Israel Elídio de Carvalho
Filho é um pacato professor na também pacífica e apática Itabaiana, uma
cidadezinha que repousa indolente às margens do rio Paraíba. Em 1966, Israel
era estudante secundarista. Foi preso e denunciado pelo promotor militar
Francisco de Paula Accioly Filho como participante do Grupo dos Onze, com base
no Inquérito Militar presidido pelo Major Benedito Cordeiro, publicado no
Jornal do Comércio de 29.12.66. Afinal de contas, o que diabo vem a ser o Grupo
dos Onze e o que Israelzinho fazia nessa organização tão perigosa para os
ridículos militares golpistas, encastelados no poder naqueles tempos infames?
Conforme minhas pesquisas, o tal Grupo dos Onze foi uma organização que, na
realidade, nunca chegou a sair verdadeiramente do papel. Em 1964, Leonel
Brizola desconfiava de que as Forças Armadas estavam tramando um golpe para
afastar do governo o Presidente João Goulart, seu cunhado. Foi então que
planejou uma espécie de contragolpe, oposição à quartelada que se delineava.
Era o grupo dos “onze companheiros” que iriam defender o Brasil do golpe e
apoiar as reformas de base prometidas pelo Governo. Em 1965, Brizola lança o
jornal “Panfleto”, o único a ser editado, que dava as coordenadas sobre a
organização dos grupos, precauções, deveres dos membros e dos dirigentes. Com a
organização dos grupos dos onze, Brizola fazia uma alusão a onze atletas de um
time de futebol, em que os membros de cada relação de onze seriam, segundo ele,
os soldados que integrariam as fileiras do Exército Popular de Libertação (EPL),
ramificados nos principais estados da União. Foram formados 5.304 grupos que
resultariam num exército de 58.344 pessoas. Sendo um nacionalista extremado,
Brizola antevia a performance da oposição e lutou com todas as suas forças para
evitar o golpe militar que acabaria por acontecer em 31 de março de 1964.
Pois os agentes secretos desconfiaram que Israel seria um dos componentes desse
exército ilusório. Socialista declarado, ele não negava seu credo político.
Entretanto, nosso professor nunca admitiu pertencer ao tal Grupo dos Onze, ele
que jamais jogou futebol, apenas deu algumas carreiras como bandeirinha da liga
amadora local. Mas na hora da prisão, Israelzinho não teve tempo para correr,
denunciado que foi por um conhecido político local, autocrático e fascista. Ele
e outros itabaianenses foram presos, responderam aos tais inquéritos, alguns
foram torturados, perderam seus empregos ou interromperam os estudos.
No dia 28 de junho de 2007, o Ministério da Justiça deferiu requerimento de
anistia ao professor Israel Carvalho, com uma indenização pelos prejuízos
morais sofridos e pedidos de desculpas do Governo brasileiro. O Ministro Tarso
Genro, da Justiça, comentou que a lei da anistia permitiu o registro dos fatos
em sua total clareza e tornou possível a transição de um regime militar para um
regime democrático. "A Justiça de Transição tem justamente o objetivo de,
ao tratar da verdade e da memória, permitir que a história registre os fatos em
sua total clareza, para que não se repitam", disse. Além dos conceitos de
verdade e memória, o ministro destaca que é importante reparar as vítimas do
regime militar. "É dever do Estado indenizar os perseguidos políticos e é
direito da sociedade responsabilizar judicialmente aqueles que romperam com a
legalidade, os direitos humanos e cometeram crimes contra a humanidade”.
Hoje há quem negue que a ditadura existiu de forma tão violenta e cruel. Mas a
História registra aquele festival de horrores que, guardadas as proporções,
pode ser considerada a versão brasileira do Holocausto, o massacre de judeus e
de outras minorias, efetuado nos campos de concentração alemães durante a
Segunda Guerra Mundial.
Em outra oportunidade, vou contar a história de outro professor de Itabaiana
que, preso e torturado, desatinou, perdeu o juízo e passou a elogiar os
militares. Esse também conheci de perto seu drama, a catástrofe produzida pelos
suplícios na sua mente. Essa experiência penosa e desgastante marcou a nossa
geração.
POR - FÁBIO MOZART