organizar a operação que prendeu Milton Ribeiro e outros
suspeitos de participação em um esquema de corrupção no MEC.
O delegado não avisou, por óbvio, por acreditar que a
informação poderia vazar para a cúpula do governo e, eventualmente, para os
próprios investigados.
Como a coluna antecipou, o Ministério Público pediu e a
Justiça autorizou o envio do inquérito sobre o balcão do MEC para o Supremo
Tribunal Federal para apurar se o presidente Jair Bolsonaro interferiu nas
investigações.
Em uma ligação interceptada em 9 de junho pela equipe
responsável pela apuração, Milton Ribeiro disse ter recebido um telefonema de
Bolsonaro no qual o presidente falava da possibilidade de ele ser alvo de uma
operação de busca e apreensão — o que, de fato, ocorreu dias depois. O caso
está sob sigilo, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia.
Enquanto isso, na PF, a arapuca para Bruno Calandrini está armada.