Por Rafael Moraes Moura e Malu Gaspar
Depois de um breve período de calmaria, Brasília viveu nos
últimos dias um ambiente de crescente tensão entre o Palácio do Planalto e os
militares, de um lado, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de outro.
A reunião ministerial em que Jair Bolsonaro e o ministro da Defesa atacaram o
TSE e as urnas eletrônicas e a live em que o presidente fez uma fala nebulosa,
citando a invasão do Capitólio como pretexto para alertar sobre "o que
deve ser feito antes das eleições", levaram a uma intensa movimentação de
bastidores.
Temendo que esses episódios sejam o prenúncio de mais uma
onda de radicalização do bolsonarismo, com risco à própria realização das
eleições presidenciais, ministros, parlamentares e juristas saíram a campo em
conversas reservadas e jantares que visam reabrir a interlocução entre a corte
eleitoral e os militares.
Até agora, não tiveram sucesso. Os militares não abrem mão da
realização de uma reunião só entre eles e a corte para discutir os pedidos das
Forças Armadas em relação ao pleito deste ano.
E, indiretamente, tem mandado um recado aos ministros do TSE:
seja qual for o resultado dessas conversas, de outros dois pontos eles não
pretendem ceder.
O primeiro é que seja feita uma espécie de totalização
“paralela” dos votos, que seria feita de forma descentralizada, pelos 27
Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) do País, em paralelo à do TSE. O outro é
a realização de uma auditoria por uma empresa indicada pelo próprio governo.
Há, ainda, uma quarta condição que Bolsonaro já explicitou
algumas vezes e voltou a repetir na live de ontem: que um computador das Forças
Armadas seja conectado ao sistema do TSE para apurar os votos por conta
própria, embora nem ele próprio saiba explicar como isso funcionaria na
prática.
“Em nenhum momento equipes técnicas das Forças Armadas
tiveram oportunidade de conversar com os técnicos do TSE. Não adianta eu falar
com o Fachin (Edson Fachin, presidente do TSE), eu não entendo nada disso,
Fachin não entende nada de informática. Quem tem de conversar são os técnicos”,
disse Bolsonaro na live da última quinta-feira (7).
“Não existe coisa mais degradante do que alguém votar e ter
dúvidas se o voto foi ou não para aquela pessoa”, esbravejou.
O discurso do presidente na live ecoa as críticas que ele e o
ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, externaram na reunião ministerial da
última terça-feira.
Conforme informou a coluna, Bolsonaro disse que "não
entende" por que o TSE não aceita as sugestões das Forças Armadas sobre a
segurança das urnas e afirmou que, se as eleições não "forem limpas",
ele não participará do pleito – também sem explicar direito o que essa ameaça
significa.
Bolsonaro também avisou que só vai aceitar os resultados da
eleição se as sugestões das Forças Armadas ao TSE sobre segurança das urnas
foram acatadas. Na reunião, o ministro da Defesa disse que a maior parte de
suas sugestões foi ignorada. O tribunal,
por outro lado, alega ter acolhido 10 de 15 propostas pelos militares.
Uma dessas sugestões, segundo o próprio TSE, foi justamente
sobre a apuração descentralizada dos votos nos TREs. A corte eleitoral diz que
ela já existe, enquanto os militares insistem que não.
“A proposta (das Forças Armadas) ignora que a centralização
foi somente de equipamentos, sem que se tenha promovido qualquer mudança no
arco de competências das diversas instâncias jurídicas envolvidas no processo”,
acrescentou o tribunal.
Na quarta-feira (6), durante uma audiência na Comissão de
Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o ministro da Defesa afirmou que
as Forças Armadas estavam “quietinhas em seu canto” e foram chamadas a
colaborar com o TSE.
Nogueira fez referência à comissão criada pelo próprio
tribunal para aumentar a transparência do processo eleitoral, mas que acabou
virando epicentro da crise – o representante das Forças Armadas no grupo
inundou o TSE com 88 perguntas, subsidiando o Palácio do Planalto com suspeitas
sobre o sistema eletrônico de votação.
Na audiência, o ministro adotou um tom bem menos beligerante
que o das reuniões reservadas com a presença do presidente. Disse não duvidar
das urnas e afirmou que permanece “simplesmente com espírito colaborativo” para
ajudar na solução dos impasses com o TSE.
O temor de ministros do TSE e do núcleo político do governo,
especialmente dos ministros ligados ao Centrão, é de que o presidente alimente
planos de repetir por aqui a invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.
Extremistas insuflados por Donald Trump, derrotado na eleição, invadiram a sede
do parlamento para tentar impedir a posse de Joe Biden. O episódio resultou na
morte de cinco pessoas.
"Não preciso dizer o que estou pensando, ou o que está
em jogo", disse Bolsonaro na live desta quinta-feira (7). "Você sabe
como você deve se preparar, não para um novo Capitólio, ninguém quer invadir
nada. Mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições."
O receio de uma onda de violência semelhante ou até pior
também foi reconhecido por Edson Fachin numa palestra em Washington, palco da
tragédia que chocou o mundo. “Nós poderemos ter um episódio ainda mais agravado
do 6 de janeiro, do Capitólio", disse o ministro, sem se referir ao nome
de Bolsonaro.
Na ocasião, ele ainda criticou indiretamente a atuação dos
militares neste imbróglio. “As Forças
Armadas, que já elogiei pelo papel de apoio logístico e operacional nas
eleições, são definidas pela Constituição como forças nacionais, regulares e
permanentes para atender a estabilidade dos Poderes do estado. Portanto, quando
chamadas a esta arena pública são para defender as instituições, para gerar
segurança institucional e não o contrário.”